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Estado de Minas

Conhe�a a hist�ria de como o cartunista Henfil conseguiu driblar a ditadura com desenhos

O cartunista Henfil conseguiu contar com desenehos para a cunhada, presa e torturada, que a filha estava bem


postado em 02/03/2014 00:12 / atualizado em 02/03/2014 08:06

O Estado de Minas conta duas hist�rias que pouca gente conhece, mas que mostram bem a tens�o e o terror dos anos de chumbo que se seguiram ap�s a queda do presidente Jo�o Goulart (1919-1976), em 31 de mar�o 1964. A ex-militante Gilse Cosenza, cunhada do cartunista Henfil, e a artista pl�stica Yara Tupinamb� s�o as personagens principais dessas hist�rias narradas nesta edi��o, dentro da s�rie iniciada pelo EM no domingo passado para lembrar os 50 anos do Golpe de 1964, que levou os militares ao poder.

Juliana, à esquerda do tio Henfil, e a irmã mais nova, Gilda(foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press/reprodução)
Juliana, � esquerda do tio Henfil, e a irm� mais nova, Gilda (foto: Beto Magalh�es/EM/D.A Press/reprodu��o)


Gra�na, o bode Francisco Orelana, o Capit�o Zeferino e os frades Cumprido e Baixim s�o todos
Juliana aos 4 meses no colo da tia, a mulher de Henfil, que a acolheu(foto: Gladysron Rodrigues/EM/D.A Press/ Reprodução)
Juliana aos 4 meses no colo da tia, a mulher de Henfil, que a acolheu (foto: Gladysron Rodrigues/EM/D.A Press/ Reprodu��o)
geniais personagens de Henfil, mas, apesar de marcarem  a hist�ria do cartum brasileiro, nenhum deles conseguiu ser t�o politizado e passar uma mensagem certeira como um desenho do irm�o do Betinho, que para a maioria dos leitores soou despretensioso. Uma criancinha advertida em uma tirinha publicada em jornal: “Juliana, chega de comer sorvete com morango, pois voc� vai ter caganeira”.

Para entender a hist�ria � preciso voltar ao in�cio dos anos 1970, quando Gilse Cosenza, ent�o uma aguerrida militante da A��o Popular (AP), estava presa na Penitenci�ria de Linhares, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Era o auge da repress�o, iniciada com o golpe militar, em 1964, e agravada com a decreta��o do Ato Institucional n�mero 5 (AI-5), em 1968. Gilse foi barbaramente torturada nos por�es da ditadura em Belo Horizonte e quando foi presa, sua filha Juliana tinha apenas 4 meses. A irm� de Gilse, Gilda Cosenza, era casada com Henrique de Souza Filho, o Henfil, que ainda hoje � chamado carinhosamente por elas de Henriquinho.

Gilda e Henfil cuidaram de Juliana por dois anos, enquanto Gilse estava presa. Gilse recorda que quando chegou ao pres�dio em Juiz de Fora n�o sabia como estava sua filha. “Durante as sess�es de tortura, eles (torturadores) colocavam uma crian�a chorando, dizendo que estavam maltratando a Juliana”, lembra Gilse da viol�ncia psicol�gica, acompanhada das barb�ries f�sicas.

Quando foi transferida para Juiz de Fora, Gilse recorda que a condi��o era melhor. “Faz�amos greves de fome para ter direito a banho de sol e at� conseguir ler um jornal di�rio”, destaca. “Quando chegou o primeiro exemplar do Jornal do Brasil todas queriam o primeiro caderno para ler as not�cias de pol�tica, mas eu queria ver a parte com os cartuns para saber se estava tudo bem com o Henfil e, assim, com a Juliana.”

Quando leu o quadrinho, ela n�o se recorda se era com a Gra�na ou algum dos fradinhos, viu um recado, que a fez chorar de emo��o e gritar de alegria para as colegas de luta que estavam presas: “Juliana, chega de comer sorvete com morango, pois voc� vai ter caganeira”. O recado cifrado de Henfil fez com que Gilse soubesse que sua filha estava bem. “Depois, soube que n�o era a primeira vez que ele fazia isso”, conta Gilse. O irm�o dela, Gild�sio, que tamb�m era preso pol�tico, assim como o marido, Abel Rodrigues Avelar, tamb�m recebiam recados cifrados de Henfil.

 “Eles esconderam, protegeram e criaram minha filha”, recorda Gilse. O agradecimento dela foi tanto, que, quando ficou gr�vida pela segunda vez, ainda levando uma vida clandestina, com nome falso, decidiu que o nome do filho seria um agradecimento para a irm� e o cunhado. “O nome dela vai ser Gilda, se for menina, e Henrique, se for menino. Foi uma forma de dizer obrigado”, lembra Gilse, que batizou a filha com o nome da irm�.

