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Estado de Minas PENSAR

Leticia Santana Gomes: quem edita os livros que lemos?

Em artigo, pesquisadora destaca a rela��o entre mulheres-editoras-independentes e os trabalhos que elas publicam


30/06/2023 04:00 - atualizado 30/06/2023 07:46
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Maria Antonieta Cunha, fundadora da Miguilim, e Ivana Jinkings, da Boitempo Editora
Maria Antonieta Cunha, fundadora da Miguilim, e Ivana Jinkings, da Boitempo Editora: diferentes gera��es e tem�ticas. (foto: Divulga��o)

Leticia Santana Gomes *

Especial para o EM

 

J� ouvimos ou temos mem�rias de grandes casas editoriais e de homens editores – Paula Brito, Monteiro Lobato, Erico Verissimo, Jos� Olympio, �nio Silveira, Jorge Zahar, dentre outros. Certamente voc� j� escutou ou leu algum livro em que constava algum desses nomes, mas e as mulheres editoras, quem e onde est�o? Est� evidenciada, dessa maneira, o protagonismo masculino no mercado editorial e o silenciamento das mulheres editoras que fazem circular importantes obras no mercado de bens simb�licos. H� uma discrep�ncia que incide ao g�nero no campo editorial, em um cen�rio que, contraditoriamente, � marcado por mulheres. Foi nesse intuito que surgiu a tese de doutorado “Mulheres-editoras-independentes e as edi��es de si", desenvolvida no Programa de Estudos de Linguagens do Cefet-MG.

 

No entanto, desde 2015, com a realiza��o da pesquisa “Por uma mem�ria editorial” e da Cole��o Edi��o e Of�cio, investiguei os/as editores/as de vanguarda no estado de Minas Gerais. Mulheres precursoras em um cen�rio editorial independente foram entrevistadas e protagonistas para um acervo sobre profissionais da edi��o. Chegamos �s precursoras Maria Mazarello Rodrigues, fundadora da Mazza Edi��es, primeira editora de registro de publica��es afro-brasileiras e com forte atua��o at� hoje; Maria Antonieta Cunha, fundadora da primeira editora e livraria Miguilim, pioneira em publica��es infantojuvenis; S�nia Junqueira, professora, escritora e editora que atuou em grandes editoras, sobretudo em livros did�ticos. Poder�amos dizer de muitas, e hoje, felizmente, se perde de vista a efervesc�ncia de mulheres editoras que surgem em diferentes gera��es, tem�ticas, nichos.

 

A partir desse cen�rio, houve a urg�ncia de se discutir e escutar essas editoras silenciadas e entender a din�mica de suas pr�ticas editoriais, que nos levou a outros territ�rios, como Argentina e Fran�a. Para isso, estabelecemos como recorte da nossa pesquisa da tese as mulheres criadoras da pr�pria casa editorial; mentoras do pr�prio cat�logo editorial; e tamb�m o  nicho espec�fico de publica��o – a pol�tica progressista. 

 

Nesse recorte, encontramos as mulheres-editoras-independentes: 1) a brasileira Ivana Jinkings, que fundou, em 1995, a Boitempo Editorial (em homenagem ao pai, que havia tido editora de mesmo nome no Par�); com mais de 20 anos de exist�ncia, a editora publicou obras de influentes pensadores nacionais e internacionais. Jinkings foi uma das fundadoras da Liga Brasileira de Editores (Libre), reconhecida pela difus�o liter�ria marxista e progressista. 2) a argentina Constanza Brunet, poder�amos dizer, � o maior nome de editora progressista no pa�s, com publica��es exclusivas de jornalismo investigativo e hist�ria pol�tica; Brunet, formada em jornalismo e ci�ncias pol�ticas, foi a fundadora da Marea Editorial em 2003. 3) Isabelle Pivert, na Fran�a, conhecida como a editora “anarquista” francesa, que tamb�m � escritora, fundou a �ditions du Sextant em 2003, com publica��es “para compreender o mundo”, ligadas a obras de car�ter contestat�rio e temas como crises (pol�tica, econ�mica, sanit�ria), hist�rias, testemunhos de ex-combatentes da resist�ncia da Segunda Guerra Mundial em formato de bolso. 

 

Nesse hist�rico editorial sobre mulheres editoras nestes tr�s pa�ses, observamos o sexismo e uma divis�o desigual de trabalho existente, principalmente nos nomes de mem�rias �s casas editoriais. Havia o nome do patriarca nas editoras, mas o of�cio editorial era aprendido com as mulheres –  herdeiras, vi�vas, parceiras, mas acima de tudo, editoras. 

 

 

“Edi��o de si”

 

A pergunta central e latente para a pesquisa que desenvolvemos era  questionar se havia uma coincid�ncia entre o que essas mulheres mulheres-editoras-independentes publicavam em seus cat�logos editoriais e as proje��es que faziam de si, a partir da an�lise das entrevistas realizadas. O resultado foi encontrar os cat�logos editoriais como uma das facetas, uma “edi��o de si” dessas mulheres-editoras-independentes, que deixam suas proje��es identit�rias e institucionais que se imbricam. H� uma personifica��o, muitas vezes volunt�ria (algumas publica��es est�o relacionadas a uma forma��o acad�mica espec�fica, como em ci�ncias pol�ticas, econ�micas, por exemplo) e involunt�ria (s�o regidas por espa�os de press�o mercadol�gica, mesmo inseridas no contexto independente), mas h� uma conson�ncia identit�ria no que � publicado e seus percursos de vida, muitas vezes indissoci�vel casa editorial da pr�pria vida �ntima e privada. 

 

O sintagma “edi��o de si” acompanha essa incompletude nos diversos sentidos discursivos e, sobretudo, editoriais pelas quais as mulheres-editoras-independentes perpassam, j� que n�o h� um cat�logo pronto, h� tentativas de um percurso e de livros a serem feitos, de edi��es constantes e inacabadas – de si, da casa editorial, de ambas. 

 

Nessa “personifica��o” entre proje��es, essa “edi��o de si” � conceito “guarda-chuva” para ancorar um processo que evidencia uma incompletude do ser e da institui��o. Descrever e analisar o cat�logo como narrativa discursiva � uma das formas de narrar, dessa “edi��o de si”, como lugar de se fazer significar e de se avaliar. “Editar” � ferramenta de resist�ncia, “editar a si”, “editar o mundo” s�o pot�ncias para reexistir, � possibilitar a extens�o da mem�ria, da imagina��o, � propor a bibliodiversidade a uma sociedade. Quem ganha, claro, � o leitor, esse que, provavelmente, ao abrir um livro, tamb�m observa quem os fez e quem os editou – ou quem foi a editora, tanto f�sica quanto jur�dica, que colocou em nossas m�os mais um objeto livro a ser devorado.

 

* Leticia Santana Gomes � doutora em Estudos de Linguagens do Cefet-MG 


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