
O primeiro dia de 2017 foi marcado por um massacre em um pres�dio de Manaus, que deixou 56 mortos, estarreceu o pa�s e causou repercuss�o internacional. O que ningu�m imaginava � que seria apenas o fio da meada de uma onda de viol�ncia que tem deixado os brasileiros amedrontados, com registro de rebeli�es em outros estados, motim da pol�cia, chacinas e outros crimes violentos – homic�dios, latroc�nios (roubos seguidos de morte) e les�es corporais que resultam em �bito – al�m de escancarar o descontrole do sistema prisional brasileiro. Pelo menos 126 detentos j� morreram este ano em rebeli�es em v�rios munic�pios.
Nos estados onde as estat�sticas de crimes ocorridos neste ano j� foram divulgados – pelo poder p�blico, organiza��es n�o governamentais ou imprensa local – o aumento de assassinatos j� foi detectado. Caso, por exemplo, do Cear�, onde j� foram registrados 429 homic�dios entre 1º de janeiro e 7 de fevereiro, uma m�dia de 11 homic�dios por dia contra a m�dia do ano passado, que foi de 7,7. Em Pernambuco foram 426 mortes violentas – sendo 40 somente entre os dias 20 e 30. Os dados de janeiro somam 13,7 mortes por dia, contra a m�dia de 2016, de 12 assassinatos/dia.
No Rio Grande do Norte, onde tamb�m houve grande chacina este ano, foram 208 mortes em janeiro, o que representa um aumento de 40,13% em rela��o ao mesmo m�s do ano passado.
No Par�, foram 409 mortes violentas. Apenas em 22 de janeiro, em Bel�m, logo ap�s o assassinato, em uma troca de tiros, do policial militar Rafael Silva da Costa, 29, da Ronda T�tica Metropolitana (Rotam), ocorreram 30 homic�dios.
Modelo
No Esp�rito Santo, apontado at� ent�o como modelo de seguran�a p�blica no pa�s, a greve da Pol�cia Militar deixou 147 mortos e centenas de lojas saqueadas e �nibus incendiados, causando enorme surpresa, j� que o estado foi um dos poucos que conseguiu reduzir a criminalidade ao fechar 2016 com a menor taxa de homic�dios dos �ltimos 28 anos. O Acre somou 44 assassinatos no primeiro dia de janeiro, o maior n�mero j� registrado no nos �ltimos quatro anos no mesmo per�odo.
Levantamento da reportagem, feito por meio de not�cias sobre balan�os e estat�sticas, aponta a ocorr�ncia de pelo menos 2.029 mortes em janeiro e na primeira semana de fevereiro.
Na Bahia e em S�o Paulo duas chacinas deixaram 21 mortos. Na maioria absoluta dos outros estados da federa��o, as estat�sticas sobre esse tipo de crime n�o s�o divulgadas mensalmente. Geralmente, o balan�o � trimestral ou anual, por isso n�o h� n�meros oficiais de todos os casos registrados no pa�s.
Para o coordenador do N�cleo de Estudos sobre Viol�ncia e Seguran�a (Nevis) da Universidade de Bras�lia (UnB), Arthur Trindade, que enfrentou uma greve da Pol�cia Civil quando foi secret�rio de Seguran�a P�blica e Paz Social do Distrito Federal, a viol�ncia do come�o do ano faz parte do desvio padr�o da seguran�a p�blica brasileira, que h� tempos sofre com problemas graves, como superlota��o dos pres�dios, encarceramento em massa e falta de pol�ticas e gest�o eficazes para combater a criminalidade. Para ele, a cobertura da greve acaba contribuindo para aumentar a sensa��o de p�nico na popula��o, mas os n�meros n�o devem se manter altos, embora n�o fora do padr�o que vem sendo registrado nos �ltimos anos.
De acordo com o soci�logo, todos esses problemas registrados no come�o deste ano s�o um reflexo de uma mazela da seguran�a p�blica brasileira, que � o ‘”caos do sistema prisional”, e tamb�m de outro grave problema, que � a greve das pol�cias, que torna ref�ns os governos estaduais. “E t�m como pano de fundo a quebradeira (financeira) dos estados e munic�pios”. O temor, segundo ele, � de que a greve dos policiais se espalhe pelos estados onde a PM remunera muito mal. “� muito poss�vel que essa greve tenha um efeito cascata e se espalhe para outros estados”, alerta.
Desemprego pode agravar viol�ncia
Para o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econ�micas Aplicadas (Ipea) e conselheiro do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, Daniel Cerqueira, o sistema de seguran�a no Brasil enfrenta uma crise n�o � de hoje e a situa��o pode piorar com o agravamento do desemprego, principalmente entre jovens. Para ele, desde o come�o da crise, tem sido verificado um aumento nas taxas de crimes em muitos estados, afirma.
Segundo ele, se os governos n�o investirem em programas consistentes de preven��o ao crime com o aumento de oportunidades para crian�as e jovens em situa��o de vulnerabilidade – junto � organiza��o de um sistema de repress�o qualificada, que privilegie a intelig�ncia policial e o respeito aos direitos de cidadania – as melhores chances de revers�o desse quadro se dar�o apenas a partir de 2023, quando a propor��o de homens jovens na popula��o diminuir� muito.
Recorde
Um estudo do Ipea, feito em 2015 sobre cen�rios da seguran�a p�blica no pa�s, aponta uma rela��o entre a criminalidade e o desemprego, que bateu recorde no Brasil este ano, com 12% da popula��o sem vaga no mercado, principalmente os jovens. Daniel Cerqueira aponta que, a cada 1% de aumento na taxa de desemprego entre os homens, a taxa de homic�dio no munic�pio tende a aumentar 2,1%.
“N�o h� d�vida de que o sistema de seguran�a p�blica no Brasil est� em crise desde a d�cada de 1980. V�rios elementos s�o avassaladores para evidenciar isso, come�ando pelo assassinato de mais de 60 mil pessoas a cada ano (o que corresponde a 12% do total de homic�dios no mundo), passando pela baix�ssima taxa de elucida��o de apenas 8% dos homic�dios (que decreta o atestado de �bito da investiga��o policial) e chegando ao despreparo e ao excesso de uso da for�a pelas pol�cias militares, que vitimam desnecessariamente muitos civis e contribuem, reciprocamente, para morte de muitos policiais”, afirma Daniel, um dos organizadores do Atlas da Viol�ncia 2016.
Ele diz ainda que o reflexo da mis�ria da seguran�a p�blica no Brasil � um sistema prisional absolutamente ca�tico e falido, no qual 40% dos 640 mil detentos nem sequer passaram na frente de um juiz, e o estado � o primeiro a descumprir a Lei de Execu��es Penais. “O resultado, para al�m das trag�dias humanas e familiares, � um custo econ�mico anual que corresponde a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB), ou um desperd�cio de cerca de R$ 350 bilh�es”, afirma o especialista.