Na Constitui��o brasileira, a regra � clara: sa�de � direito fundamental de todo cidad�o. Mas a interpreta��o da prerrogativa se tornou uma pol�mica em que – enquanto paciente, m�dico, Justi�a e Executivo n�o conseguem se entender – uma explos�o de gastos desafia os or�amentos do governo estadual e de prefeituras. S� no ano passado, o governo de Minas gastou R$ 46.559.012 apenas em rem�dios garantidos por decis�es judiciais, nada menos do que 28.333% a mais do que o valor desembolsado em 2002 (R$ 164.325). Se o ritmo for mantido, este ano poder� dobrar os gastos de 2010. At� junho, j� foram consumidos R$ 46.362.563. Na outra ponta do problema, pacientes alegam n�o poder pagar por medicamentos que salvariam suas vidas.
Em seu parecer sobre as contas de 2010 do governo de Minas, o conselheiro Sebasti�o Helv�cio, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), destacou o crescimento dos valores desembolsados com a��es judiciais sobre sa�de, alertando para um prov�vel descompasso das contas p�blicas. Os gastos v�o muito al�m dos R$ 46,5 milh�es, uma vez que incluem, al�m dos rem�dios, procedimentos e interna��es. Segundo a equipe de or�amento da Secretaria de Estado de Sa�de, h� previs�o de gasto com decis�es judiciais no or�amento, mas a execu��o tem sido maior do que o esperado. Para as contas fecharem, � necess�ria uma reformula��o na gest�o, atrasando gastos com outros projetos.
Segundo a assessora chefe da Assessoria T�cnica da Secretaria de Estado da Sa�de (SES-MG), V�nia Rabello, o maior gasto com decis�es judiciais � referente a rem�dios que n�o constam na lista do Sistema �nico de Sa�de (SUS). “H� uma press�o midi�tica da ind�stria farmac�utica. Vendem que apenas aquele rem�dio pode curar a pessoa. Com a dissemina��o da informa��o, mais pessoas t�m procurado a Justi�a para conseguir medicamento que, muitas vezes, tem similar na lista do SUS”, diz, acrescentando que o setor tamb�m faz press�o para que os m�dicos prescrevam rem�dios espec�ficos. Para ela, os m�dicos tamb�m t�m responsabilidade pelo crescimento dos gastos. “� ele quem prescreve. Pede, inclusive, marca de rem�dio”, comenta. Ela recomenda que o paciente procure a secretaria antes de acionar a Justi�a.
Na tentativa de diminuir a briga na Justi�a, o Tribunal de Justi�a de Minas Gerais recomendou no m�s passado que os juizes procurem a Secretaria de Estado de Sa�de antes de proferirem decis�es na �rea. “Tentamos n�o interferir na rela��o entre Executivo e m�dicos. A recomenda��o � para que os juizes s� concedam liminar para casos em que n�o h� gen�rico ou similar do medicamento na lista do SUS”, explica a desembargadora Vanessa Berdolin, integrante do F�rum Permanente sobre Direito da Sa�de. Para ela, uma das alternativas para o problema � que cada f�rum tenha uma equipe m�dica, sem liga��o com a SES-MG, que possa orientar os juizes sobre a necessidade do rem�dio.
Prefeituras
N�o h� dado que revele quanto as prefeituras est�o desembolsando com a��es judiciais – como a gest�o da sa�de � dividida entre Uni�o, estados e prefeituras, o paciente pode acionar qualquer �mbito na Justi�a. Mas o presidente da Associa��o dos Munic�pios Mineiros, �ngelo Roncalli, diz que os munic�pios est�o sofrendo para arcar com os custos. “As prefeituras t�m or�amento muito pequeno. Pouca gente sabe que, em Minas, as prefeituras investem anualmente 23% do seu or�amento na sa�de, enquanto a Constitui��o define gastos em 15%. Al�m desse encargo, ainda estamos gastando com a judicializa��o da sa�de”, afirma Roncalli.
Segundo ele, h� munic�pios que precisam cortar verbas em investimento para conseguir fechar as contas. A falta de regulamenta��o da Emenda 29, que define os gastos com sa�de de cada esfera, � respons�vel pelos processos na Justi�a. “Os munic�pios est�o sendo penalizados pela falta de vontade pol�tica do Congresso. Enquanto se desentendem com a Uni�o, somos obrigados a esperar pela defini��o da Emenda 29. S� a sua regulamenta��o pode definir quem deve gastar com o qu�. Hoje, por exemplo, somos obrigados pela Justi�a a pagar procedimentos de alta complexidade, que n�o s�o nossa responsabilidade.”
Decis�es levam em conta opini�o m�dica
“Por omiss�o da Uni�o, do estado e dos munic�pios, a Justi�a tem sido respons�vel por dar atendimento digno ao cidad�o na sa�de”, diz o presidente da SOS Vida, Ant�nio Carlos Teodoro. A organiza��o n�o governamental auxilia cidad�os em casos de omiss�o e erro m�dico. Teodoro discorda da possibilidade de trocar medicamento prescrito por similares e gen�ricos da lista do Sistema �nico de Sa�de, como sugere a Secretaria de Estado da Sa�de (SES-MG), e defende a busca do rem�dio pela Justi�a.
Segundo Teodoro, h� decis�es do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto em que se levou em conta a opini�o do m�dico. “Eles definiram que quem indica tratamento para o paciente � o m�dico, e n�o o Executivo”, diz. Para ele, o paciente deve lutar para garantir o rem�dio indicado pelo m�dico. “Ele tem registro profissional e sabe que est� prescrevendo o melhor.”
Foi o que fez a dona de casa Carmela Salom�o, de 40 anos. Em abril do ano passado, ela garantiu na Justi�a o direito de receber mensalmente medicamento para Transtorno de D�ficit de Aten��o e Hiperatividade para a filha Maria Eduarda, de 8. A cartela com 30 comprimidos do medicamento Cloridrato de Metilfenidato custa cerca de R$ 200 e est� garantida at� quando a m�dica prescrever para a crian�a.
Segundo ela, a menina j� sofreu muito com o transtorno, que a isolava de outros colegas na escola e dificultava sua aprendizagem. “A crian�a n�o sofre disso porque quer. Precisa do rem�dio para controlar sua dificuldade. Se o SUS n�o atualiza sua lista de rem�dio, uma vez que a medicina avan�a dia ap�s dia, � necess�rio que as pessoas recorram � Justi�a”, diz.
Carmela conta que o SUS disponibiliza um medicamento para a doen�a da filha, mas ele resolveria o problema em parte. “Esse medicamento tem um efeito mais curto do que o que conseguimos na Justi�a. Ent�o, duraria at� a aula de manh�, mas n�o teria mais efeito durante o dever de casa, mais tarde. Seria complicado para uma crian�a tomar dois comprimidos por dia de um rem�dio tarja preta.”
Sem sa�da
O motorista de �nibus Jos� Ribeiro, de 55, morador de Jo�o Pinheiro, na Regi�o Noroeste de Minas, foi pelo mesmo caminho. Seu tratamento para glioblastoma multiforme no c�rebro, no grau mais s�rio, sairia por mais de R$ 100 mil. Sem renda para cobrir o custo, ele recorreu � Justi�a. Desde outubro, garantiu o direito de receber um medicamento que acompanha a quimioterapia. “N�o havia outra sa�da. Precisamos agarrar na m�o de algu�m. E foi na da Justi�a”, lembra o primo dele, S�lvio Fran�a, de 48, corretor de im�veis.