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Estado de Minas

Envelhecer e seus desafios


04/09/2023 04:00 - atualizado 04/09/2023 00:04
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Gilson E. Fonseca
Consultor de empresas

Bertrand Russel imaginou, poeticamente, as fases de nossa vida como as de um rio: nascendo pequeno e despretensioso, cheio de correntezas na adolesc�ncia, cachoeiras na juventude, mas depois desaguando mansamente para tornar-se, na velhice, um grande lago calmo e sereno. Sabemos, entretanto, que muitas vezes as correntezas e cachoeiras, se n�o h� crescimento espiritual em todas as etapas, ir�o aparecer justamente no final de nossas vidas, e, o que � pior, a vida pode tornar-se pouco prazerosa. A pandemia que assolou o Brasil e o mundo, inegavelmente, alterou nosso estado de esp�rito, potencializando ansiedades e medos. Dessa forma outros desafios surgiram junto ao enfrentamento do envelhecimento.

Pessoas h� que parecem crescer apenas biologicamente, mesmo assim porque a natureza se encarrega sozinha de faz�-lo. Nenhuma busca do equil�brio entre as dificuldades do envelhecimento f�sico pode ser conseguida sem o crescimento do esp�rito. Caso contr�rio, qual satisfa��o ficaria reservada para os mais velhos? Rugas enfeando o rosto, reumatismos, dores na coluna e outras dificuldades, s� podem ser superadas e esquecidas com toler�ncia, desprendimento, perd�o e outras virtudes que, em consequ�ncia, servir�o de refer�ncia positiva para os mais jovens. A educa��o ocidental � muito desfavor�vel para lidar com o bin�mio vida x morte. Nossa compreens�o n�o tem a firmeza dos orientais. Na Gr�cia antiga j� encontramos registros dessa preocupa��o. Conta a mitologia grega que Janos, o deus do tempo, possu�a faces bifrontais; uma virada para a frente para enxergar o futuro e a outra oposta para ver o passado. A face da frente relutava em encarar a realidade da morte, porque ela significava a perda total de tudo e continha a ideia da substitui��o e, ningu�m quer ser substitu�do. Muitas pessoas s� faltam, como na famosa fic��o do livro “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, fazer um pacto com o diabo, prometendo-lhe a alma para ficar sempre jovem.

A velhice n�o pode ser vista como a caixa de pandora, onde moram os males e as tristezas. Muitas pessoas, na idade madura, perdem a oportunidade de viver alegremente, esperando obcecadamente a morte que, na maioria das vezes acontece mais tarde do que elas imaginaram. O competente diretor de cinema Akira Kurosawa, no filme intitulado “Viver”, retratou com muita fidelidade essa situa��o. Um funcion�rio p�blico japon�s, sem motiva��o para o trabalho e para a vida, diante da constata��o do envelhecimento, s� " acordou " ao saber que estava com uma doen�a incur�vel. Despertado pelo que deixara de fazer e com forte motiva��o, " viveu " em 6 meses o que deixara de faz�-lo por quase toda a vida.

Temos muitos exemplos de pessoas que, aproveitaram a longevidade n�o apenas para contar o tempo cronol�gico, mas para viver intensamente sem medo da idade e do envelhecimento. Basta lembrar-nos de Austreg�zilo de Athayde que, como membro da Academia Brasileira de Letras parecia realmente imortal. O ator americano George Burns, viveu 100 anos contando piada e fumando charutos. O jornalista Barbosa Sobrinho faleceu aos 103 anos e fez tanto barulho pelas causas sociais que parecia ter apenas 30 anos. Quem acredita na dualidade, isto �, no corpo e na alma, poder� como Janos ter duas faces, mas enxergar a velhice como uma grande prepara��o para uma vida futura maior e duradoura.

Um banqueiro americano de nome Don Taylor disse certa vez que s� conhece duas coisas que melhoram com o tempo: " vinho e juros compostos ". Pela vida das tr�s pessoas citadas, creio que podemos acrescentar uma terceira: a sabedoria. Essa tese � refor�ada pelo antrop�logo franc�s Alexis Carrel no seu famoso livro “O homem perante a vida” quando diz que nossa exist�ncia � regida por tr�s leis (ou instintos): conserva��o, propaga��o e ascese. No dia a dia, exercitamos claramente a conserva��o da vida, diante de qualquer objeto que amea�a cair sobre a gente, independentemente do tamanho, imediatamente cobrimos a cabe�a com as m�os. Tamb�m somos compelidos a propagar a vida, sem temer ter filhos doentes, enfrentar um luto, etc. A ascese que � o crescimento espiritual � a mais interessante pois, simboliza a sabedoria. Sem ela, como vamos competir com os mais jovens?

Assim, podemos rejeitar definitivamente o prov�rbio latino “Senectus et morbus” (a velhice � doen�a). A Velhice, essencialmente, s� acontece quando faltam projetos, quando se v�o os sonhos ou quando se perdem as esperan�as. Em um encontro casual com um senhor j� idoso, mineiro tipicamente do interior, ao elogiar sua disposi��o, disse-me ele: “O velho � t�o bom quanto pau de candeia, s� solta a casca.” � importante tamb�m compreendermos melhor Guimar�es Rosa no seu livro “Grande sert�o: veredas” quando disse, noutro contexto, “viver � perigoso”. Ele apenas quis dizer dos desafios inexor�veis a que estamos sujeitos, sobretudo, na velhice. Portanto, a vida � uma d�diva que recebemos e nos cumpre preserv�-la.


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