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Estado de Minas

A tortura de Estela contada por Dilma Rousseff

Dilma Rousseff explica no depoimento ao Conselho de Direitos Humanos em 2001 como variavam as formas de castigo nos por�es de Minas, S�o Paulo e Rio, onde ela ficou presa


postado em 19/06/2012 06:00 / atualizado em 19/06/2012 06:51

No depoimento pessoal prestado � jovem equipe do Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), h� uma d�cada, Dilma Rousseff teve paci�ncia de comparar os tipos de tortura e as condi��es a que foi submetida nos c�rceres onde ficou em Minas Gerais, Rio de Janeiro e S�o Paulo, por dois anos e 10 meses, entre 1970 e 1972, durante a ditadura verde-oliva no Brasil. Segundo pincelou Dilma, dentro da Penitenci�ria Bar�o de Mesquita, no Rio, ningu�m via ningu�m. “Havia um buraquinho, na porta, por onde se acendia cigarro”, contou. O procedimento carioca era semelhante ao mineiro: ela ficava sempre sozinha, sendo colocada em uma solit�ria em Juiz de Fora. “Muitas vezes usavam em mim palmat�ria. Usaram em mim muita palmat�ria. Em S�o Paulo, usaram pouco esse m�todo”, explicou.

Contempor�nea de milit�ncia estudantil de Dilma (codinome Estela) em Belo Horizonte, mas de vertente oposta, ligada aos movimentos sociais da Igreja Cat�lica, como a Pastoral de Direitos Humanos, a psic�loga Emely Salazar, de 74, confirma o uso da palmat�ria em Minas. “Um dia levei tanta, tanta palmat�ria, que meus p�s e m�os viraram uma bola. Eu n�o conseguia ficar em p� no ch�o. Tive de ser carregada no colo pelo meu torturador, o tenente Marcelo (Ara�jo Paix�o), com a cabe�a apoiada no ombro dele. Tive �dio de mim nesse dia”, desabafa Emely, que chega a ter pesadelos at� hoje com este epis�dio. � o mais marcante pin�ado de sua longa temporada de quase dois anos na pris�o, s� que no Dops, em BH.

Em S�o Paulo, a vida nas masmorras tamb�m n�o era f�cil. Pelo menos, a ent�o subversiva Dilma tinha a companhia das outras presas pol�ticas, que dividiam a ala. “Na Oban (Opera��o Bandeirantes, que mais tarde passaria a se chamar Doi-Codi), as mulheres ficavam junto �s celas de tortura”, explica Dilma em outro trecho do depoimento, publicado com exclusividade pelo Estado de Minas, desde domingo. O mesmo ocorria, segundo a presidente, em outro pres�dio paulista. “Todas as mulheres presas no Tiradentes sabiam que (eu) estava presa: uma, por exemplo, Maria Celeste Martins…”, relata. A amiga citada nominalmente pela presidente faria companhia a Dilma na chamada Torre das Donzelas, onde eram abrigadas as presas pol�ticas no Pres�dio Tiradentes, mais tarde demolido em S�o Paulo.

Outra caracter�stica “marcante”, segundo adjetivo empregado na �poca por Dilma, dos interrogat�rios de Minas � que n�o eram feitos por militares. Os militares apenas acompanhavam. A presidente prossegue: “Em SP, era diferente, os militares interrogavam e o Dops acompanhava. Em SP, chegou a ponto da Oban invadir o Dops. Durante um certo tempo, quem controlou a repress�o foi a Pol�cia Civil, atrav�s dos Dops. Na minha �poca, o Dops era muito forte e os �rg�os militares se encaixavam subordinadamente. O delegado Fleury tinha grande poder, que perdeu, depois, para os militares”, disse. Em Minas, segundo a presidente, eles trabalhavam em conjunto. Ela completa a distin��o entre as for�as da repress�o dos tr�s estados: “O processo de subordina��o da Pol�cia Civil pelo Ex�rcito n�o tinha se completado. J� no RJ estava completamente alijada a PC: era a Marinha, Ex�rcito e Aeron�utica”.

N�meros

Como velha e boa militante, em determinado trecho de seu depoimento pessoal, Dilma passa a questionar os termos de sua pr�pria condena��o. Com calo de ativista, Dilma subverte os n�meros, questionando a l�gica dos militares. “Tive participa��o pol�tica em tr�s estados: comecei em Minas Gerais 90% da minha milit�ncia. S� no �ltimo ano ficaria a metade (do tempo) no Rio e SP. Fui condenada nos tr�s estados . No Rio de Janeiro, levei um ano e um m�s (de pris�o), por ter militado oito meses. Em Minas, levei um ano, por cinco anos de milit�ncia. Por que isso?”, pergunta Dilma, perante a jovem equipe do Conedh-MG, enviada ao Rio Grande do Sul em 2001, na inten��o de tentar convencer a ent�o secret�ria das Minas e Energia, entre seis outros militantes pol�ticos, a prestar depoimento no processo mineiro.

