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Estado de Minas

Sentimento do mundo


postado em 12/07/2020 04:00

Antonio Pedro Pellegrino
Procurador de Justi�a

Consta que Clarice Lispector, consumida pelo c�ncer, enfiou-se no primeiro t�xi que viu pela frente, no Rio de Janeiro, e rumou para o hospital, de onde jamais sairia. Uma vez no t�xi, ela come�ou a fazer o que fazia com maestria nos seus livros – fantasiar. Imaginou-se a caminho de Paris. N�o satisfeita em viajar sozinha, convocou a amiga que a acompanhava e o taxista para lhe fazerem companhia no tour parisiense. Como num passe de m�gica, o sofrimento arrefeceu, ainda que por breves minutos. Pois o que essa inabal�vel for�a criativa de Clarice pode nos deixar de li��o � a resist�ncia, isto �, n�o podemos permitir que esta realidade pand�mica que nos circunda, especialmente tr�gica no Brasil, destrua aquilo que, segundo H�lderlin, faz do homem um Deus – o sonho.
 
N�o � f�cil, eu sei. Nos dias atuais, a solid�o tem sido um fardo pesad�ssimo, pois n�o surge de nossa livre e espont�nea vontade, mas nos � imposta por uma quest�o de sobreviv�ncia. Em nossas casas, temos que negociar o tempo inteiro com o excesso: a TV nos inunda com as mais variadas futilidades, os profetas de ocasi�o aumentam consideravelmente, as lives' se proliferam aos montes – talvez numa velocidade maior que o v�rus. O resultado desse excesso de oferta � um imobilismo que nos toma em doloroso assalto. Temos muita coisa ao nosso dispor, o que, em outras palavras, significa dizer que n�o temos nada. Nossas vidas, n�o raro, se transformam num permanente estado de m�os vazias.

Diariamente, os verbos, sempre conjugados no futuro, nos dilaceram. ''Hospitais ser�o constru�dos", "pesquisas ser�o desenvolvidas", ao passo que nossa vida – e nossa ang�stia – se desenrola no tempo presente, no aqui e agora. O desespero faz com que nos agarremos a uma palavra feia e suja para atenuar o sofrimento: "comorbidade". Pensamos sempre: ''morreu infectado, mas tinha diabetes''; ''morreu infectado, mas tinha problema no cora��o''. Esse "mas", para quem est� ''limpo'', para quem nada carrega no corpo, � o alento, como se fosse a senten�a de que a morte n�o vir�. O problema � que estamos metidos numa batalha ingl�ria contra algu�m que n�o � de carne e osso, e de quem n�o podemos esperar piedade.

Contudo, sonhar � preciso, mesmo com toda essa cat�strofe em que estamos atolados at� o pesco�o. Sonhar � possibilidade, � constru��o, � cria��o e, a partir do momento em que deixamos de sonhar, ent�o nos entregamos de corpo e alma � morte. Se, por um lado, essa solidariedade desenvolvida na base da dist�ncia e do isolamento dificilmente mudar� o mundo, por outro, uma radical transforma��o j� se operou: a certeza de que a nossa vida n�o cabe em receitas de bolo, tudo � pass�vel de ser aprimorado, e de que, para evocar Fernando Pessoa, a realidade comporta todos os sonhos do mundo.


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