Diariamente os brasileiros assistem a revela��es sobre o inqu�rito envolvendo a explora��o ilegal de jogos de azar pelo empres�rio Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. As informa��es s� vieram a p�blico gra�as ao vazamento de c�pias do documento. Isso porque as investiga��es se valem do segredo de Justi�a, instituto que voltou para o centro da discuss�o no cen�rio jur�dico. A pergunta que n�o quer calar �: o cidad�o tem direito � informa��o dos processos judiciais?
Na teoria, o sigilo deveria ser decretado apenas para casos excepcionais, quando se questiona, em ju�zo, mat�ria que envolva a intimidade das pessoas, ou ainda nos casos de sigilos de comunica��o, fiscais e de dados. Mas pode ser cancelado quando o interesse particular ferir o interesse da sociedade, que tem direito, em tese, de acompanhar o andamento processual. Na pr�tica, no entanto, nem sempre � isso que acontece.
“Hoje vemos uma exagerada concess�o do sigilo. Nem sempre ele � necess�rio para o sucesso de um processo”, opina o juiz M�rlon Reis, presidente da Associa��o Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe). Na avalia��o do magistrado, especialmente em casos envolvendo dinheiro p�blico, deve prevalecer o interesse e o direito da sociedade de ser informada. Ele cita como exemplo de abuso o sigilo previsto para as a��es de impugna��o de mandato eletivo.
Na avalia��o do presidente da se��o mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Lu�s Cl�udio Chaves, casos envolvendo a malversa��o de dinheiro p�blico deveriam ter transpar�ncia total – mas s�o frequentemente tratados sob sigilo. “No caso de uso indevido de recursos p�blicos, voc� n�o est� diante s� de uma quest�o de direito privado, mas tamb�m p�blico”, argumenta o advogado que atua na �rea de fam�lia – a��es que tramitam obrigatoriamente em segredo.
O procurador de Justi�a e presidente da Associa��o Mineira do Minist�rio P�blico (AMMP), Nedens Ulisses Freire Vieira, defende o segredo na fase de investiga��o, quando muitas vezes a publicidade dos atos pode prejudicar o resultado final. No entanto, n�o v� “razoabilidade” na manuten��o da regra durante a fase processual. “A n�o ser que seja para preservar uma v�tima ou uma situa��o excepcional de Estado”, conclui.
M�rlon Reis lembra ainda que a discuss�o � causada pela pr�pria Constitui��o. O artigo 5º determina que o sigilo pode ser adotado em casos de “defesa da intimidade” ou “interesse social”. Mas o texto � vago ao dizer, em seu artigo 93, que ele pode ser adotado desde que “n�o prejudique o interesse p�blico � informa��o”. E o que dizer do artigo 14, ao estabelecer categoricamente que “a a��o de impugna��o de mandato tramitar� em segredo de Justi�a”?
INICIAIS H� pouco mais de um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) acrescentou uma regra ao pol�mico segredo de Justi�a. O �rg�o optou por manter em sigilo a identidade de 152 autoridades suspeitas de cometer crimes. Virou regra blindar deputados, senadores e ministros de Estado: mesmo que o processo n�o tramite em segredo de Justi�a, apenas as iniciais de seus nomes ser�o informadas, o que dificulta um levantamento sobre quais pessoas respondem a a��es no tribunal.
Ao adotar a medida, prevista no regimento interno do �rg�o, a alega��o do STF foi de proteger investiga��es que poderiam correr em segredo de Justi�a. Pela regra, o ministro sorteado para relatar a investiga��o � quem vai analisar se o processo deve correr em segredo de Justi�a. Se o relator concluir que n�o h� motivos para a ado��o da regra, as iniciais ser�o tiradas e o nome completo ser� publicado no site.
Enquanto isso...
… Cartilha sobre sigilo
O presidente da CPI do Cachoeira, senador Vital do R�go (PMDB-PB), vai enviar aos integrantes da comiss�o uma cartilha com as regras do Parlamento a respeito do manuseio de dados sigilosos – um “resumo” dos regimentos internos e dos c�digos de �tica da C�mara, do Senado e do Congresso. A CPI mista que investiga as rela��es do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com pol�ticos e agentes p�blicos e privados recebeu na quarta-feira os documentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Na sexta-feira, o Senado instalou uma sala para que os parlamentares possam ter acesso aos dados sigilosos encaminhados pelo STF. Apenas os parlamentares que integram a CPI poder�o ter acesso �s informa��es. Para evitar c�pias dos dados, o que facilitaria seu vazamento, eles n�o poder�o entrar com celulares, m�quinas fotogr�ficas ou filmadoras. Al�m disso, ter�o de assinar um termo de responsabilidade para preservar o sigilo das informa��es, provenientes das opera��es Vegas e Monte Carlo, ambas da Pol�cia Federal.
