
Os cortes de gastos sem uma profunda e cuidadosa reforma da Previd�ncia n�o ser�o suficientes para reverter o desmazelo das contas p�blicas. Desde o in�cio do governo Temer, j� havia dito que o foco nas reformas de m�dio prazo n�o era suficiente, que era tamb�m necess�rio o ajuste de curto prazo.
N�o houve ajuste de curto prazo — ao contr�rio, os gastos aumentaram antes e depois do epis�dio no por�o do Jaburu. Portanto, com o aumento das despesas e a deteriora��o da arrecada��o agravada pela crise econ�mica, o �nico jeito de fazer um ajuste de curto prazo � via aumento de impostos. Na verdade, o governo deveria estar discutindo a revers�o completa das desonera��es da era Dilma — mas isso levaria atuais “aliados” a abandonarem Temer.
Com tanto deficit prim�rio consecutivo desde 2014, para onde vai a d�vida p�blica? Existe risco real de o pa�s ficar insolvente?
O pr�ximo governo haver� de herdar situa��o fiscal para l� de indigesta. A d�vida p�blica deve alcan�ar patamar pr�ximo aos 80% do PIB at� o fim do ano que vem, sem qualquer perspectiva de revers�o. Ou seja, do jeito que estamos hoje, caminhamos para algum tipo de crise fiscal no p�s-Temer. Evitar que isso aconte�a exigiria do governo tudo o que ele n�o est� disposto a fazer: reverter os aumentos de sal�rio do funcionalismo p�blico, congelar emendas parlamentares, acabar com as desonera��es da era Dilma. Al�m, � claro, de conseguir a proeza de passar uma reforma da Previd�ncia abrangente no Congresso.
O governo considera fatiar a reforma. Quais os riscos desse fatiamento para o equil�brio fiscal?
N�o sei se haver� reforma alguma, mas supondo que seja fatiada, � quase o mesmo que n�o fazer nada. Claro que aprovar uma idade m�nima para a aposentadoria � importante, mas os problemas fiscais s�o t�o grandes que isso trar� pouco al�vio.
Quais os riscos de a domin�ncia fiscal retornar? Ali�s, ela foi dissipada?
A domin�ncia fiscal est� dormente, sobretudo, por causa da recess�o brutal pela qual ainda atravessa o pa�s. Alguma hora, entretanto, ela tornar� a aparecer quando ficar mais vis�vel a insustentabilidade fiscal brasileira. Temer nada fez para mudar o quadro que assombrava o Brasil em 2015, mas os mercados se acalmaram acreditando que a equipe econ�mica seria capaz de controlar aquilo que, no fundo, era incontrol�vel: o instinto de autoprote��o e sobreviv�ncia dos pol�ticos.
O Banco Central cortou os juros em mais um ponto percentual, para 9,25% ao ano. A taxa b�sica pode cair mais um ponto na pr�xima reuni�o do Copom. Diante do forte recuo da infla��o, o BC atrasou demais o al�vio monet�rio? O BC est� sendo conservador em excesso?
Sim, o Banco Central ficou demasiado atrasado. Contudo, o papel do BC hoje � bem menos relevante do que j� foi. Diante da gravidade da recess�o e dos imensos desajustes fiscais brasileiros, a pol�tica monet�ria � mera coadjuvante. Ainda que o BC decidisse abandonar o excesso de conservadorismo, n�o seria ele o salvador da P�tria, n�o mudaria em quase nada o quadro que enfrentaremos pela frente. Essa irrelev�ncia me parece �nica na hist�ria econ�mica recente brasileira. N�o deixa de ser uma faceta da domin�ncia fiscal.
A senhora acredita em outras den�ncias contra Temer? Trabalha com alguma mudan�a no comando do pa�s? O que significaria para a economia a substitui��o de Michel Temer por Rodrigo Maia?
Por ora, acho mais plaus�vel o cen�rio em que Temer s� sai depois das elei��es, o que significa que entregar� para o pr�ximo governo n�o s� parte da heran�a maldita da antecessora de quem foi vice, mas a sua pr�pria, resultante das articula��es para permanecer no cargo.
O mercado financeiro tem mostrado certa tranquilidade em rela��o � crise pol�tica. Por que n�o vemos sinais de p�nico entre os investidores? Nem as dificuldades na �rea fiscal est�o mexendo tanto com os pre�os ativos. Qual � a interpreta��o dos agentes sobre a crise pol�tica?
Por enquanto, parece que est�o convencidos de que existe um descolamento entre a crise pol�tica e a economia, hip�tese que creio estar equivocada. Imagino que a situa��o mude quando os riscos fiscais ficarem mais claros � frente.
