Antes de o Sol nascer, em 14 de janeiro de 1969, Jorge, Maria, Afonso, Murilo, J�lio, Nilo e Maur�cio estavam reunidos em uma casa numa tranquila rua do Bairro S�o Geraldo, Regi�o Leste de Belo Horizonte. Policiais do Dops e da Delegacia de Furtos e Roubos estouraram o port�o e, segundo relatos, entraram atirando. A resposta foi no mesmo tom, e o policial que estava � frente morreu baleado por proj�teis de uma metralhadora .30. Do lado de fora da casa outro policial morreu. A ent�o militante Dilma Rousseff fazia parte do grupo, mas n�o participou. “Ela articulava o movimento estudantil do Colina e atuava nos bastidores. N�o entrou na linha de frente nem participava das a��es armadas”, detalha Jorge Nahas, atual secret�rio de Pol�ticas Sociais da Prefeitura de Belo Horizonte. A troca de tiros foi o in�cio do fim do Comando de Liberta��o Nacional (Colina), o grupo de esquerda que chegou a praticar assaltos e pegar em armas para tentar derrubar a ditadura.
A troca de tiros, que levou � morte de dois policiais, deixando outro militar ferido e tamb�m ferindo o militante Maur�cio Paiva, foi uma esp�cie de gota d’�gua para os militares. “O impacto foi muito grande. Os militares ficaram desorientados porque n�o imaginavam que aquilo poderia acontecer e a repress�o aumentou muito”, lembra Jorge Nahas.
O cerco apertou na casa do Bairro S�o Geraldo e os sete membros da Colina foram rendidos. Eles foram colocados no pared�o e os policiais, furiosos com a morte dos colegas, queriam fuzil�-los ali mesmo. “O comandante da dilig�ncia suspendeu o massacre, pois seria uma barb�rie de prisioneiros rendidos”, lembra Jorge. Ele se recorda de ter, por mais de uma vez, a sensa��o de que ali seria seu fim. O comandante da opera��o era o delegado Luiz Soares da Rocha, chefe do temido Departamento de Ordem Pol�tica e Social (Dops), que se notabilizou pelas torturas praticadas nas depend�ncias do local.
Quem comandava a Delegacia de Furtos e Roubos e tamb�m participou da opera��o foi o delegado Ant�nio Nogueira Lara Resende, 83 anos, apontado pelas v�timas da ditadura como um dos principais torturadores do pa�s. “Eles eram muito perigosos”, afirma Lara Resende sobre o Colina. O ex-delegado destaca que o subinspetor Cecildes Moreira da Silva deixou a vi�va com oito filhos. A outra v�tima foi o guarda civil Jos� Antunes Ferreira e o ferido o investigador Jos� Reis de Oliveira. “Meu problema era roubo. Quando era assalto a banco eu me envolvia. Mas no geral mandava tudo para o Dops, comandado pelo Luiz Soares da Rocha”, destaca Lara Resende.
Quem portava a metralhadora Thompson calibre .30 era Murilo Pinto da Silva, irm�o do l�der, �ngelo Pezzuti. Tia deles, �ngela Pezzuti fala com orgulho dos sobrinhos. “Havia um movimento mundial de jovens, n�o acontecia somente no Brasil. Eram idealistas e queriam o mudar o mundo, come�ando pelo Brasil”, afirma. Ela tamb�m sustenta que o sobrinho agiu em leg�tima defesa. “A pol�cia chegou atirando. O detetive Cecildes chegou atirando e morreu ca�do em cima das pr�prias balas”, afirma �ngela Pezzuti.