NAMORO Gilse era namorada do tamb�m militante da AP Abel, amigo de Henfil. Os dois estudavam juntos na Faculdade de Economia da UFMG. “O Henriquinho era espirituoso em tudo. Minha irm� j� estava namorando, mas ele ficou doido com ela.”, recorda Gilse. Ela lembra que Gilda vestia uma saia xadrez em preto e branco e o Henfil tentou conquist�-la de todas as maneiras. “Ele fez uma charge e colocou um desenho de uma mo�a com aquela saia sentada em um banco de pra�a com o namorado e com um desenho dele entrando por tr�s dos dois e separando”, recorda Gilse.

Outra hist�ria da corte de Henfil � um documento, com tom de galhofa, que ele registrou em cart�rio e entregou a Gilse e Abel dizendo que se comprometia a dar um pagamento mensal para o resto da vida se eles dessem for�a para que ele conseguisse namorar Gilda. Os planos, aliados a outros, deram certo e os dois come�aram a namorar.

Quando a barra pesou para Gilse, em 1967, ela tinha que sair de Belo Horizonte e viver uma vida clandestina. “Eu n�o podia mais dormir na casa do meu pai. Cada dia tinha que dormir em um lugar. Fiquei sabendo que havia uma lista de 17 l�deres estudantis que seriam presos a qualquer momento”, lembra Gilse. Ela foi avisar o namorado, que decidiu ir junto. Por�m, quando avisou o pai, escutou: “Filha comunista j� um problema grande, mas amasiada � demais. Casa primeiro, mas casa r�pido”. Quando Henfil soube da situa��o, decidiu aproveitar o embalo e se casar tamb�m com Gilda. “Se � para limpar a moral da fam�lia limpa a �rea toda”, disse Henfil, segundo Gilse. E assim os dois casais se casaram no mesmo dia, na Igreja Santo Ant�nio.

DOEN�A “O Henriquinho era uma pessoa muito contradit�ria. Por um lado, era um g�nio, um artista, uma pessoa muito inquieta, que queria desvendar o mundo e a sociedade. Ele queria sempre mudar e buscar novas situa��es. Inclusive para o trabalho dele. Por outro lado, ele tinha o problema da hemofilia, que fazia ele sofrer muito e o impedia de muita coisa”, conta Gilse.

Juliana Cocenza hoje tem 45 anos e lembra do tio Henfil como “um cara extremamente brincalh�o”. Ela recorda de uma foto em que ela est� com ele, em 1979, quando foi decretada a anistia. Na foto tamb�m est� a irm� de Juliana, Gilda. Outra recorda��o que ela guarda � um bilhete deixado pelo tio, lamentando n�o ter se encontrado com ela em S�o Paulo, em 1984. “Ele gostava de brincar com tudo quanto � tema e brincava com os assuntos da vida. Passou muito disso para o cartum”, destaca Juliana. “Tenho uma gratid�o sem tamanho por ele e por minha tia. Sem tamanho. Eu devo minha vida a eles.”

No bilhete guardado pela sobrinha Juliana como recordação, o carinho do tio cartunista(foto: Álbum de Famíilia)
No bilhete guardado pela sobrinha Juliana como recorda��o, o carinho do tio cartunista (foto: �lbum de Fam�ilia)


Gilda, a tia de Juliana, lembra que a crian�a estava muito fr�gil, quando uma companheira de Gilse a levou para seus cuidados. “Tinha 4 meses e apenas tr�s quilos”, detalha. Gilse teve g�meas prematuras, mas somente Juliana sobreviveu e precisava de cuidados intensos. “� importante falar dessa �poca para que as pessoas n�o se esque�am disso. Assusta-me muito que os jovens n�o saibam o que foi a ditadura, o que essas pessoas passaram e o horror que foi a tortura”, lamenta Gilda.

Tra�os da resist�ncia

O mineiro Henrique de Souza Filho, o Henfil, nascido em Ribeir�o das Neves, foi um dos maiores cartunistas brasileiros. Resistiu � ditadura com cartuns inteligentes e ir�nicos e � o autor da express�o “Diretas J�”, que marcou a campanha pela volta das elei��es populares para presidente e pelo fim dos anos de chumbo. Fez hist�ria no seman�rio O Pasquim, em companhia dos n�o menos brilhantes Mill�r Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Paulo Francis e Ivan Lessa. Em 5 de fevereiro Henfil completaria 70 anos, mas morreu em janeiro de 1988, um m�s antes de completar 44 anos, v�tima do v�rus da Aids, contra�do em uma das transfus�es de sangue a que era submetido periodicamente. O cartunista era hemof�lico, assim como seus irm�os o soci�logo Herbert de Souza, o Betinho, e o m�sico Chico M�rio. Henfil teve um filho com Gilda, Ivan Cosenza, hoje respons�vel pela acervo da obra do pai. Recentemente, a Cole��o Fradim foi relan�ada pelo instituto e ONG batizados com o nome do artista.


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