Num pa�s dividido pela pol�tica e com os �nimos acirrados, � quase imposs�vel imaginar que algu�m contr�rio ao governo do presidente Michel Temer (PMDB) se disponha a defend�-lo. Ou vice-versa. Pois essas pessoas existem e estar�o reunidas no 4º Campeonato Brasileiro de Debates, marcado para quinta-feira (7), feriado da Independ�ncia, no Rio de Janeiro.
S�o jovens de todo o pa�s que se dedicam � pr�tica do debate como forma de criar no Brasil uma cultura de respeito e toler�ncia. Para isso, eles deixam de lado suas convic��es pessoais para protagonizar uma disputa entre os melhores argumentos sobre os assuntos mais diversos.
Na final do campeonato de 2015, por exemplo, os concorrentes tinham que desenvolver argumentos contr�rios ou favor�veis � seguinte mo��o: “Esta Casa acredita que Tiririca faz bem � democracia brasileira”. No ano anterior, um dos temas foi “Esta Casa legalizaria o aborto”. Embora recente no Brasil, essa � uma tradi��o antiga no exterior, em especial em pa�ses europeus, onde se multiplicam sociedades de debate. O sistema parlamentar brit�nico �, atualmente, a principal refer�ncia de debates no mundo.
O Instituto Brasileiro de Debates (IBD), que nasceu na catarse das conturbadas manifesta��es de rua de junho de 2013, estima pelo menos 15 sociedades no pa�s, movimentos que ganham for�a, principalmente, em Minas Gerais e no Cear�, que re�nem as tr�s duplas campe�s brasileiras. Apesar das competi��es e dos torneios, o IBD encara os debates como parte de uma mudan�a na pol�tica brasileira. “Pensamos em uma pol�tica de conte�do e discurso de qualidade. Queremos formar a pr�xima gera��o de legisladores do pa�s”, afirma o presidente e fundador do IBD, o advogado mineiro Renato Ribeiro.
Os mineiros Bernardo Rabelo e Jo�o Sad, vencedores do campeonato de 2015, ganharam a disputa ao recha�ar a afirmativa de que o deputado federal Tiririca faz bem � democracia brasileira. “Defendi, entre outros argumentos, que ele somente reporta o descr�dito da pol�tica no Brasil. Ainda n�o tenho opini�o formada sobre o tema, mas sempre temos que estudar os dois lados, pois n�o escolhemos o lado que vamos defender”, diz Rabelo, advogado rec�m-formado, que ainda n�o pensa em se arriscar em carreira na pol�tica.
“Existe uma cultura pol�tica de discursos superficiais no Brasil, assemelhando-se a uma conversa futebol�stica”, destaca o presidente do IBD. Segundo Ribeiro, n�o h� qualquer tipo de orienta��o ideol�gica no instituto e a ideia � incentivar a diversidade de pensamentos, al�m de valorizar temas do cotidiano. “Ao investigar o outro lado, passa a descobrir as ressalvas e tamb�m desenvolve a toler�ncia, o respeito, a aproxima��o e a admira��o m�tua”, afirma.
CAMPEONATO DE DEBATES
Como �
. Os participantes concorrem em duplas.
. As duplas ficam sabendo 15 minutos antes do debate sobre a abordagem de cada tema e qual posicionamento dever�o defender.
. Cada membro faz um discurso de sete minutos de dura��o.
. Os participantes poder�o fazer observa��es ou perguntas durante os discursos dos membros das duplas opositoras.
. � proibido o uso de equipamentos eletr�nicos
Temas
. Governo Michel Temer
. Tributa��o
. Crise na Venezuela
. Dela��o
. Financiamento p�blico
. Festas populares
. Cirurgia de Redesigna��o Sexual
. Intelig�ncia artificial
. Suic�dio
. Tema surpresa
‘COXINHAS’ E ‘TILEL�S’
O exerc�cio da toler�ncia � um dos desafios propostos aos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), famosa pela divis�o dos alunos entre “coxinhas”, com tend�ncia conservadora, e “tilel�s”, considerados mais progressistas. Na Senatus, sociedade de debates da universidade fundada em 2014, eles se encontram todas as manh�s de s�bado para construir argumentos favor�veis ou contr�rios sobre o que concordam ou n�o.
“Queremos oferecer uma qualifica��o discursiva no meio universit�rio. Por causa dos estere�tipos, as pessoas t�m dificuldade de ouvir o outro. Nos debates, voc� � obrigado a defender algo de que voc� discorda completamente. Isso te faz ver um outro lado e at� mudar de ideia”, afirma a presidente do Senatus, Clara Carvalho, estudante do 8º per�odo de direito. Ela mesmo revela ter repensado v�rios posicionamentos. “Era muito conservadora para muitas coisas. No caso do aborto, por exemplo, n�o sou a favor, mas hoje entendo quem �”, diz.
Al�m dos debates, os estudantes fazem leituras de textos de filosofia e pol�tica e t�m aulas de teatro, orat�ria e postura corporal. Em ano eleitoral, eles assistem aos debates pol�ticos para analisar a performance dos candidatos. “Vemos muitas vezes que os discursos s�o vazios”, ressalta.
No caso do campe�o Bernardo Rabelo, que sempre teve facilidade em falar em p�blico, o encantamento pelo universo dos debates ocorreu ao entrar para o Senatus. Logo depois, num interc�mbio na Inglaterra, n�o teve d�vidas e continuou a participar de uma sociedade, chegando a ir ao campeonato mundial de debates, na Gr�cia. “Ao entrar em contato com os argumentos, voc� passa a compreender melhor os assuntos e a buscar candidatos com ideais mais alinhados com os meus. Em um dos campeonatos, discutimos cotas para mulheres em cargos legislativos. Esse debate me tornou mais disposto a votar em mulheres”, conta.
Atuais campe�es brasileiros de debate, os estudantes de direito cearenses Matheus Casimiro, de 22 anos, e Sophie Poch, de 21, tentam nesta semana o bicampeonato, na �ltima competi��o de que participar�o. Matheus Casimiro refor�a que os pr�mios da pr�tica discursiva v�o muito al�m dos trof�us. “Era muito t�mido, gaguejava e foi uma oportunidade para diminuir minha timidez. Tamb�m � um exerc�cio de toler�ncia, de sair da zona de conforto para mudar meu ponto de vista”, ressalta. Depois de debater sobre candidatura avulsa (quando n�o � preciso se filiar a um partido), por exemplo, Casimiro acabou mudando de ideia. “Era contr�rio a isso”, diz.