
O isolamento social imposto pela pandemia do novo coronav�rus, embora tenha sido vivido de forma distinta pelas pessoas, tem sido bem aproveitado pela professora, poeta e escritora Ana Elisa Ribeiro. O recolhimento for�ado permitiu a conclus�o de tr�s livros que est�o sendo lan�ados: O ar de uma teimosia: trilhas da publica��o em Clarice Lispector, L�cia Machado de Almeida e Henriqueta Lisboa (Macabeia Edi��es); Projetos editoriais e redes intelectuais na Am�rica Latina, de Jos� Luis de Diego, tradu��o de Ana Elisa Ribeiro e S�rgio Karam; e Tarefas de edi��o: fic��es da escrita e do livro em correspond�ncias de escritores (Impress�es de Minas e Led), que ela organiza com Cleber Ara�jo Cabral. Para coroar o momento de intensa produtividade, Ana Elisa � uma das finalistas da 62ª edi��o do Pr�mio Jabuti, na categoria poesia, pelo livro Dicion�rio de imprecis�es (Impress�es de Minas).
O ar de uma teimosia resulta de colet�nea de artigos sobre as escritoras brasileiras e como foram os processos de publica��o de cada uma delas. O segundo apresenta a pesquisa de Jos� Luis de Diego, pesquisador argentino, acerca da edi��o, e o terceiro � um minidicion�rio. Tarefas de edi��o � o resultado de pesquisa realizada no programa de p�s-gradua��o em estudos de linguagens (Posling). Fomentada pela Diretoria de Extens�o e Desenvolvimento Comunit�rio do Centro Federal de Educa��o Tecnol�gica de Minas Gerais (Cefet-MG), a publica��o � uma parceria da Impress�es de Minas com a LED, editora-laborat�rio do curso de letras da institui��o.
Os tr�s livros t�m em comum a abordagem do processo de edi��o. Ao mostrar o caminho necess�rio a percorrer para que um autor possa enfim publicar, coloca-se por terra a mitifica��o da escrita. “� muito bom escrever e publicar, mas entender como funciona o processo, inclusive aprendendo que n�o � linear, n�o � igual para todo mundo, n�o tem uma receita para chegar l�, � importante. Primeiro, frustra-se menos. Segundo, porque derruba o imagin�rio de autor consagrado, entende-se o esfor�o”. A autora quer demonstrar que n�o basta imprimir o livro; depois dessa etapa, h� muitas outras a serem cumpridas para quem deseja ser escritor. Nesta entrevista, Ana Elisa fala dos segredos da edi��o.
O processo de edi��o � tema recorrente nos tr�s livros. No entanto, foram feitos em diferentes momentos, embora a publica��o tenha coincidido para agora. Eles dialogam entre si?
[A reflex�o sobre a edi��o] � o que une os tr�s. O livro traduzido, do professor De Diego, fala do processo de edi��o na Am�rica Latina, de redes de intelectuais de escritores latino-americanos, os hisp�nicos. Trata de figuras como Jorge Luis Borges, Julio Cort�zar. De Diego � estudioso disso h� muito tempo, com quem fiz curso no inicinho de 2017. Depois ele veio ao Brasil para dar um curso no Cefet. Desde ent�o, ficamos em di�logo. A ideia de traduzi-lo � de 2017. Por�m, a tradu��o � um processo muito lento. S�rgio Karam, especialista em literatura latino-americana, e eu nos juntamos para ver os livros do De Diego. Selecionamos os cap�tulos dos dois livros que nos interessavam mais. Portanto, a vers�o do Brasil � exclusiva e re�ne textos de livros diferentes dele. Escolhemos os textos mais gen�ricos e n�o t�o espec�ficos da Argentina.
Enquanto isso, voc� fazia os outros dois livros?
Os livros convergiram para a mesma �poca. O Tarefas de edi��o � organizado por mim e por Cl�ber Cabral, que fez p�s-doutorado comigo no Cefet. Na �poca, ele teve a ideia de reunirmos verbetes de v�rios especialistas sobre as tarefas da edi��o. Cada um escreveu dois verbetes sobre v�rios assuntos, como, por exemplo, revis�o de texto, livro. � um trabalho coletivo e longo – de dois anos. N�o conseguimos falar tudo do processo de edi��o, mas abarca muita coisa. S�o 19 autores de v�rias partes do pa�s, contando comigo e o Cl�ber.
