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Estado de Minas

Artista pl�stica resistiu � ditadura com frase em nome da liberdade

Artista pl�stica enfrentou militares e grafou em painel na UFMG mensagem de resist�ncia


postado em 02/03/2014 00:12 / atualizado em 02/03/2014 08:05

Yara em frente à sua obra na reitoria da universidade: cenas da Inconfidência e a frase reproduzida sob o olhar dos militares (foto: Ramon Lisboa)
Yara em frente � sua obra na reitoria da universidade: cenas da Inconfid�ncia e a frase reproduzida sob o olhar dos militares (foto: Ramon Lisboa)

13 de outubro de 1969. O pa�s vive � sombra do Ato Institucional n�mero 5 (AI-5). A autonomia universit�ria est� na berlinda. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) os alunos encaram o regime enfrentando aos gritos, esbarr�es e cadeiradas as incurs�es militares. Assim fora um ano antes durante a invas�o da Faculdade de Filosofia e Ci�ncias Humanas (Fafich) e da Faculdade de Medicina. Em 1966, foi a vez da Faculdade de Direito. O corpo docente vive em suspense. No Di�rio Oficial da Uni�o, todos os dias, professores s�o mandados de volta para casa. O reitor da UFMG, Gerson Boson, que nesse dia, a convite do governo americano, costura na Universidade de Houston a forma��o de um Centro Interamericano de P�s-Gradua��o na UFMG, � a mais nova v�tima. Em meio � agenda internacional, � informado de que foi “aposentado compulsoriamente” pela Junta Militar no exerc�cio da Presid�ncia da Rep�blica.

Em Belo Horizonte, no momento em que se torna p�blica a “cassa��o acad�mica” de Boson, no sagu�o da reitoria, a artista pl�stica e professora da Escola de Belas Artes Yara Tupynamb�, que tem um metro e meio de altura, est� sobre um andaime. Observada por dois fardados armados, esbarra em um problema para terminar a sua obra: como grafar, naquele ambiente, a frase encomendada por Gerson Boson, toque final de seu maior painel sobre a Inconfid�ncia Mineira?. “Condi��o primeira para a cultura � a liberdade”, repete Yara mentalmente. “V�o me deixar? V�o me prender?”, interroga-se a artista. “Des�o do andaime e encerro pelo dia”, recorda-se ela 45 anos depois. De volta para casa, Yara, ent�o com 37 anos, consulta o pai, Ot�vio Gordilho, diretor da Rede Ferrovi�ria Federal, um udenista convicto. Ouve a bronca: “N�o te avisei para n�o mexer com comunista? Mexeu? Agora voc� tem de cumprir a sua palavra”.

No dia seguinte, de novo montada sobre o andaime, Yara continua observada. A presen�a ostensiva de militares na reitoria assim seguiria pelos pr�ximos dois meses, at� a nomea��o do novo reitor, Marcelo Vasconcelos Coelho, em 13 de dezembro de 1969. M�o tr�mula, come�a a grafar. “Condi��o primeira para a …”. Vem um coronel que naqueles dias entra e sai da reitoria com desenvoltura. “Ele me pergunta o que vou escrever”. Yara ri meio amarelo, e diz: “Espera um minutinho, j� estou acabando”.

O painel a Inconfid�ncia Mineira que acabava de concluir ap�s dois anos de exaustiva pesquisa e trabalho, � um marco em sua carreira. Poucos dias depois de assumir a reitoria da UFMG, em fevereiro de 1967, Gerson Boson a chamara: “Professora, quero que pinte um quadro de Tiradentes”. Yara indagou-lhe: “Onde vai ficar?”. Boson explicou: “No sagu�o da reitoria”. Em um insight muito espont�neo, a artista retrucou, sem de fato dimensionar o tamanho da tarefa: “Vamos fazer a Inconfid�ncia Mineira”. Na �poca, Yara ministrava as aulas no curso de belas-artes pela manh�. No hor�rio da tarde ficaria encarregada da nova tarefa. “Quando vi o tamanho da parede, ca� em mim”, conta.

