Bras�lia – A sede dos deputados federais por sal�rios turbinados e benesses inclui itens como aux�lios, cot�o para despesas do mandato, gastos ilimitados com telefone, passagens a�reas e outras regalias. O problema � que, com o objetivo de multiplicar o contracheque e burlar o teto constitucional, os parlamentares legalizaram, internamente, uma pr�tica que n�o encontra respaldo na legisla��o: a caixinha de gabinete. Nos �ltimos 10 anos, foram oito casos de deputados que tomaram para si parte dos sal�rios dos funcion�rios. Todos contaram com a vista grossa da Corregedoria da Casa, que, por costume, n�o adota qualquer puni��o para a pr�tica.
N�o ser� a primeira nem a �ltima acusa��o de reten��o de remunera��o de servidores, geralmente comissionados, por pol�ticos. Por�m, s�o poucos os casos de puni��o, seja por falta de provas, seja pela demora das autoridades. A den�ncia por escrito foi apresentada em 7 de outubro, dois dias depois de Campos ser reeleito. A servidora da C�mara Eliene Audrey Arantes Corr�a disse que o parlamentar a obrigava a repassar parte de seus rendimentos todos os meses. Uma an�lise preliminar feita pela PGR avaliou que o deputado, em tese, praticou “crime de abuso de autoridade e improbidade administrativa”.
A PGR j� questionou a C�mara, que prestou esclarecimentos repassados em janeiro � assessoria criminal do procurador-geral da Rep�blica, Rodrigo Janot. Ele tamb�m solicitou informa��es ao pr�prio Campos, que pediu prazo maior para se explicar. O gabinete do deputado disse ao Estado de Minas que ele est� surpreso com a acusa��o e que prepara sua defesa.
A reportagem apurou que Eliene Audrey n�o foi � Justi�a pedir indeniza��o pelo sal�rio retido, mas resolveu fazer a den�ncia depois de ser alvo de duas execu��es da Receita Federal. O fisco cobra, segundo fontes ouvidas pelo jornal, valores de Imposto de Renda que ela n�o recolheu, com base no sal�rio cheio que recebia da C�mara, que variou de R$ 2,5 mil a R$ 8 mil, aproximadamente. A servidora, por�m, alega que recebia entre R$ 500 e R$ 800. O resto ficaria com Campos.
A Justi�a Federal determinou que fossem confiscados cerca de R$ 50 mil das contas de Eliene para o pagamento de impostos atrasados. Sem encontrar os valores, foram bloqueados menos de R$ 2 mil. Eliene tentou liberar o dinheiro duas vezes em 2013, mas os pedidos foram negados pela ju�za Isaura Cristina Leite, da 11ª Vara Federal de Bras�lia. Procurada para detalhar as acusa��es, a funcion�ria preferiu n�o conceder entrevista ao jornal.
‘O cara sabe’
Casos como esse se multiplicam no Parlamento e chegam a ser institucionalizados pelos partidos. H� dois anos, um inqu�rito civil contra v�rios partidos corre na Procuradoria da Rep�blica no Distrito Federal. E um criminal tramita na PGR. Eles apuram v�rias acusa��es indicando que, de forma organizada, as legendas e seus parlamentares passaram a exigir uma “caixinha” mensal de todos os funcion�rios em cargos sob o dom�nio da sigla, mesmo de n�o filiados ao partido. Isso porque os estatutos partid�rios, sim, exigem a contribui��o dos filiados. Mas a filia��o dos servidores n�o � obrigat�ria. Em alguns casos, a cobran�a se dava com boleto. Houve at� tentativas de se fazer d�bito autom�tico da conta-corrente de servidores para a do diret�rio regional.
Ao mesmo tempo, alguns pol�ticos chegaram a desdenhar desse tipo de acusa��o. O ent�o presidente da C�mara Marco Maia (PT-RS) afirmou em 2011 que “depende da combina��o que o partido faz” a obriga��o dos funcion�rios dos gabinetes de contribu�rem ou n�o. “Quando o partido ajusta com o cara, ele sabe que tem que contribuir. Depois, o cara n�o quer contribuir. Bom, a�…”
O Superior Tribunal de Justi�a (STJ) considerou ato de improbidade administrativa for�ar os servidores do gabinete a pagarem contribui��es ao partido ou ao pol�tico. Em julgamento de maio de 2010, ministros da J 2ª Turma da Corte conclu�ram que essas pr�ticas “violam, expressamente, os princ�pios administrativos da moralidade, finalidade, legalidade e do interesse p�blico”.