No terceiro livro, voc� trata do processo de edi��o de Clarice Lispector, Henriqueta Lisboa...
Desde 2012, trabalho com as escritoras brasileiras. A minha pergunta � ‘como uma escritora, em �poca hostil, meados do s�culo 20, conseguia escrever e publicar?’ Por todas as raz�es – mercado editorial mais dif�cil, pa�s mais dif�cil, mercado editorial muito menor, muito mais incipiente. Para descobrir, rastreei com quem conversavam e quais eram as redes intelectuais delas. Que mulheres eram essas? N�o � � toa. S�o mulheres brancas e burguesas. Era muito mais dif�cil para outras mulheres publicarem. Elas conversavam entre si. A Clarice, n�o, � um caso � parte. Mas ela trocava muita correspond�ncia com Fernando Sabino, que foi editor dela tamb�m.
As correspond�ncias de escritores s�o boas fontes para entender a literatura feita por eles?
Normalmente, estudamos literatura sem nos preocupar muito como aquele livro veio para o mundo, como aquela ideia, aquele romance e poema viraram livro, como chegou �s pessoas. Estudamos a literatura desmaterializada. Quando nasci, Clarice Lispector j� era Clarice Lispector. Mas ela teve uma trajet�ria at� ali que tem a ver com como ela foi editada. � um peda�o que a gente n�o olha.
Quando olhamos para as autoras consagradas, � dif�cil pensar que tiveram os livros recusados ou que o processo de edi��o tenha sido dif�cil tamb�m para elas.
Achamos que foi f�cil. E n�o �. A Clarice, em muitos momentos, perde a paci�ncia. Fala que ela vai pagar [pela edi��o], que tinha muita pressa. Pressionava muito os caras. � interessante v�-la falando dos editores da �poca. O Sabino a acalmava, falava ‘calma. Vai dar’. Ela dizia ‘eu n�o aceito. Eu quero em seis meses.’ Ele falava ‘n�o. Vai ter que ser para daqui a dois anos.’ Henriqueta era superdeterminada. Sabia o que queria. Sa�a o livro, ela ficava chateada, porque ningu�m falava nada, n�o sa�a uma notinha, uma cr�tica. A exaspera��o delas. O t�tulo do livro � uma fala da Clarice Lispector, uma carta dela para o L�cio Cardoso, que era muito amigo dela. Uma hora ela fala com ele ‘escrever � o ar de uma teimosia.’ Tinha mesmo que ser muito teimosa para conseguir. Todas elas eram. A L�cia, talvez, um pouco menos. A impress�o � que a L�cia era mais calma. Mas ela estava na literatura infantojuvenil, um lugar que mulher sempre p�de estar. Um lugar que n�o incomoda muito.
Essa dificuldade de elas publicarem est� relacionada ao g�nero?
G�nero liter�rio ou g�nero homem e mulher? Tem muito a ver com a mulher poder ocupar esse espa�o e tipos de literatura diferentes. N�o � s� por ser mulher, mas por estar ocupando certos espa�os. Se for na literatura infantil pode, porque tem uma mistura com educa��o e maternidade. No romance para adulto, a disputa � mais acirrada. L�cia trafegou pouco nisso a�. Mas, na literatura infantojuvenil ela era muito bem-sucedida, vendia muito. � claro que publicar � um processo dif�cil para qualquer pessoa, � um processo lento. Homens e mulheres t�m que fazer um esfor�o. Mas para as mulheres era mais dif�cil ainda. A vida reservada para mulher era a vida privada. Menos mulheres conseguiam atravessar essa quantidade de obst�culos para ter uma vida p�blica. Chegar nesse ponto era dif�cil. O marido da L�cia, aparentemente, era muito incentivador dela. O da Clarice tamb�m, mas ela se divorciou depois e voltou para o Brasil. Mantinha muito contato aqui, mas sempre de fora e os amigos para quem ela pedia as coisas, ‘tenta pra mim a� para eu escrever uma cr�nica num jornal. Estou precisando de dinheiro’. � algo que a gente n�o imagina.
