
Os gritos de “sem partido” que marcaram as manifesta��es durante a Copa das Confedera��es, no ano passado, n�o fazem mais parte dos protestos que ganharam as ruas nas �ltimas semanas em Belo Horizonte. Legendas de extrema esquerda se somam aos movimentos criados na sombra das jornadas de junho e a grevistas organizados por sindicatos mais combativos para liderar os ensaios da indigna��o com a Copa do Mundo. Se, por um lado, as bandeiras agora colorem de vermelho os protestos, as milhares de pessoas que foram �s ruas em junho ainda n�o sa�ram de casa, e paira a d�vida se haver� a mesma ades�o quando a bola come�ar a rolar, em 12 de junho, quando Brasil e Cro�cia jogam a primeira partida do Mundial, em S�o Paulo.
Junto com as bandeiras e com uma pauta de reivindica��es definida, contemplando demandas sindicais dos trabalhadores, as manifesta��es deste per�odo pr�-Copa revelam tamb�m lideran�as que tentar�o disputar cargos nas elei��es do ano que vem. Fid�lis Alc�ntra (PSOL), um dos principais articuladores do Copac, o Comit� Popular dos Atingidos pela Copa (Veja todas as organiza��es na p�gina ao lado), quer ser candidato ao governo do estado; Andr� Veloso (PSOL), integrante do Tarifa Zero, tentou ser vereador em 2012 (teve 1.888 votos) e � prov�vel candidato a deputado estadual. Outro poss�vel candidato � Leonardo P�ricles, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Leonardo milita no Partido Comunista Revolucion�rio (PCR). Embora a legenda ainda n�o tenha registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alguns de seus membros se filiaram ao PSOL para disputar o pr�ximo pleito.
O Sindirede-BH � ligado � CSP-Conlutas, central sindical identificada com o PSTU. Al�m dos professores da rede municipal de ensino, os trabalhadores da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) est�o em greve. Um dos motivos da postura combativa � a diminui��o da for�a de sindicalistas ligados ao PT e � Central �nica dos Trabalhadores (CUT) na dire��o do Sindicato dos Servidores P�blicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), com participa��o maior de integrantes do PSOL e do PSTU. “Os sindicatos demoraram a perceber como a Copa est� afetando o trabalho das pessoas, mas, com sua aproxima��o, o impacto ficou mais claro”, avalia Fid�lis Alc�ntra.
Nas manifesta��es das �ltimas semanas em BH ficou claro que o PT e o PcdoB, al�m de entidades ligadas a esses partidos, que sempre tomaram frente dos movimentos sociais, est�o fora das ruas. Na assembleia de 15 de maio, quando os professores da rede estadual de ensino decidiram entrar em greve, manifestantes sa�ram da Pra�a da Assembleia, no Bairro Santo Agostinho, em dire��o � Pra�a Raul Soares, onde se encontrariam com grupos anticopa. Os professores filiados ao Sindicato �nico dos Trabalhadores em Educa��o de Minas Gerais (SindiUTE-MG), ligado � CUT e ao PT, n�o seguiram com a passeata, capitaneada pelos colegas da rede municipal e por integrantes de ocupa��es urbanas, como Wilian Rosa, sob influ�ncia do trabalho pol�tico de membros do PSTU.
A presidente da CUT-MG, Beatriz Cerqueira, defende as manifesta��es, apesar de n�o ter participado delas. Mas poupa o governo federal, da presidente Dilma Rousseff (PT), e centra fogo no governo estadual, comandado nos �ltimos anos pelo PSDB, de um dos rivais da petista nas elei��es, o senador A�cio Neves.
Assim como a CUT, a Uni�o Nacional dos Estudantes (UNE), historicamente ligada ao PCdoB, est� fora das ruas. As bandeiras balan�adas na capital mineira s�o da Associa��o Metropolitana dos Estudantes Secundaristas da Grande BH (Ames-BH) e da Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (Anel). A primeira � ligada ao PCR, e a segunda, ao PSTU.
Passagem
Na onda das manifesta��es, o incisivo movimento Tarifa Zero � um dos que mais se destaca. Sua revolta � contra o prefeito da capital, Marcio Lacerda, e o aumento da tarifa de �nibus, que passou de R$ 2,65 para R$ 2,85. O grupo, que nas manifesta��es das �ltimas semanas n�o reuniu mais que 60 participantes, fecha ruas e provoca a ira de quem est� no tr�nsito. Na ter�a-feira, no Bairro de Lourdes, houve momentos de tens�o, quando uma professora furou o bloqueio dos manifestantes. “Meu pai est� sozinho em casa e tem problema de sa�de. N�o vou esperar um monte de gente se manifestar. Isso n�o � cidadania, se manifeste de forma ordeira”, reclamou.

