Bras�lia, 04 - Local de conchavos e bastidores pol�ticos, o restaurante Piantella, na quadra comercial 202 Sul, fechou suas portas na semana passada ap�s n�o resistir ao tempo de c�meras indiscretas de celulares, mensagens “criptografadas” do WhatsApp e negociatas elaboradas por renomados escrit�rios de lobby.
A tradi��o de um dos espa�os de poder mais conhecidos de Bras�lia come�ou h� quatro d�cadas com as negocia��es do senador Nelson Carneiro (MDB-RJ) para liberar o div�rcio, ganhou forma com as conversas de Ulysses Guimar�es (MDB e PMDB-SP) para a abertura pol�tica, se adaptou ao ecumenismo da esquerda e da direita no tempo do deputado Luiz Eduardo Magalh�es (PFL-BA) at� chegar, mais recentemente, aos discursos com choros e met�foras do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva.
Parlamentares e ministros influentes do PT mantiveram a tradi��o do poder de frequentar o Piantella at� o esc�ndalo do mensal�o, quando se retra�ram. Com os celulares com c�meras, as gorjetas expressivas deixaram ser dadas pelos frequentadores, cada vez mais preocupados em evitar a ostenta��o. Sem extras, os gar�ons come�aram a se preocupar mais com o sal�rio na carteira e reclamar direitos.
Terceira onda
O restaurante tinha o estilo de seu dono, o mineiro Marco Aur�lio Costa, de 65 anos. O Piantella sentiu o impacto dos novos tempos. A pol�tica de raiz mineira foi substitu�da por negocia��es que j� chegam prontas a Bras�lia e as conversas regadas a u�sque foram trocadas por mensagens escritas no celular. “O doutor Ulysses, um pai para mim, dizia que as conversas s�o melhores numa mesa de restaurante, depois da segunda dose de u�sque”, diz Marco Aur�lio. “Conversas na casa ou escrit�rio de quem convida ou � convidado sempre s�o constrangedoras”, completa. “Hoje, homens e mulheres v�o para o restaurante, mas querem conversar pelo zap”, lamenta o mineiro.
Ele lembra que Ulysses mandou preparar picadinho � brasileira para Miguel Arraes na volta do pol�tico pernambucano do ex�lio. Nas mesas com cadeiras estofadas e no bar do Piantella foram discutidas a anistia, a anticandidatura de Ulysses, as diretas e a sistematiza��o da Constituinte.
Poire
Ao ser diplomado presidente em dezembro de 2002, Lula foi almo�ar no restaurante com petistas e Nelson Jobim, ent�o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. “Se eu ganhei a elei��o � porque a coisa � honesta. O sistema � limpo”, disse Lula, numa homenagem a Jobim, um dos nomes influentes dos bastidores do PMDB e depois do PSDB. Emocionado, afirmou que o Brasil ganhava um presidente “chor�o”.
Na ocasi�o, Lula pediu uma ta�a de poire, o aguardente de pera que Ulysses costumava pedir, que virou uma esp�cie de s�mbolo de quem conquistava poder. Era a celebra��o do in�cio de uma alian�a do PT primeiro com siglas como o PL, de Valdemar Costa, e o PTB, de Roberto Jefferson, e depois com o PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Geddel Vieira Lima.
Cadeira cativa
O restaurante foi aberto com o nome Tarantella, marca perdida por Marco Aur�lio numa disputa judicial. Era na �poca apenas o restaurante preferido do oposicionista MDB. O poder mesmo, exercido pelos generais, a direita, frequentava o Gaf, no centro comercial Gilberto Salom�o, no Lago Sul. Com a redemocratiza��o, o Piantella passou a disputar o posto de restaurante dos influentes com o Florentino, aberto naqueles dias. Mas Ulysses escolheu o estabelecimento de Marco Aur�lio para comemorar, em 1985, a primeira interinidade na Presid�ncia.
Depois da morte de Ulysses, em 1992, o Piantella manteve a cadeira cativa do parlamentar na �rea superior do mezanino. O restaurante passou, ent�o, a ser conhecido pela assiduidade do deputado Luiz Eduardo Magalh�es (PFL), que ali negociou a entrega da cadeira de presidente da C�mara para Michel Temer (PMDB), dos petistas Jos� Genoino, Paulo Delgado e Jos� Dirceu e do pedetista Miro Teixeira. No restaurante, Temer comemorava conquistas de espa�os no governo Fernando Henrique. Dirceu, Marta Suplicy e Duda Mendon�a brindaram a chegada do PT ao poder.
As d�vidas se acumularam. Em 2014, com a moeda desvalorizada, Marco Aur�lio vendeu por R$ 1 sua participa��o no restaurante para o advogado Antonio Carlos de Almeida, o Kakay, que j� tinha 50%. Kakay e a mulher Val�ria Vieira fizeram uma reforma que descaracterizou o local. N�o era mais o Piantella aconchegante, o gueto dos poderosos. Em mensagem enviada na semana passada a amigos, Kakay afirmou que n�o era mais poss�vel manter o Piantella, que sofria com a concorr�ncia de outros restaurantes, como o Trattoria da Rosario, no Lago Sul, o Gero, no Lago Norte, e o Piantas, tamb�m do advogado, na 403 Sul.
No per�odo democr�tico, Collor e Dilma foram os �nicos presidentes que, no exerc�cio do cargo, evitaram conversas pol�ticas, muito sabiamente, sob os ouvidos de jornalistas e assessores.