(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas PENSAR

Primeira leitura: 'Terra sangria', de Alexandre Marino

Volume � o oitavo livro do escritor mineiro, e foi escrito durante a pandemia e com a utiliza��o da poesia como "ferramenta contra o pesadelo"


04/11/2022 04:00 - atualizado 03/11/2022 23:45

O mapa do inferno


O que � o inferno, doce crian�a? 
H� tantos infernos 
em teu doce para�so. 
O inferno pode ser esse rio di�fano 
cheio de v�mitos das m�quinas 
e peixes assassinados. 
O inferno pode ser a casa ao lado. 

Queres fugir do inferno, triste criatura? 
N�o adianta correr pelas ruas  
que percorremos todos os dias 
como se nos levassem ao futuro. 
O inferno n�o tem endere�o fixo 
nem convida a uma visita. 
O inferno pode ser a �nica sa�da. 

Conheces o inferno, garota melanc�lica?
H� meio s�culo se dizia 
que o mundo seria um inferno 
em cinquenta anos. E agora, 
que ares infernais te sufocam, 
s� falta meio s�culo 
para que o inferno aflore. 

Ah, bela menina, o inferno
n�o � um lugar desconhecido, 
nem aquela dor que te alucina, 
mas este mundo que te rodeia, 
os sonhos que te sonharam, 
todas as hist�rias que contaram 
enquanto, no ber�o, dormias. 
 
 
 
 

Pistas 


Deixamos pistas por toda parte. 
Sangue coagulado na cal�ada, 
um olhar desesperado que perdura 
sobre a cegueira da noite escura, 
restos de uma fogueira que arde. 

Deixamos pistas por toda parte, 
uma caixa de pandora cheia de f�ria, 
sobras de amor em obras de arte, 
sinais de um grafite sob o piche, 
cicatrizes de torturas renovadas. 

Suores, sil�ncios, l�grimas ressecadas. 
Deixamos pistas por toda parte. 
Nossas pegadas em tardes de chuva, 
prazeres inconfessos, pequenos pecados, 
a sombra im�vel no local da partida. 

Se deixamos pistas por toda parte, 
por que tantas mem�rias esquecidas? 
De nossos sonhos restaram pesadelos, 
dos desejos, uma esperan�a esmorecida. 
Jardins fossilizados n�o exalam perfumes. 

H� um adeus a pairar no horizonte, 
a dor contagiosa de algu�m que chora, 
um inocente � espera de um algoz. 
O planeta de volta ao ponto de partida 
e o amor que muda as cores da aurora. 

Deixamos pistas por toda parte. 
Mist�rios com uma dose de tristeza, 
hist�rias em que ningu�m acredita, 
uma beleza fr�gil e aflita. 

 
 
 
 

O p�ssaro 
em p�nico 


O p�ssaro invadiu a sala. 
O p�ssaro em p�nico 
choca-se contra os limites 
que o separam do nada 
e subvertem seu poder 
de buscar o infinito.

O p�ssaro sobrevoa 
as carambolas podres, 
a camisa manchada de sangue 
abandonada no sof� 
e o brilho dos cacos de vidro 
sobre o ladrilho. 

Sem espa�o, o p�ssaro 
percorre o corredor, 
repele as flores murchas 
no vaso quebrado, 
e ao entrar no quarto 
pela fresta da porta, 
o p�ssaro ignora 
a TV narrando crimes 
� mulher morta. 

Na cama ensolarada 
ela mira a paisagem 
onde os p�ssaros cantam 
sem compreender 
seus reflexos nas vidra�as. 
 
 
 

P�ndulos 


N�o � minha esta cidade 
nem seu colo de trapos enlameados. 
Uma pedra vaga na rua, talvez 
anseie por minha pisada. 
Tamb�m j� n�o � a mesma, 
depois de tantas chuvas, 
tanta fuligem, 
tantas solid�es. 

A cidade caminha tr�pega 
sobre filhos e agregados, 
um meteoro os amea�a. 
Esta cidade n�o cabe em meu cora��o, 
� feita de barulhos demais, 
sil�ncios demais, 
gente demais nas ruas e por�es, 
sem saber aonde vai. 

Pr�dios, meros esqueletos 
ao meu olhar estranho. 
Outros passantes admiram 
sua portentosa grandeza, 
sua obsess�o espelhada, 
seu mau-olhado. 
H� mofo e rachaduras 
no concreto sedutor 
que abriga outros esqueletos, 
enforcados, feito p�ndulos, 
contando as horas 
do esquecimento.  
 
  
 
Alexandre Marino.
Alexandre Marino (foto: Jo�o Neto/divulga��o)

Sobre o autor e o livro

Mineiro de Passos, Alexandre Marino come�ou na literatura ainda adolescente, quando publicou contos e poemas na revista mimeografada Prot�tipo, que criou e editou ao lado de outros escritores em sua cidade natal. Jornalista e escritor, mora em Bras�lia e trabalhou nas reda��es de O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense, entre outros. “Terra sangria”, o oitavo livro, foi escrito durante a pandemia e com a utiliza��o da poesia como “ferramenta contra o pesadelo”. Na apresenta��o do livro, Maria Val�ria Rezende afirma: “Equilibrista em corda bamba, l� no alto, muito alto, vai o poeta, passo a passo, transformando em poesia as incertezas, as dores, mas sobretudo as esperan�as, as pequenas luzes que rebrilham no meio da treva, da neblina que nos cega.”
 
 
“Terra sangria”
Alexandre Marino
Penalux Editora
102 p�ginas
R$ 42
“Sempre um Papo” com aut�grafos do autor neste s�bado (5/11), das 11h �s 14h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, Belo Horizonte) 
O livro pode ser encontrado tamb�m no site: editorapenalux.com.br  


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)