Jan Luiz Leonardi
Psic�logo, formado em Terapia Comportamental Dial�tica pelo Behavioral Tech, dos EUA, com mestrado em Psicologia Experimental pela PUC-SP e doutorado em Psicologia Cl�nica pela USP. � coordenador do Clube de Excel�ncia em Psicologia Baseada em Evid�ncias
Mesmo com as conquistas, principalmente as individuais, como as da jogadora Marta, e com v�rias atletas atuando na Europa, o que poderia demonstrar um reconhecimento mundial, o futebol feminino ainda causa estranheza em muitas pessoas, e isso n�o � s� no Brasil. Pesquisa realizada no Reino Unido, mostra uma atitude mis�gina de 68% dos homens em rela��o ao esporte, quando praticado por mulheres.
A meu ver, isso ocorre por cinco fatores principais:
Percep��o cultural: o futebol � visto como um "esporte masculino" e historicamente foi dominado pelos homens.
Sexismo: infelizmente, o preconceito de g�nero ainda � muito presente em nossa sociedade. Assim, as pessoas (geralmente homens) podem presumir que as mulheres s�o inerentemente menos capazes fisicamente e menos capazes de jogar futebol em um alto n�vel. Al�m disso, as pessoas podem ter cren�as sobre o tipo de comportamento que � "apropriado ou n�o" para as mulheres. Portanto, o futebol, por ser um esporte que envolve contato f�sico agressivo, acaba sendo visto como "coisa de homem".
Desigualdade de investimento: o futebol feminino recebe menos investimento do que o masculino, o que pode causar a impress�o de que o futebol feminino � de menor qualidade ou menos importante. Os sal�rios e condi��es de trabalho t�m sido muito melhores no futebol masculino do que no feminino. H� mais patrocinadores interessados no futebol masculino do que no feminino.
Falta de visibilidade: ainda recebe muito menos aten��o da m�dia do que o futebol masculino. Isso inclui n�o apenas a transmiss�o de jogos, mas tamb�m a cobertura de not�cias e hist�rias de jogadoras. Isso pode levar a um ciclo vicioso: a m�dia pode justificar sua falta de cobertura, alegando que n�o h� interesse suficiente no futebol feminino, mas, sem cobertura da m�dia, o esporte tem dificuldade em atrair novos f�s e jogadoras.
Hist�ria mais curta: o futebol feminino tem uma hist�ria muito mais curta do que o masculino. Por exemplo, a primeira Copa do Mundo de futebol masculino foi realizada em 1930, enquanto a primeira Copa do Mundo de futebol feminino foi realizada mais de 60 anos depois, em 1991.
A cr�tica a Renata Silveira, a primeira mulher a narrar jogos de futebol da Copa no Brasil, certamente � atravessada por sexismo. Como mencionei anteriormente, o futebol � historicamente dominado por homens, as mulheres que desafiam esse status quo – seja jogando, treinando, comentando ou narrando – ainda enfrentam muita resist�ncia.
� importante notar que esses fatores est�o mudando e o futebol feminino est� se tornando cada vez mais normalizado e respeitado. As conquistas, como as da meia-atacante Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo, juntamente com um maior investimento e cobertura da m�dia, est�o ajudando a mudar as percep��es sobre o esporte. No entanto, ainda h� um longo caminho a percorrer para alcan�ar a paridade total com o futebol masculino.
Al�m disso, um fen�meno estudado pela psicologia � o vi�s de confirma��o, que � a nossa tend�ncia de interpretar informa��es de forma que confirmem as nossas cren�as pr�-existentes. Portanto, aqueles que j� acreditam que as mulheres n�o deveriam narrar jogos de futebol podem interpretar a narra��o de Silveira de uma maneira negativa, independentemente de seu desempenho real.
A psicologia nos ensina que sempre h� um elemento de estranheza com aquilo que � novidade, com o desconhecido. As pessoas est�o muito mais acostumadas a ver homens jogando futebol e a ouvir vozes masculinas narrando os jogos. Ver uma mulher jogando ou narrando futebol imediatamente � percebido como algo esquisito.
Felizmente, a psicologia tamb�m nos d� a solu��o: a familiaridade surge da exposi��o. Com o passar do tempo, come�amos a normalizar as coisas que experienciamos regularmente. As coisas que s�o constantes e duradouras em nossa cultura tendem a se tornar os padr�es que aceitamos.
O futebol masculino tem uma presen�a constante na cultura, certo? Isso gerou uma familiaridade que torna o futebol masculino um "padr�o", aquilo que � o “normal” para muitas pessoas. Portanto, quando as mulheres entram em campo – literalmente – ocorre um desvio desse "padr�o". Inicialmente, isso causa estranheza, resist�ncia e desconforto. Depois, � medida que as pessoas v�o sendo cada vez mais expostas � participa��o das mulheres no futebol, um novo padr�o � constru�do – o de que o futebol feminino � t�o emocionante quanto o masculino.