Qual � a avalia��o dos investidores estrangeiros em rela��o � crise pol�tica e a economia?
Para o investidor estrangeiro, o Brasil � lugar para especular e para comprar um ou outro ativo barato. De resto, est�o mais interessados nas reviravoltas da Casa Branca e do Congresso norte-americano, na agenda legislativa daqui dos EUA, do que no Brasil.
O pa�s perdeu todos os bondes da hist�ria para poder virar um pa�s realmente desenvolvido? Estamos condenados a sermos um pa�s de renda m�dia baixa?
N�o acho que estejamos condenados a nada. H� chance de o Brasil voltar a crescer, de melhorar a produtividade, de passar reformas importantes. Para que isso aconte�a, � preciso que o que a� est� se v� — isso ocorrer� naturalmente em 2018. � preciso, tamb�m, que a sociedade se mobilize para exigir dos pol�ticos que venham a eleger em 2018 — espero que tenhamos ampla renova��o no Congresso — uma agenda de pol�ticas p�blicas que revelem real compromisso com o futuro do pa�s, n�o com seus umbigos. Depois do imenso sofrimento dos �ltimos anos, n�o acho que seja ingenuidade pensar assim. Mas, vamos ver o que acontece nas urnas.
No livro Como matar a borboleta azul, a senhora faz uma analogia ao governo Dilma e como ela conseguiu destruir a sa�de das contas p�blicas com medidas equivocadas, que levaram o pa�s � recess�o. Olhando para o governo Temer, que borboleta azul ele est� matando?
A met�fora do meu livro � em rela��o ao crescimento e como se mata a capacidade de um pa�s crescer fazendo coisas em tese bem intencionadas, por�m que acabam por ter efeitos horrorosos. E foram essas coisas que mataram o crescimento no Brasil durante os anos Dilma: as pol�ticas de campe�es nacionais, o desinteresse pelo controle fiscal, o aumento desenfreado do cr�dito p�blico, as desonera��es tribut�rias, a ideia de que se podia tolerar um pouco mais de infla��o para ter mais crescimento. No fim do livro, h� um cap�tulo que pergunta se os morcegos seriam capazes de ressuscitar a borboleta do crescimento, refer�ncia ao rec�m-empossado Temer. Mas, passado um ano e pouco de governo, d� para dizer que ainda n�o houve ressurrei��o. O morcego n�o conseguiu ressuscitar nada e est� matando o crescimento de uma forma muito pior, porque os deficits prim�rios das contas p�blicas est�o maiores do que antes e h� um risco consider�vel de a meta fiscal n�o ser cumprida. Temer n�o fez nenhuma das reformas prometidas. A trabalhista que passou foi uma promessa parcialmente cumprida. A fiscal n�o foi feita porque o teto do gasto n�o � reforma. A da Previd�ncia n�o deve passar. Est� tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do pr�ximo governo. Essa bomba n�o pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte � do vice dela, que assumiu o poder e n�o est� cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder.
Diante desse quadro nada animador, a senhora acha que o Brasil tem jeito? � poss�vel ser otimista?
Apesar de tudo, acredito que o pa�s tem jeito. Prefiro pensar em coisas positivas para parar um pouco com essa negatividade de s� falar de coisa ruim. � preciso uma mudan�a de mentalidade n�o s� dos pol�ticos e dos governantes, mas da sociedade tamb�m. Ela precisa se engajar no processo de eleger novas pessoas para o Congresso e para a Presid�ncia nas elei��es de 2018. Essa � uma chance de dar um reboot no Brasil, ainda que o pa�s enfrente os problemas que est�o a�. � preciso escolher um novo governo razo�vel, que saiba se articular e comunicar para a sociedade quais s�o os verdadeiros problemas que precisam ser enfrentados. Assim, as pessoas v�o entender que a situa��o � muito ruim e n�o d� para fazer m�gica. Certas reformas precisam ser profundas e abrangentes. E cabe �queles que querem concorrer mostrar propostas s�rias, apesar de haver muitos oportunistas. Em raz�o dos oportunistas, � preciso explicar de forma bem clara quais s�o os problemas e como eles precisam ser enfrentados. Tem gente que n�o vai querer perder benef�cios ou privil�gios, mas isso ser� inevit�vel. E a sociedade precisar� avaliar as prioridades. Tenho esperan�a de que as pessoas est�o preparadas para enfrentar esse desafio desde que seja na m�o de um governo confi�vel, um governo eleito, n�o herdado. A li��o do governo Temer � que nada se faz nas m�os de quem n�o tem cr�dito algum, pois, al�m de n�o ter sido eleito, est� sob suspeita — durante o mandato — de ter se envolvido no que n�o devia. Temer n�o � Itamar. Tampouco � Sarney.