Por um ano Yara pesquisou. Leu os Autos da devassa, estudou os costumes, os trajes, o mobili�rio do s�culo 18. Fez croquis. Mas a ideia mestra, o fio condutor que amarraria o painel, n�o vinha. Ao longo daquele ano de 1967, toda vez que se encontrava com Gerson Boson pelos corredores da UFMG, ouvia a pergunta: “Como est� o trabalho?”. Em mar�o de 1968, Yara voltou a Ouro Preto para colher mais material e desenhar mais objetos da �poca. “Trabalhei o dia inteiro. Fui me deitar � noite, mas �s 3h acordei. Enxerguei a primeira cena. Tinha de come�ar com Felipe dos Santos. Cena a cena vieram � minha mente. As mulheres chorando, o encontro dos inconfidentes, Maria I com os decretos, as ideias chegaram concatenadas”, explica a artista.

A partir da�, nos meses seguintes, o painel ganhou forma e enredo. Em outubro de 1969, v�spera do afastamento compuls�rio de Gerson Boson, a obra ganhava as �ltimas pinceladas. E ali, naquele momento, sob o olhar atento fardado, Yara termina de grafar: “Condi��o primeira para a cultura � a liberdade”. Nos termos de Maria Ottilia Lopes Boson, de 86 anos, vi�va de Gerson Boson: “Achamos que eles n�o iriam deixar a frase. A Yara a defendeu com unhas e dentes”. A partir da�, por uma semana, o ir e vir de Yara Tupynamb� � Escola de Belas Artes passou a ter a companhia ostensiva de militares. “Durou um tempo, mas passou”, diz a artista. A obra n�o.

Discurso em tempos dif�ceis

Em substitui��o ao professor Alu�sio Pimenta – que desde a sua posse ,em 21 de fevereiro de 1964, v�spera do golpe militar, acumulou muitos embates em defesa da autonomia universit�ria com o general Carlos Lu�s Guedes, comandante da 4ª Divis�o de Infantaria de Minas Gerais –, Gerson Boson assumiu a reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 22 de fevereiro de 1967. Catedr�tico de direito internacional p�blico da Faculdade de Direito, politicamente Boson tinha liga��es com o governo Israel Pinheiro, muito pr�ximo ao ex-presidente da Rep�blica, �quela altura cassado, Juscelino Kubistchek.

O discurso de Boson proferido na posse dava a dimens�o de sua concep��o de cultura: “Aspirar � cultura significa efetivamente participar e intervir em tudo quanto, na natureza e na hist�ria, � essencial ao mundo”. Para isso, � preciso liberdade: “Condi��o primeira e fundamental da cultura � a liberdade, como atuante e individual espontaneidade do esp�rito humano”.

Eram tempos dif�ceis. O regime autorit�rio-militar endurece a cada nova edi��o de atos institucionais. E a UFMG, percebida nas hostes militares como “antro de comunistas e de subversivos”, est� na linha de frente. Em 9 de julho de 1964, o reitor Alu�sio Pimenta chega a ser deposto em nome “de interven��o revolucion�ria” do general Guedes. Foi nomeado um interventor. Pimenta retomou a cadeira dias depois, comandando a universidade em tens�o permanente com o Ex�rcito. Enfrentou, por exemplo, em 1966, o s�tio da Pol�cia Militar � Faculdade de Direito, na Pra�a Afonso Arinos, durante um encontro de estudantes. N�o � toa, foi “aposentado” com base no AI-5.

Foram muitas as investidas do regime � UFMG. Em 1968, mais de 200 estudantes foram presos numa invas�o da Faculdade de Medicina, na Avenida Alfredo Balena, que come�ou com uma batalha nas ruas e terminou dentro do pr�dio da escola. Em 5 de outubro de 1968, foi a vez da invas�o da Faculdade de Filosofia e Ci�ncias Humanas (Fafich). A Pol�cia Militar cercou o pr�dio para prender l�deres estudantis. Democrata, Boson era tido pelo regime como “omisso”, por n�o respaldar a a��o militar e a “ca�a subsersiva” ao corpo docente e discente.

Em ato de Junta Militar que governou com a doen�a de Arthur da Costa e Silva, Gerson Boson foi aposentado compulsoriamente em 13 de outubro de 1969, sem concluir o seu mandato de reitor. “Eu tinha 15 anos. Ele ficou muito abatido. O epis�dio mexeu muito com as nossas vidas, pois a academia era a vida dele”, conta a filha Patr�cia Boson. D�cadas mais tarde, Gerson Boson conseguiu anular o ato na Justi�a. Mesmo depois de muito pesquisar, ele morreu em 2001, aos 87 anos, sem encontrar o documento nem identificar quem foram os signat�rios.


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