Propostas no Congresso para restringir regra
Entre as dezenas de projetos de leis que tratam do segredo de Justi�a em tramita��o no Congresso Nacional, pelo menos dois defendem a restri��o da regra. O mais recente foi apresentado em abril do ano passado e veda a decreta��o de segredo de Justi�a em qualquer a��o questionando a��o ou omiss�o de agente p�blico que seja contr�rio ao interesse da sociedade, independentemente de haver preju�zo ao er�rio. Est�o enquadrados no projeto detentores de mandato eletivo, integrantes de qualquer um dos poderes, ocupantes de cargo de dire��o ou assessoramento, servidor p�blico e empregados de empresas que tenham participa��o da fazenda p�blica.
A mat�ria veda ainda o uso apenas de iniciais para identificar envolvidos na a��o. Autor da mat�ria, o deputado federal Jonas Donizette (PSB/SP) argumenta que decretar segredo de Justi�a “implica em oculta��o daquilo que a Constitui��o sujeitou � publicidade irrestrita, � transpar�ncia, perante os administrados.” Al�m disso, lembra que o uso do sigilo “mais protege os agentes, tanto p�blico quanto privados, que figuram no polo passivo das a��es judiciais”. Ainda de acordo com o parlamentar, a melhor prote��o para essas pessoas � o “estrito e rigoroso cumprimento das normas constitucionais e legais”.
O deputado Jos� Ot�vio Germano (PP-RS) prop�e o fim do segredo de Justi�a em todos os processos que tenham como r�us membros do Poder Legislativo. No texto, o parlamentar alega que o objetivo da mat�ria � garantir o princ�pio da publicidade dos atos da administra��o. “A situa��o dos agentes p�blicos n�o pode ser comparada � dos particulares. O segredo de Justi�a tem como principal objetivo garantir o interesse p�blico, e n�o a simples privacidade do r�u”, disse o deputado ga�cho, lembrando que as a��es geralmente t�m a ver com atos de improbidade, malversa��o de verbas p�blicas, forma��o de quadrilhas e desvio de recursos p�blicos.
As duas mat�rias tramitam juntas na C�mara e est�o paradas na Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ) desde o ano passado.
CASOS “ILUSTRES”
Exemplos de processos que tramitam sem ser permitida a divulga��o de informa��es
Mensal�o
Dever� ser julgado ainda neste semestre pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O processo, que envolve 39 r�us – entre pol�ticos e empres�rios –, teve decretado o segredo de Justi�a para os documentos protegidos por sigilo banc�rio, fiscal ou telef�nico, restringindo a consulta deles aos advogados dos investigados. O material demonstraria a origem estatal de parte dos recursos do mensal�o – esquema de caixa 2 nas campanhas eleitorais e pagamento de parlamentares para votar favoravelmente a projetos de interesse do governo.
D�borah Guerner
Presa pelo envolvimento em outro esc�ndalo do mensal�o, desta vez o do DEM do Distrito Federal, a promotora D�borah Guerner teve o pedido de liberdade julgado em sigilo. As suspeitas do Minist�rio P�blico Federal s�o de que Deborah teria comprado atestados m�dicos falsos e sido treinada para simular problemas mentais com o prop�sito de atrapalhar as investiga��es de que ela � alvo h� tr�s anos, pois teria vazado informa��es sigilosas da Opera��o Caixa de Pandora para o ex-secret�rio de Rela��es Institucionais do Distrito Federal Durval Barbosa, delator do esquema. Ela � suspeita tamb�m de tentar extorquir o ex-governador do Distrito Federal Jos� Roberto Arruda, que foi preso e perdeu o cargo no auge do esc�ndalo.
Nicolau Neto
A tramita��o judicial de um dos maiores esc�ndalos envolvendo o Judici�rio – milh�es de reais desviados na constru��o do f�rum trabalhista de S�o Paulo – ficou encoberta pelo segredo. No dia do julgamento, foi decretado o sigilo, o que tornou secreta a sess�o em que seria lido um documento de 200 p�ginas. As acusa��es envolvendo o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, pol�ticos e empres�rios foram desde desvio de verbas a peculato e forma��o de quadrilha. No ano passado, a Justi�a Federal condenou v�rios r�us – entre eles o juiz Lalau– a devolver R$ 203 milh�es ao er�rio.