O que faz um escritor conseguir publicar, ter visibilidade e entrar no mercado editorial? Parece-me que n�o basta a qualidade na escrita. Voc� fala de uma rede de intelectuais? S�o essas rela��es que determinam?
� isso tudo misturado. O texto determina sim. � dif�cil isso, porque depende de outras coisas, mas n�o � s� ele. As redes intelectuais t�m uma rela��o importante. Quem voc� conhece? Quem vai dizer que voc� � bom? Dependendo da autoridade e, nessa �poca, era s� homem. Com quem elas conversam? A Henriqueta tinha um irm�o que morava no Rio. Ela pede endere�os para mandar o livro para ver se algu�m falava alguma coisa. E recebe do irm�o uma lista de homem. A quem voc� tem que recorrer para pessoa dizer no jornal, na coluna e dizer que voc� � boa. � uma quest�o de capital simb�lico. Esse algu�m � quem? N�o � qualquer um. Um fulano resolve te apadrinhar. � claro que o texto tem que se sustentar. A pessoa tem que se sustentar com o texto e com a frequ�ncia de publica��o. �s vezes, a pessoa publica um livro e some. A gente v� isso contemporaneamente. Hoje � mais gente, mais livro, � mais tudo. � inflacionado. As mulheres est�o fortemente na cena, pelo menos na cena de publica��o. Ainda tem poucas mulheres em determinados pontos da cena. Hoje � mais dif�cil ignorar a produ��o delas. Continua havendo essa rede de intelectuais, quem diz quem � bom. A editora x ou y que d� mais visibilidade, que faz um autor. Fala para todo lado essa � a promessa da literatura brasileira – j� vi isso demais. ‘Voc�s est�o assistindo ao processo de canoniza��o, jovem autor que vai ser um cl�ssico.’ Como voc� sabe disso? Tem editora que tem esse poder de marketing e poder de fogo agressivo. E tem uma infinidade de editoras pequenas, que t�m poder de lan�ar vozes novas. Fazer a parte mais corajosa do processo. Pegar autor que est� pronto � uma coisa. Pegar gente jovem e p�r na pra�a � outra.
Voc� faz um comparativo do que era o publicar no passado e o que � hoje. Publicar hoje � mais f�cil ou � mais dif�cil?
Publicar � muito mais f�cil. Continua sendo dif�cil algu�m ler seu livro. � comum um autor e autora iniciantes acharem que v�o publicar, ganhar a capa do jornal, ganhar a vitrine da livraria. Tem um imagin�rio sobre isso que n�o � verdade. Para ir para a capa do jornal tem que ter acontecido um monte de coisa. Para aparecer na vitrine da livraria tem muita coisa. Esse imagin�rio � muito mal informado. A maioria das pessoas acha que � um caminho linear.
Servi�o
Tarefas de edi��o: fic��es da escrita e do livro em correspond�ncias de escritores (Impress�es de Minas e Led)
Ana Elisa Ribeiro e Cleber Ara�jo Cabral
Gratuito, link para baixar: https://www.letras.bh.cefetmg.br/nosso-catalogo
Projetos editoriais e redes intelectuais na Am�rica Latina
Jos� Luis de Diego, tradu��o de Ana Elisa Ribeiro e S�rgio Karam
Disponivel em https://editoramoinhos.com.br/loja/projetos-editoriais-e-redes-intelectuais-na-america-latina/
Um dos livros conclu�dos por Ana Elisa durante a pandemia, O ar de uma teimosia, ser� lan�ado na Feira Virtual do Festival Liter�rio Internacional de Po�os de Caldas (Flipo�os), em 15 de novembro, �s 21h. O festival liter�rio ser� realizado na vers�o online, de 11 a 15 de novembro, no endere�o www.flipocos.com.

O ar de uma teimosia
.Ana Elisa Ribeiro
.Macabeia edi��es
.150 p�ginas
.R$ 34