Dilma foi condenada a um ano de pris�o no Inqu�rito Policial Militar (IPM) em Minas, pelo artigo 36 (pertencer a organiza��o de luta armada), e a um ano e um m�s no do Rio. Segundo o livro A vida quer � coragem, lan�ado em janeiro, contando a trajet�ria de Dilma Rousseff, a primeira presidente do Brasil, o jornalista mineiro Ricardo Batista Amaral revela que, “em S�o Paulo, o juiz auditor carregou a m�o na den�ncia – chamou Dilma de “papisa da subvers�o”, “uma das molas mestras e um dos c�rebros dos esquemas revolucion�rios postos em pr�tica pelas esquerdas radicais” – e obteve a pena m�xima: quatro anos. Em novembro de 1972, o Superior Tribunal Militar (STM) reavaliou os processos, fixou a pena total em dois anos e um m�s e determinou a soltura da r�. Quando desceu a Torre das Donzelas, Dilma tinha completado dois anos e 10 meses no c�rcere. No saldo, nove meses al�m da pena imposta pelo tribunal militar.

Quando Dilma era s� mais uma v�tima

Aos 74 anos, Emely Salazar permanece at� hoje na ativa na Faculdade de Medicina da UFMG, onde era mais forte a milit�ncia pol�tica mineira. Ela chegou a ficar quase dois anos presa na carceragem do Dops de BH. D�cadas mais tarde, convidada a presidir a Comiss�o Especial das V�timas de Minas Gerais (Ceivt-MG), em 2001, Emely deu pouca aten��o ao processo de Dilma. Para se ter uma ideia, Emely esqueceu-se de assinar o processo de Dilma, entre dezenas de casos analisados por ela.

“Da turma de esquerda presa naquela �poca, quase ningu�m conhecia Dilma. Ela era a namorada do Galeno (jornalista Cl�udio Galeno Lobato), que sairia do pa�s no sequestro do avi�o para Cuba e mora hoje na Nicar�gua). Ele foi preso ao mudar para o Rio”, justifica Emely. Al�m disso, na �poca Dilma era apenas secret�ria das Minas e Energia no Rio Grande do Sul, filiada ao PDT, nem sonhava ser eleita presidente do Brasil.

“Tinha de esquecer de assinar logo o processo da presidente? S� podia ser a Emely”, brinca o fil�sofo Robson S�vio, hoje professor da PUC Minas e respons�vel na �poca por colher o depoimento de Dilma Rousseff. “Na verdade, todos os ex-militantes tinham a mesma import�ncia hist�rica. Nosso trabalho n�o era identificar celebridades, mas sim as verdadeiras v�timas da ditadura”, pontua Robson, lembrando que a falta da assinatura n�o inviabilizou a indeniza��o de R$ 30 mil a Dilma, que receberia a quantia em mar�o de 2002.

“Quem entrou com o pedido de indeniza��o dentro do prazo teve direito a abrir processo. No meio da trabalheira, ainda tivemos de convencer os colegas a fazer o pedido. Muitos estavam desiludidos ou ficavam com medo de falar e de aquilo virar contra eles. Quer saber? Quem sofreu tortura n�o acredita mais na possibilidade de repara��o do Estado”, desabafa Emely. Ela e o ent�o namorado de 22 anos, o m�dico Herculano Mour�o Salazar, que mais tarde se tornaria seu marido, sofreram nas m�os de torturadores. “Anos mais tarde, cheguei a encontrar com o tenente Marcelo (Paix�o Ara�jo) em uma festa de casamento. Comecei a chorar e n�o acreditei que estava respirando o mesmo ar que ele. Meu marido (que morreu h� 10 anos, de um c�ncer) me mandou ficar quieta. Mas n�o aguentei. Cheguei perto dele e perguntei: ‘Lembra de mim, tenente Marcelo?’ Ele fez que n�o sabia e eu emendei: ‘Quem bate, esquece. Quem apanha, n�o esquece jamais. O senhor j� contou para sua fam�lia que foi torturador na ditadura?’”, revela emocionada Emely, que parece uma gigante do alto de pouco mais de um metro e meio de altura. (SK)

 

 

O que j� foi mostrado

O Estado de Minas iniciou domingo uma s�rie de reportagens em que revela com exclusividade documentos, at� ent�o in�ditos, que comprovam que a presidente Dilma Rousseff foi torturada nos por�es da ditadura em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e n�o apenas em S�o Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava. Os documentos reproduzem o depoimento pessoal de Dilma ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), em outubro de 2001, no qual ela relata com detalhes todo o sofrimento vivido em Minas como a militante pol�tica de codinome Estela, aos 22 anos. “Se o interrogat�rio � de longa dura��o, com interrogador ‘experiente’ ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que n�o deixa rastro, s� te mina”, contou Dilma na �poca.


Na edi��o de ontem, o EM mostrou que bilhetes endere�ados a Dilma e interceptados por agentes militares foram os respons�veis por novas sess�es de tortura em Minas. Os militares acreditavam que ela teria organizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga ao militante �ngelo Pezzuti, que usava o codinome Gabriel. Por causa de 22 bilhetes encaminhados para a militante Estela, um dos codinomes usados por Dilma, ela teria voltado a ser torturada. A s�rie de reportagens iniciada domingo teve repercuss�o na imprensa internacional. A presidente leu seu conte�do antes de embarcar para o M�xico, mas preferiu ficar em sil�ncio.


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