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EU SOU A LENDA


postado em 12/07/2019 04:08

A morte precoce � um atributo desej�vel na hist�ria do rock. Sens�veis, vulner�veis, � deriva no trem descarrilhado de suas pr�prias vidas, muitas estrelas da m�sica sucumbem, �s vezes com espantosa facilidade, �s drogas, depress�o e, finalmente, ao suic�dio. Quais for�as empurraram Kurt Cobain, Jim Morrison, Sid Vicious e at� mesmo John Lennon para o destino fatal e, ao mesmo tempo, para a imortalidade que os homens comuns nunca alcan�ar�o?
 
A escritora argentina Mariana Enriquez cria ambiente sedutor e fantasmag�rico em seu �ltimo romance, Este � o mar (Intr�nseca), para explicar, de forma quase did�tica, como nascem as lendas do rock. Kurt Cobain, por exemplo, nunca esteve sozinho, isolado, como mostra o soberbo filme �ltimos dias, de Gus van Sant. Na realidade fant�stica de Enriquez, ao lado do vocalista do Nirvana a todo momento est� presente Violeta, uma ninfa indie, de cabelo pintado de roxo, t�nis cano alto, magreza anor�xica e um erotismo g�lido. Foi ela, invis�vel a todos mortais, quem lentamente acirrou a depress�o de Kurt, injetou hero�na em suas veias e lhe colocou uma arma nas m�os.

Kurt � eterno. Violeta � um ser sobrenatural, como os personagens de Neil Gaiman, de Sandman, de quem Enriquez � f� confessa. Seu livro � uma esp�cie de romance de forma��o, de sabor et�reo, de Helena, uma dessas fadas que t�m como miss�o tornar uma lenda o cantor James Evans, da fict�cia banda Fallen. Para tanto, ela tem “aulas” com as criadoras de Lennon, do sex pistol Sid Vicious, Brian Jones, dos Stones. H� um certo humor involunt�rio. Umas delas teve como miss�o matar David Bowie, mas este era muito apegado � vida, ela se desviou da hist�ria e acabou por finalizar Nick Drake, uma lenda cult (Bowie, por sua vez, n�o precisou morrer aos 27 para se tornar imortal, mas isso � outra hist�ria).

O tema n�o � novo. Em Macbeth e Hamlet, de William Shakespeare, fantasmas levam os personagens � loucura e ao abismo da alma. Na literatura de Homero, deuses mundanos (semelhantes �s ninfas de Enriquez) manipulam os her�is para a honra, gl�ria e muitas vezez a morte. A argentina atualiza esse fil�o com um delicioso apelo pop e com um estilo minimalista de escrita, narrativo e did�tico, como, por exemplo, da fic��o fant�stica do multiplatinado japon�s Haruki Murakami. Ela mesma chama esse estilo de “weird fiction”.

Enriquez � um dos grandes nomes da nova literatura argentina. Ela estreou com 21 anos, com Bajo lo Peor (sem tradu��o no Brasil), em 1994, uma hist�ria de amores gays e drogas que ela escreveu em noites regadas a vinho e maconha. Ela pr�pria era uma p�s-adolescente roqueira em saias de couro e coturnos militares. Jornalista de forma��o, foi editora e colunista na imprensa portenha. Prol�fica, escreveu ensaios, contos para a New Yorker, uma elogiada biografia da escritora Silvina Ocampo (que sempre ficara � sombra do marido, Bioy Casares), al�m de um aclamado livro de contos g�ticos, As coisas que perdemos no fogo (Intr�nseca), de 2016. Em Este � o mar, t�o intrigante quanto a hist�ria de como James Evans vai se tornar uma lenda � o passeio pela psiqu� dos f�s adolescentes de uma banda de rock. Helena, antes de ser ninfa luminosa, come�a como uma simples abelha oper�ria. Para subir na carreira de fada superpoderosa, ela provoca o suic�dio de uma garota de 14 anos que � impedida pelos pais de ir ao show do Fallen. Depois do epis�dio, ela � posta na miss�o de colocar no rumo dos lend�rios o sensual e delicado cantor, autor de composi��es med�ocres. Para melhorar o repert�rio de Evans, que mais parece uma c�pia de Imagine Dragons, Helena chega a dar uma for�a nas letras.

N�o apenas humanos e fadas s�o personagens. No melhor estilo Stephen King (outro querido de Enriquez), h� vida e temperamento nos ambientes, no nevoeiro, nas casas ol�mpicas � beira mar. Nos jardins de musgos ancestrais, lagos profundos que guardam as dores da depress�o, sejam dos homens, sejam dos seres mitol�gicos, sempre mulheres que atendem por nomes como H�cate, Pers�fone e Vashti, num mix internacional de divindades.

O romance transborda o feminino (n�o o feminismo), todo poder � das ninfas, que se beijam, mas n�o t�m sexualidade, n�o t�m paix�o, n�o t�m sentimentos. Helena � gananciosa como uma alta executiva do Vale do Sil�cio. Persegue uma carreira, a glorifica��o de James, sugando-lhe a alma. O caminho parece indolor, a menos, � claro, que surja na trama outro elemento t�o comum aos romances g�ticos: o improv�vel amor rom�ntico.

* Jo�o Luiz Marcondes � jornalista e escritor


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