O julgamento do mensal�o e a Opera��o Lava-Jato podem ser considerados um marco hist�rico no combate � corrup��o no Brasil – mas ainda h� muito a ser feito para evitar o desvio de dinheiro p�blico.
Entre as tarefas urgentes, uma revis�o na legisla��o brasileira – j� que v�rias normas apresentam “equ�vocos” de natureza jur�dica. Quem defende a tese � o advogado mineiro Adriano Teixeira Guimar�es, mestre em direito penal pela Ludwig-Maximiliams-Universit�t M�nchen (Munique, Alemanha) e doutorando na mesma institui��o.
Ao lado de Alaor Leite, coordenou o livro Crime e pol�tica, lan�ado pela FGV Editora e que trata de quest�es como financiamento de campanha, caixa dois, enriquecimento il�cito e recupera��o de ativos.
O livro traz uma discuss�o a partir dos aspectos jur�dico-penais da atividade pol�tica e defende que o assunto deve ser tratado a partir de nossas especificidades. Quais s�o elas? Em que o crime pol�tico no Brasil se difere dos demais pa�ses?
O livro Crime e pol�tica teve como ensejo o atual quadro pol�tico-jur�dico do pa�s. Nesse contexto, os aspectos penais da atividade pol�tica n�o s� encontram grande resson�ncia na discuss�o p�blica, mas tamb�m apresentam quest�es jur�dicas complexas, ainda n�o debatidas com o devido cuidado e rigor pela comunidade jur�dica. Assim, um dos escopos da obra � apontar e apresentar ao p�blico brasileiro o intenso debate mundial acerca dos mesmos problemas, discutidos e estudados j� h� algum tempo por culturas jur�dicas pr�ximas � brasileira, como a portuguesa, espanhola e alem�. Isso n�o quer dizer, no entanto, que se deva importar cegamente as solu��es, elaboradas nesse pa�ses, para esses problemas comuns (como tratamento jur�dico-penal da corrup��o, do financiamento irregular de partidos pol�ticos, do enriquecimento il�cito etc.). O debate brasileiro acerca desses temas tem de ser sim enriquecido pela experi�ncia internacional, mas deve observar nossas particularidades jur�dicas e s�cio-hist�ricas. Com especificidades, referimo-nos tanto � estrutura pr�pria de nossa legisla��o vigente quanto � nossa negativa carga hist�rico-cultural, marcada pelo patrimonialismo, pela domina��o carism�tica, enfim, pela confus�o entre p�blico e privado.
A cria��o de novos tipos penais seria suficiente para barrar a corrup��o e enriquecimento il�cito?
Em geral, dificilmente a cria��o por si s� de tipos penais � capaz de resolver qualquer problema social ou pol�tico. No caso espec�fico da corrup��o, n�o � diferente. Certamente n�o h� uma receita pronta para a redu��o da corrup��o. De todo modo, a realiza��o desse objetivo depende certamente de arranjos nos sistemas eleitoral e administrativo, os quais podem ser t�o ou mais importantes que mudan�as na legisla��o penal.
Qual a import�ncia do julgamento do mensal�o e a Opera��o Lava-Jato para a discuss�o sobre crimes eleitorais e corrup��o na pol�tica?
Sem d�vida, o julgamento da A��o Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (o caso mensal�o) e a Opera��o Lava-Jato, ainda em curso, t�m import�ncia central para a discuss�o sobre crimes praticados na atividade pol�tico-partid�ria, muito embora ainda n�o tenhamos o distanciamento hist�rico necess�rio para determinar a exata relev�ncia desses eventos na hist�ria do Brasil. Do ponto de vista jur�dico-social, o caso mensal�o e a Opera��o Lava-Jato representam um marco hist�rico, possivelmente (e desejavelmente) um point of no return (ponto sem volta), no sentido de que pela primeira vez na hist�ria do pa�s detentores de cargos pol�ticos importantes e grandes empres�rios s�o intensivamente investigados, denunciados e, em muitos casos, condenados criminalmente. Ademais, esses julgamentos e opera��es policiais colocaram em evid�ncia quest�es jur�dicas essenciais e, n�o raro, controversas, como a interpreta��o e o alcance dos tipos penais de corrup��o, a suposta necessidade de criminaliza��o de outras condutas (como o caixa dois eleitoral e o enriquecimento il�cito), al�m da discuss�o sobre novos meios de persecu��o, como a colabora��o premiada.
No livro, h� uma defesa de que as propostas at� agora colocadas para o combate � corrup��o apresentam alguns equ�vocos de natureza jur�dica. Quais s�o eles?
