Isabella Souto, Luiz Ribeiro e Daniela Garcia

A reportagem do Estado de Minas visitou na semana passada uma comunidade rural em Francisco S� – cidade de 23,6 mil habitantes, a 472 quil�metros de Belo Horizonte, no Norte de Minas – e presenciou a merenda dos alunos: macarr�o com ovo. No dia anterior, tinha sido fornecido feij�o com arroz, segundo relatos dos alunos. As reclama��es est�o na ponta da l�ngua: a vontade de comer carne e frutas e o simples ato de repetir o prato. “Quase todo dia, a merenda � a mesma. Fruta s� aparece de vez em quando”, lamenta um estudante de 13 anos, matriculado no ensino fundamental. “A gente n�o pode repetir”, completa um colega de sala. Outro aluno se desloca por 22 quil�metros para chegar � escola. Ele sai de casa �s 10h e almo�a no col�gio.
Como ele, cerca de 20 estudantes transportados de comunidades rurais fazem na escola aquela que deve ser a principal refei��o do dia. No card�pio afixado na cantina, alimentos variados para cada dia da semana. Mas, segundo uma funcion�ria, nem sempre � seguido o que est� no papel. “Muitas vezes, as coisas que a gente solicita n�o v�m e n�o temos como seguir o que est� escrito. A�, temos que apelar para a criatividade”, disse ela. Frango e carne s�o uma raridade na despensa.
ALIMENTO ESTRAGADO A nutricionista respons�vel pela merenda na cidade, Ane Camila Silva Campos, disse que a alimenta��o vem sendo fornecida normalmente em toda rede p�blica do munic�pio, que tem cerca 1,6 mil alunos (incluindo as creches). Por outro lado, ela alegou que o dinheiro enviado pelo governo federal � insuficiente para adquirir os mantimentos da merenda escolar. “O munic�pio tem que complementar com o percentual correspondente a 100% do valor que recebe do FNDE por aluno. Se viessem mais recursos, com certeza ter�amos condi��es de oferecer uma merenda de melhor qualidade”, afirmou.
Pior � quando o mantimento vem estragado. Essa realidade j� foi vivida por uma escola da rede municipal de Belo Horizonte voltada para a educa��o infantil. “�s vezes, chega carne que a gente n�o tem coragem de dar nem para um cachorro”, diz a supervisora. Assim como carne, a escola j� teve problema com legumes estragados. “N�o sei se o problema � que o dinheiro � t�o pouco, que n�o d� para comprar alimentos de qualidade”, avalia. E ela conta que o card�pio elaborado por nutricionistas nem sempre sai do papel, por falta dos alimentos. Fruta, por exemplo, s� mam�o, melancia e banana. “Outro dia questionamos uma nutricionista que veio avaliar a merenda: ‘Cad� a pera? Cad� a mexerica? Nunca tem’”, conta ela.
‘TUDO CONTADO’ Um lanche que custa, no m�ximo, R$ 0,44 � o que tem direito, por dia, cada um dos meninos e meninas de uma escola p�blica em �guas Lindas de Goi�s, no entorno de Bras�lia. No col�gio estadual – batizado com o nome da cidade – � proibido repetir. “Aqui � tudo contado. Temos que ter muito cuidado na hora de distribuir para que ningu�m fique sem comida”, explicou a gerente de merenda escolar, N�bia Messias Fontoura, 47 anos.
Com a presta��o de contas nas m�os, ela comprova que recebe R$ 0,14 do governo estadual e R$ 0,30 da esfera federal. Neste m�s, N�bia teve que se virar com R$ 11.919,60 para alimentar 1.290 alunos nos 21 dias letivos. “N�o posso gastar nem um centavo a mais. � dif�cil a gente ficar devendo ao governo. Mas eles sempre ficam devendo para a gente”, refor�ou.
A escola atende a jovens tanto do ensino fundamental quanto do m�dio. Estudante do 6º ano, Naelly Leite de Souza, de 12, come todo dia o lanche da escola, mas tem prefer�ncia pelo prato da segunda-feira: arroz doce. O card�pio de ter�a-feira a sexta-feira �: cuscuz com ovo, bai�o de dois, p�o com sardinha e iogurte, apenas. Aluna do 1º ano do ensino m�dio, Crislayne Karielen, de 16, elogia a merenda da escola. “Todo dia � muito bom”, disse.
Na sexta-feira, a escola fez um lanche especial no evento em homenagem ao Dia das M�es. Depois de servir �s convidadas, alguns meninos e meninas tiveram a sorte de saborear cachorro-quente e suco. “N�o tem para todo mundo. Isso a gente conseguiu de doa��o”, avisou N�bia.
MARCHA DE PREFEITOS A merenda escolar ser� um dos temas tratados nesta semana em Bras�lia, durante a Marcha Nacional dos Prefeitos, promovida pela Confedera��o Nacional dos Munic�pios (CNM). Uma das reivindica��es � um reajuste no valor do repasse, que, segundo o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, � o mesmo desde 2011. “O que voc� compra com R$ 0,30 por dia? N�o d� nem para um p�ozinho franc�s e uma �gua”, reclama.
Para o presidente da CNM, nas atuais condi��es, o conv�nio com a Uni�o para receber o recurso acaba fazendo com que o munic�pio gaste ainda mais com a merenda. “A refei��o exigida n�o � um pedacinho de p�o com caf�. Al�m do card�pio mais elaborado, o conv�nio exige salas pr�prias para armazenamento dos alimentos, nutricionista, uma s�rie de coisas que torna ainda mais cara a alimenta��o”, diz. E para piorar, ele lembra que quem n�o tem condi��es de seguir todas as exig�ncias acaba respondendo a processos no Tribunal de Contas da Uni�o (TCU).