
Bruna Beber
Angular
O que os meus mortos n�o sabem e nunca v�o ouvir falar
� que ainda estou de p� e sorrindo em uma cena perdida
no passado de suas vidas; cores-sombras, vivos, sorrindo
dentro da minha vida. De manh�, ao derramar o caf�
fora da x�cara, ainda sou crian�a e ou�o o tlectlectlec
da m�quina de escrever da minha tia. Vov� cruzou
a copa pela porta da cozinha, com pressa, sozinha
sobre a f�ria de quem vai socorrer a carne assada
A porta do quarto bate, eu salto, um quadro
cai da parede na escrivaninha, a geladeira
esguicha. Ondas. Calor e energia. N�o sabem
n�o querem, n�o pedem, mas deslizam e eu
rastejo na eletricidade — um sopro, um eco
um tra�o, um tique — das palavras, da estada
permanente das palavras que disseram um dia
Ainda n�o terminei o caf�, tampouco sinto saudade
pois sei que assim que me levantar desta mesa
vou reviver o mundo em altura e gra�a
sentada na cacunda do meu tio.
Chuvisco
Na tarde que me despedi de seus ossos
fiz promessa aos urubus no horizonte
dos meus trinta e tr�s anos
No final disse a eles: andorinhas,
por favor, ora cotovias, massageiem
o passado desses trinta e quatro anos
S� agora aos trinta e cinco � que come�o
a dar adeus � sua voz; long�nqua caminha
para a mudez, mas h� pouco vibrava
ao falar sobre a loja de guarda-chuvas
que visit�vamos todo m�s s� para entoar
nosso bord�o — sombrinha pra sobrinha!
Anos e anos depois continuo descendo
a rampa do cemit�rio, e j� naquela tarde
pressinto que nunca chegar� ao fim
Mas hoje aos trinta e sete tento balizar
a l�grima e os dias e, olhando o retrato
daquele s�bado em Juiz de Fora, sorri.
Milagre dos peixes
Toda montanha � uma onda parada.
Do jardim avisto a flor que cresce
resistiva no beiral do telhado
Toda culpa � circunst�ncia.
Do pombal assisto � gota de chuva
submergir no desn�vel da estrada
Habitar o trilho � habitar o p�ssaro.
Tanta pedra mo�da! Mas � no rasante
da sanfona que o p�ssaro rastreia
Mando um recado pelo ar
da manh�zinha: maquinista
n�o sai do lugar, � o destino
de costas que orienta seus dias.
Casar�es
O cora��o � o povoado da mem�ria;
aparentado com o f�gado � o sentimento
a indigna��o ocupa o est�mago
mas o desejo faz do pulm�o um pomar
A cabe�a � inquilina
ou propriet�ria do corpo,
e quem morre primeiro?
�gua suja
Ano que vem
fantasia de carne
de sol temperada
com �dio.