Um deles diz respeito justamente � proposta de criminaliza��o do caixa dois eleitoral. Como � not�rio, essa proposta se move pelo nobre objetivo de combate � corrup��o. No entanto, o tipo penal proposto n�o foi formatado de modo a atender a esse fim. A conduta incriminada no que seria o novo artigo 354-A do C�digo Eleitoral � “arrecadar, receber ou gastar o candidato, o administrador financeiro ou quem de fato exer�a essa fun��o, ou quem atuar em nome do candidato ou partido, recursos, valores, bens ou servi�os estim�veis em dinheiro, paralelamente � contabilidade exigida pela lei eleitoral”. Trata-se, portanto, da incrimina��o da manuten��o de contabilidade paralela dentro de um partido pol�tico, uma pessoa jur�dica de direito privado, em desconformidade com a lei eleitoral. Ocorre que essa conduta, em si, n�o passa ou de crime contra o pr�prio partido (como o delito de infidelidade patrimonial ou administra��o desleal, previsto em outros ordenamentos jur�dicos) ou de um il�cito eleitoral, ou seja, n�o h� uma liga��o necess�ria com um ato de corrup��o. Um tipo penal que vise auxiliar no combate � corrup��o deveria apreender condutas que se equivalem ou que representam um grande risco de “compra” do ator pol�tico atrav�s de uma doa��o eleitoral de grande porte, al�m dos limites e fora das condi��es previstas na legisla��o eleitoral.
Qual a opini�o sobre as 10 medidas de combate � corrup��o apresentadas pelo Minist�rio P�blico?
Enquanto proposta abstrata, que representa um anseio de melhora da legisla��o para a redu��o da corrup��o, ela � naturalmente bem-vinda. No entanto, al�m do problema pontual discutido acima, as 10 medidas preveem sugest�es discut�veis, como a criminaliza��o do enriquecimento il�cito e novos mecanismos de recupera��o de ativos, que merecem ser discutidas mais detidamente, como mostram algumas das contribui��es, nacionais e internacionais, presentes em nosso livro. Al�m disso, bastantes pol�micas s�o as propostas no �mbito do processo penal, as quais, no entanto, fogem ao recorte da an�lise promovida na obra. Certamente essas quest�es foram, est�o e continuar�o sendo debatidas pelos nossos colegas processualistas.
O financiamento p�blico de campanhas ser� uma forma de coibir pr�ticas como o caixa 2 e comprometimento entre candidatos e doadores?
Em tese, o financiamento p�blico de campanha vem justamente para evitar a nociva influ�ncia dos grandes doadores privados sobre os pol�ticos eleitos, auxiliados por esse suporte financeiro na campanha. O alcance desse objetivo pressup�e, por�m, um eficaz e r�gido controle por parte das autoridades administrativas e eleitorais no sentido de evitar doa��es clandestinas. Essa �, todavia, uma quest�o emp�rica e constitui um tema mais estudado e que pode ser abordado de maneira mais competente pelos colegas da ci�ncia pol�tica.
A Lei da Ficha Limpa � um mecanismo para tirar corruptos da pol�tica? Qual a avalia��o do senhor?
Potencialmente sim, mas h� aspectos e problemas em torno dela que devem ser considerados. A Lei da Ficha Limpa ampliou consideravelmente as hip�teses de inelegibilidade, prescindindo, por exemplo, do tr�nsito em julgado para que uma condena��o pelos crimes mencionados na lei (entre eles, a corrup��o) torne um candidato ineleg�vel. Al�m disso, ampliou o prazo de inelegibilidade para oito anos. No entanto, a lei enfrenta alguns problemas jur�dicos. O primeiro j� foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e dizia respeito � constitucionalidade frente ao princ�pio da presun��o de inoc�ncia. Outro problema encontra-se, por�m, ainda sem solu��o. A lei determina a inelegibilidade daquele que tiver suas contas rejeitadas por um Tribunal de Contas. No entanto, o STF entende que apenas as casas legislativas (por exemplo as c�maras municipais) t�m compet�ncia para julgar contas dos membros do Poder Executivo e, assim, torn�-los ineleg�veis. De todo modo, esses problemas � parte, creio que a Lei da Ficha Limpa, caso utilizada de forma correta e sem abusos, pode representar um importante mecanismo na preven��o da corrup��o. Mas, como dito, ela n�o resolve todos os problemas, trata-se, afinal, de apenas um entre os v�rios mecanismos a serem implementados contra a corrup��o.