D�zimo proibido
Em 2005, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que at� o d�zimo partid�rio – cobrado apenas de filiados – deveria ser proibido a funcion�rios p�blicos.
O entendimento da Justi�a Eleitoral foi de que a lei veda �s legendas o recebimento de dinheiro p�blico, ainda que indiretamente, a n�o ser do fundo partid�rio. “Em vez de os recursos p�blicos visarem, em si, � presta��o dos servi�os, dar-se-ia o financiamento dos partidos”, analisou o ministro Marco Aur�lio Mello no relat�rio da resolu��o do tribunal. A decis�o, no entanto, n�o inibiu a pr�tica. “O Brasil acaba sendo o pa�s do faz de conta”, resume Mello. O procurador da Rep�blica Jo�o Gilberto Gon�alves Filho entrou na Justi�a para impedir as 27 siglas da �poca de receberem dinheiro de servidores. O tema est� na primeira inst�ncia, em S�o Paulo, e n�o chegou a ir ao plen�rio.
Caixinhas do Brasil
Casos relatados de pol�ticos que retiveram sal�rios de servidores
Jo�o Campos (PSDB-GO), deputado federal
Ex-funcion�ria disse em 2014 que ele reteve parte dos sal�rios dela entre 2004 e 2008. Den�ncia foi feita ao MPF, que apura o caso. Deputado silenciou.
Lu�s Tib�, deputado federal
Mesmo sem filia��o partid�ria, funcion�rio do gabinete de Tib� na C�mara pagou em 2011 contribui��o retroativa ao PTdoB, inclusive usando cart�o de cr�dito e pagando juros na opera��o. Deputado negou irregularidades e disse que “a maioria” dos funcion�rios da bancada pagava os valores por supostamente serem filiados � legenda, mas s� 22% eram. Inqu�rito no STF investiga Tib�.
Zequinha Marinho (PSC), vice-governador do Par�
Em 2011, quando era deputado, mandou e-mails cobrando de 5% dos sal�rios de servidores. Numa mensagem, demite um deles que n�o queria pagar a taxa. Marinho disse que a pr�tica era normal e feita por todos no PSC. Depois, passou a afirmar que era opcional. Sem processos na C�mara. Inqu�rito no STF foi enviado ao TRF da 1ª Regi�o.
Efraim Morais (DEM-PB), ex-senador
Em 2010, foi acusado de contratar duas irm�s sem que elas soubessem. Em troca, recebiam o que acreditavam ser uma bolsa de estudos de R$ 100 da Universidade de Bras�lia. Efraim negou as acusa��es. A��o judicial aberta no STF hoje corre no TRF da 5ª Regi�o. Sem processo no Senado.
Paulo Bauer (PSDB-SC), senador
Em 2009, quando era deputado, teve conversa gravada em que admitiu ter uma funcion�ria na folha de pagamento que n�o trabalhava, mas cujo sal�rio era repassado a um correligion�rio. Bauer disse que “criou situa��es” para tentar obter informa��es do interlocutor, acusado de vender sua cota de passagens. A Corregedoria da C�mara arquivou o caso.
Paulo Roberto Pereira (PTB-RS), ex-deputado
Em 2009, em meio � investiga��o sobre com�rcio de passagens, foi acusado de reter sal�rios e de contratar fantasmas. Paulo Roberto disse ser vingan�a do ex-funcion�rio. E ainda retardou o processo no Conselho de �tica, evitando a vota��o do pedido de cassa��o. N�o se candidatou depois disso.
Geraldo Mesquita (ex-PSOL-AC), ex-senador
Em 2005, uma grava��o acusava-o de ficar com 40% dos sal�rios do gabinete. Mesquita foi absolvido por unanimidade no Conselho de �tica, seguindo o relat�rio de Dem�stenes Torres (DEM-GO), depois cassado por envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Chico das Verduras (PRP-RR), ex-deputado
Em 2003 e 2004, quando era deputado estadual, ficou com sal�rios de servidores e acabou condenado por improbidade pela Justi�a de Roraima em 2011. Cassado em 2010 por compra de votos. Condenado em 2014 pelo STF por corrup��o ativa. Perdeu as �ltimas elei��es. Negou acusa��es.