Para Andr� Veloso (PSOL), do Tarifa Zero, o objetivo com o fechamento de ruas � mostrar que “andar de carro n�o � um ato isento de impacto social”. Os manifestantes repetem para os motoristas que eles n�o est�o presos no tr�nsito. “Eles s�o o tr�nsito”, argumenta Andr�, que foi candidato a vereador na �ltima elei��o e deve tentar uma cadeira na Assembleia Legislativa. Ele n�o aceita o t�tulo de l�der do Tarifa Zero, apesar de ser um dos principais coordenadores das manifesta��es. “� um movimento horizontal, e estamos tentando desconstruir o protagonismo”, afirma.
Tamb�m pr�-candidato, Leonardo P�ricles n�o quis dar entrevista. Para ele, a m�dia criminaliza os movimentos sociais. Na quinta-feira, P�ricles participou do fechamento da MG-10, em frente � Cidade Administrativa, com o MLB. Em 2013, quando o prefeito recebeu 13 representantes da Assembleia Popular Horizontal , que ocupava a C�mara Municipal, ele foi um dos mais exaltados durante a negocia��o.
Radicalismo ideol�gico
O caldeir�o das ruas de Belo Horizonte � apimentado por movimentos extremamente ideol�gicos, que pregam o trotskismo, o marxismo ortodoxo e a anarquia, al�m dos j� conhecidos adeptos da t�tica Black Bloc. O professor do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da Universit� du Qu�bec � Montr�al (UQAM), no Canad�, Francis Dupuis-D�ri, autor do livro Black Blocs (Editora Veneta), que acabou de ser traduzido e chegou �s livrarias brasileiras nesta semana, explica: “O Black Bloc (BB) � uma t�tica de protesto, ou uma maneira de protestar. N�o � uma organiza��o permanente. Antes e depois do protesto, o BB n�o existe”.

Em Belo Horizonte, nos dias em que houve a maior presen�a da t�tica (durante o jogo Brasil e Uruguai, em 26 de junho e na comemora��o do dia de independ�ncia 7 de setembro do ano passado) os adeptos tamparam o rosto com camisas e bandanas, usaram roupas pretas e carregavam escudos com dizeres hostis � pol�cia. Um deles, inclusive, trazia a sigla ACAB (all cops are bastard), traduzida como “todos os policiais s�o bastardos”.
“Eles n�o t�m nenhum l�der e n�o h� hierarquia. Formam-se mais ou menos espontaneamente em protestos e agem como grupos aut�nomos. Eles se vestem da mesma maneira, pois isso possibilita que atuem anonimamente (e evita a repress�o policial), mas tamb�m serve para expressar a igualdade e a solidariedade (eles parecem todos iguais)”, detalha Francis Dupuis-D�ri.
Quem tamb�m � adepto do anarquismo e tem uma organiza��o � o Coletivo Mineiro Popular Anarquista (Compa). A reportagem leu os panfletos do coletivo e � poss�vel perceber um discurso a favor da viol�ncia. “� por medo que a grande m�dia criou todo um arranjo manipulador que insiste em dar uma conota��o positiva �s ‘manifesta��es pac�ficas’ e continuar em sua linha tradicional de difamar os ditos ‘violentos’. As propor��es que tomaram os protestos no pa�s n�o eram esperadas e s�o extremamente preocupantes para os nossos inimigos”, est� escrito em um dos panfletos do movimento.
Para Leovegildo Pereira Leal, do Movimento Marxista 5 de Maio (MM5), atitudes violentas como as usadas pela t�tica black block s�o “a express�o da imaturidade de um segmento que est� em forma��o e deve ser considerado no interior da conjuntura geral do movimento, que veio de uma paralisia instalada com o neoliberalismo”. O MM5 prega o marxismo ortodoxo e n�o revela o n�mero de participantes. Outra organiza��o presente nas ruas da capital � Liga Estrat�gia Revolucion�ria Quarta Internacional (LER-QI), uma organiza��o trotskista, que faz cr�ticas contundentes aos partidos que eram considerados de esquerda, como PT e PCdoB e n�o poupa nem o PSOL, que acusa de buscar “uma reedi��o tr�gica do que foi inicialmente a ilus�o petista na democracia burguesa”.