Projeto Tamar
Criado na d�cada de 1980, o Projeto Tamar tinha por objetivo evitar a extin��o das tartarugas. No entanto, a��o da Advocacia Geral da Uni�o (AGU) revelou fraudes e irregularidades que dariam ao Tamar uma isen��o milion�ria de impostos. Na a��o, a AGU solicitou � Justi�a o bloqueio de bens, o cancelamento do certificado de filantropia e a condena��o da entidade por improbidade administrativa – informa��es obtidas por meio de conversas telef�nicas gravadas e documentos apreendidos na Opera��o Fariseu. N�o se sabe muito sobre o andamento processual, que est� em segredo de Justi�a.
Opera��o Satiagraha
A imprensa at� publicou, mas os dados do inqu�rito da opera��o – suposto esquema apontado pela Pol�cia Federal de desvio de dinheiro e de crimes contra o sistema financeiro – tamb�m tramitaram em segredo de Justi�a.
Cartunista Glauco
Assassino confesso do cartunista Glauco, 53 anos, e do filho dele, Raoni, de 25, o estudante Carlos Eduardo Sundfeld Nunes foi processado sob segredo de Justi�a parcial, decretado em fevereiro do ano passado. Isso significou o veto � presen�a da imprensa na audi�ncia na qual o jovem, conhecido como Cadu, seria interrogado, al�m do acesso a determinados documentos dos autos. Pouco mais de um ano depois do crime, a Justi�a Federal acatou pedido do Minist�rio P�blico do Paran� para que Carlos Eduardo n�o fosse julgado. O laudo apresentado ao Judici�rio mostrou que Cadu sofre de esquizofrenia paranoide, sendo incapaz de perceber a gravidade de seus atos.
Tiririca
Eleito deputado federal com o maior n�mero de votos do pa�s – 1,35 milh�o –, o palha�o Tiririca (PR-SP) n�o teve muito o que comemorar nos primeiros dias depois do pleito. Ele foi acusado de ter apresentado declara��o falsa � Justi�a Eleitoral sobre a sua alfabetiza��o. Caso fosse mesmo analfabeto, teria os votos anulados e perderia a cadeira conquistada na C�mara dos Deputados. Com a justificativa de evitar “constrangimento”, o juiz respons�vel pelo caso acatou pedido da defesa do parlamentar e decretou o segredo de Justi�a no processo. No final, Tiririca sorriu: teste realizado no Tribunal de Justi�a de S�o Paulo comprovou que ele sabe ler e escrever.
O QUE DIZEM AS LEIS
Constitui��o Federal
Artigo 5º, LX: “A lei s� poder� restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Artigo 14º: a a��o de impugna��o de mandato tramitar� em segredo de Justi�a, respondendo o autor, na forma da lei, se temer�ria ou de manifesta m�-f�.
Artigo 93, IX: Todos os julgamentos dos �rg�os do Poder Judici�rio ser�o p�blicos e fundamentadas todas as decis�es, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presen�a, em determinados atos, �s pr�prias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preserva��o do direito � intimidade do interessado no sigilo n�o prejudique o interesse p�blico � informa��o”.
C�digo de Processo Civil
Artigo 155: “Os atos processuais s�o p�blicos. Correm, todavia, em segredo de Justi�a os processos:
I – em que exigir o interesse p�blico;
II – que dizem respeito a casamento, filia��o, separa��o dos c�njuges, convers�o desta em div�rcio, alimentos e guarda de menores”.
Artigo 444: “A audi�ncia ser� p�blica. Nos casos de que trata o artigo 155, realizar-se-� a portas fechadas”.
C�digo Penal
Dos crimes contra a administra��o p�blica
Artigo 325: revelar fato de que tem ci�ncia em raz�o do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revela��o.
Pena: deten��o de seis meses a dois anos, ou multa se o falto n�o constitui crime mais grave.
C�digo de Processo Penal
Artigo 20: a autoridade assegurar� no inqu�rito o sigilo necess�rio � elucida��o do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Lei 4.717/76 – A��o popular
Artigo 1º: somente nos casos em que o interesse p�blico, devidamente justificado, impuser sigilo, poder� ser negada certid�o ou informa��o.
Lei 9.296/96 – Intercepta��o telef�nica
Artigo 10: constitui crime realizar intercepta��o telef�nica, de inform�tica ou telem�tica, ou quebrar segredo de Justi�a, sem autoriza��o judicial ou com objetivos n�o autorizados em lei. Pena: reclus�o de dois a quatro anos e multa.
Lei Complementar 105/2001
Artigo 1º: as institui��es financeiras conservar�o sigilo em suas opera��es ativas e passivas e servi�os prestados.