ENXOVAL E ARMAS Jorge Nahas, como a maioria do Colina, come�ou a milit�ncia na Faculdade de Medicina da UFMG. Ingressou na Organiza��o Revolucion�ria Marxista de Pol�tica Oper�ria (Polop) e depois, como grande parte da Polop, migrou para o Colina. Depois da pris�o na queda do aparelho do Bairro S�o Geraldo, Jorge foi solto um ano e meio depois em troca do embaixador alem�o Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben, sequestrado por militantes. Foi para a Arg�lia com sua mulher, Maria Jos� Nahas, tamb�m do Colina e presa na queda do aparelho em BH. Maria Jos� ficou conhecida, por ser loira e portar uma metralhadora. Na imprensa, entre os militantes e os policiais passou a ser chamada de a “Loira da Metralhadora”. Uma hist�ria curiosa do per�odo � que o dinheiro do enxoval de casamento do casal foi revertido para compra de armas.
CLANDESTINIDADECom a persegui��o a seus militantes, o Colina chegaria ao fim, logo depois do Ato Institucional 5 (AI-5). “Passei a ser procurado como terrorista no pa�s inteiro, em cartazes pregados em todos os aeroportos e rodovi�rias. Meus irm�os passaram a sofrer bullying na escola e meu pai e minha m�e, que eram evang�licos presbiterianos, foram alvo de deboche at� na igreja”, desabafa Apolo Heringer Lisboa, que dividia a lideran�a do Colina com �ngelo Pezzuti. M�dico, passou a sofrer de anorexia nervosa ao fugir para o Rio de Janeiro e ser impedido de exercer a profiss�o, por ser clandestino. “Enfrentei priva��es morando cinco anos em uma favela no Rio. Cheguei a pesar 64 quilos, pois n�o tinha fome. Eu me sentia v�tima de uma mentira que a ditadura inventou contra o meu grupo e n�o podia nem me defender. Nunca fui um terrorista”, desabafa Heringer, atual coordenador do Projeto Manuelz�o, que vai concluir no fim deste ano o doutorado, aos 69 anos, postergado pelo per�odo vivido na clandestinidade.
FUGA NA MADRUGADA No dia seguinte em que o aparelho do Bairro S�o Geraldo foi descoberto, Dilma e o marido, Cl�udio Galeno, fugiram do apartamento 1001 no Edif�cio Solar, na Avenida Jo�o Pinheiro, na Regi�o Central da cidade. A resid�ncia do casal, que j� havia deixado de ter a destina��o original e estava sendo usada como ponto de encontro pelos militantes do Colina, estava “queimada”. De fato, no momento em que os dois se encontravam dentro do apartamento destruindo documentos da organiza��o, tocou a campainha. O casal foi salvo pelo porteiro, segundo relato que consta do depoimento pessoal de Estela, arquivado no Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG): “Numa noite, no fim de dezembro, o apartamento foi cercado e conseguimos fugir, na madrugada. O porteiro disse aos policiais do Dops de BH que n�o est�vamos em casa. Fugimos pela garagem que d� para a rua do fundo, Rua Goi�s”, relata a presidente.
VERDADE E ORGULHO A onda de revis�o do passado, motivada pela cria��o da Comiss�o da Verdade pela presidente Dilma, n�o assusta o delegado Lara Resende. “� uma besteira muito grande”, afirma. J� Jorge Nahas tem muito orgulho do que viveu. “N�s atendemos a um chamado hist�rico. A ditadura n�o deixava espa�o e n�s n�o med�amos as consequ�ncias para combat�-la mesmo as chances de vit�rias sendo muito pequenas”, acredita. Ele completa: “Est�vamos imbu�dos de um imperativo moral e claro que sab�amos que o pre�o a pagar n�o seria baixo”. Por fim, Nahas acredita que valeu a pena: “A hist�ria diz que fomos vencedores. A prova maior � a Dilma, eleita democraticamente presidente do Brasil”.
Os sete da Casa do S�o Geraldo
Jorge Nahas
Maria Jos� Nahas
Afonso Celso Lana Leite
Murilo Pinto da Silva
J�lio Bitencourt
Nilo S�rgio Macedo
Maur�cio Paiva