
Aquela foi anunciada e prometida como uma cirurgia de r�pida recupera��o que, no m�ximo, adiaria a posse do primeiro presidente civil ap�s 21 anos de ditadura militar, marcada para 15 de mar�o de 1985. Mas ocorreu o imponder�vel. Um erro de diagn�stico de apendicite supurada e uma opera��o de emerg�ncia desnecess�ria, tumultuada n�o s� pelo “espet�culo” aberto na cena pol�tica, mas por uma sucess�o de atos m�dicos temer�rios que provocaram danos ao paciente. Come�ava ali um drama que teria como desfecho a morte de Tancredo Neves em 21 de abril de 1985. “Ele poderia ter tomado posse”, afirma o historiador e pesquisador m�dico Luis Mir, autor da obra O paciente. Trata-se de estudo �nico do caso, que durou 25 anos, respaldado em entrevistas com 42 m�dicos envolvidos, prontu�rios, diagn�sticos, exames, cirurgias, procedimentos, rotinas e condutas no pr�, intra, e p�s-operat�rios, e a evolu��o at� o �bito de Tancredo. Trinta anos depois, ainda h� lacunas em aberto: ningu�m foi responsabilizado e paira o sil�ncio em torno do caso. “Vamos requerer a reabertura ao Conselho Federal de Medicina e aos conselhos regionais de S�o Paulo e do Distrito Federal. A sociedade tem o direito de conhecer os processos �ticos e disciplinares das sindic�ncias anunciadas � �poca”, diz. Segundo ele, esse requerimento deve ser feito nesta semana.

“O paciente est� morto. Mas a hist�ria � viva”, afirma Luis Mir, considerando a import�ncia de se selar em definitivo o cap�tulo daquela que ele denomina “a trag�dia m�dica” e, ao mesmo tempo, republicana. A empreitada junto aos conselhos de classe n�o ser� f�cil: at� hoje, foram frustradas as tentativas de acesso, inclusive da fam�lia de Tancredo Neves, ao teor desses documentos. Este � um caso em que o sigilo m�dico esbarra no interesse p�blico. “Tancredo Neves n�o era um paciente comum nem um pol�tico comum. Era o chefe de Estado que comandaria a redemocratiza��o”, afirma Mir, lembrando que a sua morte instalou uma crise pol�tica no pa�s, sufocado por 21 anos de ditadura militar e horrores cometidos nos por�es da tortura, enquanto a economia oscilava entre o milagre dos primeiros anos de chumbo e a recess�o profunda, j� no per�odo final do regime.
O primeiro ato da agonia hospitalar de Tancredo Neves se iniciou na noite de 14 de mar�o de 1985, v�spera de sua posse na Presid�ncia da Rep�blica. Em janeiro daquele ano, ele havia derrotado Paulo Maluf no col�gio eleitoral, ap�s uma frustrada campanha que mobilizou o pa�s pela restaura��o das elei��es presidenciais diretas. Tancredo sentia fortes dores abdominais, que n�o tinham sido constatadas em exame de rotina feito um dia antes pelo cl�nico Renault Ribeiro e o cirurgi�o Francisco Pinheiro Rocha, que acompanhavam o caso. Chamados � Granja do Riacho Fundo, avaliaram o presidente e pediram novos exames. Tancredo foi convencido a se internar no Hospital de Base de Bras�lia para receber soro. L� chegou por volta das 22h15. O caos se instalou. Com o hemograma � m�o, Francisco Pinheiro Rocha comunicou � fam�lia que era necess�rio operar o presidente, imediatamente. Segundo ele, havia risco de morte. Seria uma cirurgia emergencial, de, no m�ximo, uma hora. “Quer�amos lev�-lo para S�o Paulo. Avisamos que conseguir�amos um jato executivo rapidamente”, lembra A�cio Neves, neto e ent�o secret�rio particular de Tancredo. Mas os m�dicos recha�aram a proposta: “Disseram que n�o se responsabilizariam, nem acompanhariam Tancredo no avi�o”, acrescenta A�cio.
A cirurgia era de urg�ncia – e foi com esse argumento que os m�dicos respons�veis barraram a remo��o de Tancredo Neves para S�o Paulo. Mas s� se iniciou, de fato, � 1h10. Em meio a trombadas e confus�es da equipe – e ao alvoro�o dos pol�ticos e curiosos que apinhavam o hospital –, houve desencontros e disputas dentro da equipe m�dica de todo tipo, at� em torno de qual seria o bloco cir�rgico para o procedimento. Na antessala do centro cir�rgico, uma plateia seleta de parlamentares-m�dicos e ministros de Estado nomeados aguardava. “A certa altura, houve a possibilidade de invas�o da sala de cirurgia at� por m�dicos do pr�prio Hospital de Base de Bras�lia. Era imposs�vel impedir a entrada das pessoas. Entre m�dicos e n�o m�dicos, chegaram a circular, no Centro Cir�rgico e dentro da sala de cirurgia, cerca de 60 pessoas. Quando se iniciou a opera��o, havia dentro da sala 25 pessoas. Um show, ruinoso para os m�dicos e para o paciente”, descreve o pesquisador.