
Documentos confidenciais do Centro de Informa��es do Ex�rcito (CIE) produzidos h� 40 anos mostram que agentes da ditadura infiltrados seguiram os passos de integrantes de movimentos de esquerda asilados em v�rios pa�ses, inclusive em Cuba. Em 3 de abril de 1972, por exemplo, um relat�rio extenso — chamado Informe Confidencial nº 674-72 e intitulado “Grupo da Ilha” — revela em detalhes o destino dos 40 guerrilheiros banidos do Brasil em troca do embaixador alem�o Ehrenfried Von Holleben. O diplomata foi sequestrado no Rio de Janeiro, em 11 de junho de 1970, em plena euforia pela Copa do Mundo do M�xico, que acabaria com a conquista do tricampeonato pelo Brasil.
O texto indica que o Ex�rcito monitorava, em especial, a Alian�a Libertadora Nacional (ALN) e a Vanguarda Popular Revolucion�ria (VPR), dois grupos que pegaram em armas e fizeram treinamento de guerrilha com o intuito de se preparar para tentar derrubar a ditadura militar instalada em 31 de mar�o de 1964. Na VPR militou a presidente Dilma Rousseff. Os militares seguiram os brasileiros em Santiago, no Chile; Montevid�u, no Uruguai; Havana, em Cuba; Paris, na Fran�a; Argel, na Arg�lia; e Roma, na It�lia.
O relat�rio em si desmonta a vers�o oficial das For�as Armadas brasileiras de que n�o h� registros sobre o combate dos militares aos grupos que lutavam contra a ditadura. Do documento emergem figuras de destaque da pol�tica nacional brasileira hoje, como o ex-ministro da Casa Civil da Presid�ncia da Rep�blica Jos� Dirceu, acusado pelo ex-procurador-geral da Rep�blica Ant�nio Fernando de Souza como “chefe da quadrilha do mensal�o”; o ex-ministro das Comunica��es no governo Lula Franklin Martins; o escritor, jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira; o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc; e o atual senador por S�o Paulo Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), entre outros.
O dossi� tamb�m exibe detalhes da vida dos guerrilheiros no exterior nunca divulgados na imprensa nacional. “Os 40 elementos banidos chegaram � (sic) Argel na madrugada de 16 de junho de 1970. No aeroporto havia bastante gente, muita imprensa, inclusive europeia, e representantes de organiza��es revolucion�rias de outros pa�ses que possuem representa��o em Argel, al�m de representantes do governo da Arg�lia, que teriam a miss�o de receber e alojar os banidos”, afirma.
O informe do Minist�rio do Ex�rcito detalha que “os banidos iniciaram uma vida coletiva, em parte composta por costumeiras idas a m�dicos, dentistas, pr�tica de gin�stica, futebol e banhos de mar.” E prossegue: “Ao mesmo tempo os elementos de cada organiza��o realizavam discuss�es de problemas internos em reuni�es informais”.
Detalhes pessoais Os arapongas do Ex�rcito, supostamente infiltrados, contam detalhes da vida dos banidos em Argel. “Para descentralizar a dire��o e organiza��o dos 40 banidos formou-se uma comiss�o com os seguintes elementos: Apol�nio de Carvalho, Maria do Carmo Brito e Carlos Eduardo Pires Fleury. Obedeceu-se para a escolha dessa comiss�o o crit�rio de representatividade das organiza��es e as condi��es de cada um dos integrantes para o desempenho do cargo — entendimento como p�blico e falar l�ngua estrangeira”, diz o texto.Ao relatar essas atividades, os militares d�o �nfase � falta de apoio pol�tico aos guerrilheiros do Brasil: “O governo da Arg�lia dispensou aos banidos todas as aten��es poss�veis no plano pessoal, embora n�o houvesse dado o apoio pol�tico que seria esperado — pelo menos at� a ida da maioria dos elementos para Cuba”, diz o informe, produzido, segundo um coronel da reserva do Ex�rcito que teve participa��o ativa nos governos militares, por adidos civis e militares lotados nas embaixadas do Brasil no exterior.
Entenda o caso
Em 11 de junho de 1970, o pa�s ainda comemorava a terceira vit�ria seguida da Sele��o Brasileira na Copa do M�xico, quando a Mercedes-Benz preta do embaixador alem�o Ehrenfried von Holleben foi interceptada no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Era o terceiro sequestro de uma personalidade estrangeira. Em uma a��o r�pida, de apenas quatro minutos, um agente de seguran�a morreu e dois policiais federais ficaram feridos. Von Holleben permaneceu cinco dias em poder dos guerrilheiros, comandados por Jos� Milton Barbosa e Eduardo Collen Leite, o Bacuri. Os dois eram ligados � Alian�a de Liberta��o Nacional (ALN).
Von Holleben n�o foi o primeiro diplomata a ser sequestrado nos chamados anos de chumbo. Em 1969, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrinck, foi levado por militantes esquedistas da �poca, e tamb�m em 1970 o c�nsul japon�s no pa�s, Nobuo Okushi, havia sido levado por grupos guerrilheiros. Nos tr�s epis�dios, os diplomatas foram trocados por presos pol�ticos que acabaram banidos para o exterior. A sa�da dos brasileiros fez com que o governo do ent�o presidente Em�lio Garrastazu M�dici adotasse o lema “Brasil, ame-o ou deixo-o”.
Com a sequ�ncia de sequestros, o governo decidiu aumentar a repress�o e a propaganda oficial no pa�s. De um lado organizou a Opera��o Bandeirantes (Oban), que era usada para ca�ar os esquerdistas da �poca. Al�m disso criou os Doi-Codi, que eram centros de opera��es e defesa internas. Em 1969 o regime j� havia tirado de circula��o o l�der da ALN, Carlos Marighela, morto em S�o Paulo. Por outro lado, M�dici, aproveitando o tri do Brasil na Copa do M�xico, utilizou-se do ufanismo da popula��o, tornando isso uma arma pol�tica. Nas r�dios, m�sicas lembravam o ent�o Movimento Brasileiro de Alfabetiza��o (Mobral).
O embaixador alem�o foi libertado em 16 de junho, mesmo dia em que os presos seguiram em um avi�o H�rcules da For�a A�rea Brasileira (FAB) para Argel, capital da Arg�lia. Daquele pa�s, espalharam-se por diferentes na��es, onde passaram a ser controlados pelos militares. Somente em 1979, 10 anos depois de iniciado o movimento dos grupos contr�rios ao regime militar, foi que os banidos puderam retornar ao pa�s e readquirir a cidadania brasileira.
* Ronaldo Brasiliense
Especial para o Estado de Minas
