O jurista C�lio Borja, de 88 anos, ex-ministro da Justi�a e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), alerta para o risco de as dela��es da Odebrecht serem tomadas como "verdade absoluta", antes que as investiga��es prossigam. "A generaliza��o � a salva��o dos canalhas", disse Borja, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Para ele, esse clima de descren�a em torno da pol�tica pode levar ao autoritarismo. "Essa confus�o entre quem � s�rio e quem n�o � ajuda a inventar salvadores da p�tria".
O que mais o assombrou nessas dela��es da Odebrecht?
O que me assombra � que as dela��es estejam sendo tomadas como verdade absoluta. As dela��es n�o s�o prova. A responsabilidade penal depende de prova. As dela��es s�o apenas a narra��o de fato que pode ser criminoso ou n�o. �s vezes n�o � criminoso. Por exemplo, dizer que o candidato recebeu doa��es. � preciso provar que ele sabia que doa��es vinham de fonte il�cita. Mas ningu�m se preocupa com isso. Pelo fato de ter sido citado em dela��o, ele acaba no rol dos culpados. Est�o criminalizando quem n�o � absolutamente criminoso. E est�o colocando nessa triste posi��o quem n�o tem nada a ver com isso.
Quem o sr. v� nessa situa��o?
Essa pergunta n�o se responde. Ela personaliza e eu n�o quero personalizar nada.
Qual caminho o sr. v� a partir das dela��es?
O caminho das investiga��es. O primeiro passo � n�o dar � dela��o o valor de prova. Ela apenas exige que a pol�cia investigue o fato delatado. A partir da constata��o de que a dela��o procede, a� sim se iniciar a��o penal e responsabilizar os culpados. N�o se deve generalizar. A generaliza��o � a salva��o dos canalhas. Quando o sujeito que rouba diz ‘mas todo mundo rouba’, ele pensa que est� atenuando a culpa dele. N�o � verdade. Primeiro que nem todo mundo rouba. E se todos roubassem, deveriam ir para a cadeia e n�o se eximirem da cadeia porque todo mundo rouba.
O sr. acredita que este momento em que o brasileiro est� descrente da pol�tica, possa abrir caminho para o autoritarismo?
�s vezes, abre mesmo. J� tivemos essa experi�ncia. Em 1930, quando Get�lio Vargas, derrotado na elei��o, promoveu uma revolu��o para se instalar no poder, havia grande desgosto contra aumento dos subs�dios dos deputados e senadores, que era considerado escandaloso. Isso levou a certo enfraquecimento dos conceitos que se tinham dos parlamentares, n�o do Congresso. E naturalmente um pol�tico arguto e esperto, como era o presidente Vargas, valeu-se disso para praticamente transformar o Brasil numa ditadura. A meu ver, para evitar esse caminho, � tratar com grande cuidado essa quest�o da transpar�ncia. Hoje se jogam na mesma lama parlamentares corretos e decentes e os incorretos e indecentes. Essa confus�o de quem deve e quem n�o deve, quem � s�rio e quem n�o �, ajuda muito a inventar salvadores da p�tria.
As dela��es mostram que a Odebrecht financiou pol�ticos de direita e de esquerda com dinheiro de caixa 2. O sistema pol�tico atual sobrevive?
Eu acho que seria uma boa oportunidade para refazer o sistema partid�rio. N�o � poss�vel existirem partidos que dependem exclusivamente de dinheiro p�blico, como � o caso do Fundo Partid�rio. Ningu�m sabe qual a aplica��o que se faz desses recursos. � uma aberra��o. Os partidos t�m que depender dos seus filiados. Estou contribuindo para partidos nos quais jamais votaria, porque o dinheiro do imposto que pago vai para eles tamb�m.
Diante das dela��es, o governo e o Congresso t�m legitimidade para tocar as reformas que est�o sendo discutidas, como a da Previd�ncia e a trabalhista?
T�m. A legitimidade do Congresso adv�m da Constitui��o, n�o da nossa simpatia ou antipatia por ele. Se voc� n�o tiver Congresso, o Pa�s fica ac�falo. Isso � pior que tudo. N�s estamos, por assim dizer, jogando rede que envolve todos, quando existem deputados e senadores de muito boa qualidade moral.
� poss�vel comparar a situa��o brasileira � situa��o italiana p�s-Opera��o M�os Limpas?
� poss�vel fazer compara��o entre o que ocorreu na It�lia e o que est� acontecendo no Brasil. � perfeitamente leg�timo. A solu��o que se deu l� talvez nos sirva aqui. Uma limpeza geral nos partidos, na vida pol�tica de um modo geral e certo cuidado com o dinheiro na pol�tica.
A Opera��o M�os Limpas abriu caminho para que a It�lia tivesse um primeiro ministro neoliberal, o Silvio Berlusconi.
N�o acredito que o Brasil siga caminho parecido. O que se passou na It�lia n�o foi imediatamente ap�s a Mani Pulite. N�o foi consequ�ncia. Pelo contr�rio, foi uma rea��o contra a M�os Limpas. E aqui acho que n�o h� nenhum candidato a Berlusconi.
A elei��o de 2018 est� amea�ada?
De maneira nenhuma. Sempre se fez elei��o no Brasil sem caixa 2. N�o � necess�rio que haja dinheiro para que haja campanha eleitoral. Elei��o se faz gastando sola de sapato. Hoje, sabe-se tudo pelas redes sociais. As redes sociais t�m poder muito grande. Meus netos sabem tudo pelas redes sociais. Eu vou ler amanh� as not�cias que eles t�m hoje.
Organiza��es como Minist�rio P�blico e Judici�rio v�o se sobrepor �s institui��es pol�ticas?
V�o se sobrepor, n�o tenha d�vida. O que o Minist�rio P�blico e a pol�cia ocupam de espa�o, o que fazem com as institui��es, com as pessoas, nunca foi cogitado antes. Os antigos pensadores pol�ticos e fil�sofos diziam que a consci�ncia moral evolui, se aperfei�oa ao longo do tempo. Vamos aprendendo com nossa pr�pria experi�ncia e corrigindo o que estava errado. Creio que o que houve foi isso: a consci�ncia moral do povo brasileiro evoluiu. O que se tolerava antes, n�o se tolera hoje. N�o creio que as institui��es pol�ticas tenham enfraquecido. Enfraqueceram-se pessoas, partidos, candidatos, posi��es pol�ticos. As institui��es, propriamente, n�o se comprometeram.
Nos �ltimos tempos, o Supremo tamb�m assumiu outro papel.
H� muito tempo. Mas o Supremo n�o deve se imiscuir em pol�tica. A garantia que o povo tem que a Justi�a se far� � o n�o envolvimento dos ju�zes, especialmente do Supremo, em paix�es pol�ticas. Ele pode e deve corrigir o que � contra a Constitui��o, o que � evidentemente imoral. Mas n�o se deve imiscuir em quest�es pol�ticas. O Supremo vai julgar as a��es penais que advirem dessas investiga��es. N�o houve no passado nada semelhante ao peso que essas a��es ter�o, nem o mensal�o.