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Estado de Minas artigo

As guerras amea�am os monumentos hist�ricos?

O patrim�nio cultural protegido amplia as chances de coexist�ncia pac�fica


10/03/2022 04:00



Felipe C. V. Pires
Presidente do Instituto Estadual do Patrim�nio 
Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha-MG)

Para que sejam �teis, tempos de crise devem ser acompanhados de reflex�o. Esse certamente � o caso do cen�rio atual: uma guerra moderna, onde os alvos est�o al�m dos combatentes. � comum que os conflitos armados tenham como objetivo a infraestrutura (por seus efeitos pr�ticos, o impedimento de estradas e o controle de usinas de energia s�o t�ticas t�picas), e os monumentos dos povos inimigos. Esse �ltimo tem uma raz�o mais profunda: a destrui��o de s�mbolos impacta a moral e destr�i a liga��o de um povo com seu territ�rio. No cen�rio atual, h� um claro interesse da R�ssia na desmobiliza��o dos ucranianos e no enfraquecimento de sua identidade territorial. A invas�o russa p�e em risco bens considerados como patrim�nio mundial pela Unesco, a exemplo da Catedral de Santa Sofia de Kiev, al�m de diversos monumentos e santu�rios de import�ncia local, com o prov�vel intuito de construir uma nova narrativa dominante.

Os danos diretos que conflitos armados podem causar ao patrim�nio cultural, com ou sem inten��o de faz�-lo, s�o bastante evidentes: destrui��o parcial ou integral de monumentos hist�ricos, morte de detentores de saberes tradicionais e dessacraliza��o de espa�os s�o alguns exemplos gerais. Casos emblem�ticos incluem a Frauenkirche (Igreja de Nossa Senhora), em Dresden, Alemanha, destru�da por bombardeios aliados durante a 2ª Guerra Mundial, e mais recentemente o dos Budas de Dami�, no Afeganist�o, destru�dos em 2001 pelo governo fundamentalista talib� com o intuito de impor sua vis�o de mundo.
 
 
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Por�m, al�m dos danos diretos que um conflito pode causar, h� uma s�rie de impactos indiretos dif�ceis de ser mensurados. Guerras, reais ou percebidas, redirecionam recursos para armamentos, manuten��o de for�as armadas e cria��o de infraestrutura de seguran�a. A �nfase nos termos “real ou percebido” importa. N�o � apenas a guerra entre na��es com uso de armas de destrui��o em massa que mobiliza recursos. A constru��o ideol�gica de um “n�s contra eles” tem efeito similar, al�m de um componente ainda mais nefasto: pode criar um clima de tens�o cr�nico sem a v�lvula de escape exercida no conflito real.

Num mundo globalizado, a guerra de um �, em boa medida, a guerra de todos. Os impactos econ�micos e pol�ticos s�o sentidos em todos os cantos do planeta. Um dos medos prevalentes � o de que o conflito entre R�ssia e Ucr�nia marque uma virada hist�rica no per�odo de paz relativa iniciado ap�s a 2ª Guerra Mundial que perdurou at� o princ�pio do s�culo 21. Um campo do conhecimento que prosperou neste contexto foi o do patrim�nio cultural, recurso importante para a manuten��o da paz. � dentro desse campo de a��o que s�o tratadas as mem�rias coletivas, seja atrav�s da conserva��o de edif�cios hist�ricos e obras de arte, seja no apoio � continuidade das tradi��es. O acesso ao patrim�nio cultural subsidia uma leitura cr�tica de eventos passados, e permite que os diferentes grupos que comp�em as sociedades contempor�neas se identifiquem e desenvolvam um sentimento de experi�ncia compartilhada que os liga a um territ�rio espec�fico. Em outras palavras, o patrim�nio cultural protegido amplia as chances de coexist�ncia pac�fica.

No cen�rio de guerra atual, as cadeias de suprimentos internacionalizadas se tornam fr�geis e encarecem o custo de vida, ao mesmo tempo em que os or�amentos p�blicos se voltam para uma corrida armamentista irracional, com consequente redu��o de investimentos em educa��o, cultura e pesquisas cient�ficas. Para aumentar a complexidade, o inadequado tratamento da mem�ria coletiva exercido at� aqui permitiu o retorno de comportamentos antidemocr�ticos supostamente extintos na primeira metade do s�culo passado. Isso coloca em risco a manuten��o da paz em todo o planeta. A cultura, que j� vive de recursos escassos, ainda por cima se torna alvo para o inimigo. Se continuarmos assim, nos tornaremos todos, em pouco tempo, patrim�nio arqueol�gico.


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