
Mais uma vez cair� sobre o colo do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir um importante tema da compet�ncia do Congresso Nacional: a revis�o do foro por prerrogativa de fun��o, o chamado foro privilegiado, que atualmente beneficia n�o apenas agentes pol�ticos, mas aproximadamente 55 mil autoridades no Brasil (veja quadro), como agentes pol�ticos, ministros de estado e de tribunais superiores, ju�zes, membros do Minist�rio P�blico, governadores, entre outros.
A PEC 10/13 que restringe o foro privilegiado, aprovada em 30 de maio no Senado Federal, tramita na C�mara dos Deputados sob o n�mero 333/17. Com a interven��o federal no Rio de Janeiro, a mat�ria saiu da pauta: a Constitui��o Federal n�o pode – e n�o deve – ser emendada, de acordo com o dispositivo destinado a impedir vieses autorit�rios em eventuais mudan�as na Carta.


O presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) j� afirmou que “com certeza” n�o votar� as PECs enquanto perdurar a interven��o. Respeita, portanto, o “esp�rito” dos constituintes, que calejados ap�s uma ditadura iniciada com o golpe de 64 que se estendeu por 20 anos, trataram de inserir na Constitui��o de 1988 o artigo 60, segundo o qual ela n�o pode sofrer modifica��o enquanto estiver em vigor interven��o federal, estado de defesa ou de estado de s�tio. Entretanto, ainda est� aberta na C�mara dos Deputados a discuss�o se as 35 comiss�es especiais j� instaladas para analisar as PECs e as outras 22 que aguardam a indica��o de partidos para a instala��o, entre as quais a do foro privilegiado, v�o continuar a tramitar.
Embora todas as Constitui��es Federais no Brasil tenham previsto a prerrogativa para algumas autoridades, a de 1988 foi aquela que garantiu maior distribui��o: 38.431 fun��es, segundo estudo realizado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal. Est� previsto ainda, nas constitui��es estaduais, foro para outras 16.559 fun��es, o que, estima-se, resulte ao todo em mais de 50 mil postos de carreira, eletivos ou por nomea��o com direito a esse instituto.
CORRIDA DE PODERES ACELEROU DEBATES
A discuss�o sobre mudan�as em rela��o ao foro privilegiado se arrastava h� quase cinco anos no Congresso, mas, no ano passado, em meio a mais uma queda de bra�o entre Legislativo e Judici�rio, uma esp�cie de “corrida” entre poderes impulsionou o debate. O Senado e depois a C�mara se apressaram a retomar a discuss�o sobre a restri��o da prerrogativa do foro, depois que entrou em pauta no Supremo um julgamento que levaria a corte a se pronunciar sobre o tema que � da prerrogativa constitucional do Legislativo.
Ao perceber que o julgamento do caso do prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinho Mendes, daria ao Supremo o protagonismo de decidir mais um tema da compet�ncia do Legislativo, o Congresso se mobilizou para aprovar a mat�ria em 2017. O Senado Federal tamb�m percebeu na iniciativa uma oportunidade para a agenda positiva – em boa medida reivindicada pela sociedade mais atenta � pol�tica – retirando o Legislativo das p�ginas abertas por sucessivas dela��es e opera��es da Pol�cia Federal. Chegou a abrir consulta p�blica para a mat�ria, que, � �poca, obteve 56.511 votos favor�veis � restri��o do foro privilegiado e 187 contr�rios.
A tramita��o da mat�ria no Congresso – que trata do foro para todas as autoridades – procurou se antecipar ao julgamento do STF. No Judici�rio, ganha a tese da restri��o de foro apenas para agentes pol�ticos e n�o �s demais autoridades que hoje t�m direito, pois n�o s�o objeto da a��o em julgamento. Atualmente, tramitam no STF, pouco mais de cinco centenas entre a��es penais e inqu�ritos envolvendo r�us com prerrogativa de foro, metade dos quais, parlamentares.
O caso em quest�o � o do julgamento do atual prefeito de Cabo Frio, Marquinho Mendes – acusado de compra de votos na elei��o municipal de 2008, quando foi reeleito. Ao concorrer a deputado federal, contudo, no pleito de 2014, Mendes ficou na primeira supl�ncia, conquistando a cadeira ap�s a cassa��o do ex-presidente da C�mara, Eduardo Cunha (MDB-RJ). Nas elei��es municipais de 2016, o ent�o deputado candidatou-se novamente � prefeitura da cidade litor�nea fluminense, renunciando ao mandato parlamentar ap�s a diploma��o como prefeito.
UMA INST�NCIA PARA CADA CARGO
O vaiv�m entre mandatos de prefeito e deputado federal, muito frequente na carreira pol�tica, provocou sucessivas mudan�as do foro no julgamento de Marquinho Mendes. Isso porque prefeitos s�o julgados pelo Tribunal de Justi�a (TJ) ou Tribunal Regional Federal (TRF). J� os deputados federais s�o julgados pelo STF. Por causa disso, na a��o proposta contra Mendes pela Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR), � �poca, o ent�o procurador-geral da Rep�blica Rodrigo Janot defendeu a limita��o do direito ao foro apenas aos crimes cometidos no cargo e que estejam relacionados � fun��o.
O relator do caso, ministro Lu�s Roberto Barroso acatou os argumentos, considerando que a prerrogativa de foro tem sido usada como instrumento para garantir que os pol�ticos sejam julgados no STF. Para ele, as investiga��es e a��es criminais n�o s�o a “voca��o natural” da Corte, e, por isso, atrapalham o exerc�cio de suas fun��es essenciais.
Oito dos 11 ministros j� votaram para restringir o alcance da prerrogativa de deputados e senadores de s� serem julgados pela mais alta corte do pa�s. Os ministros Celso de Mello, Marco Aur�lio, Rosa Weber, Edson Fachin, Luiz Fux e C�rmen L�cia seguiram a proposta de Lu�s Roberto Barroso de limitar o foro no STF para aqueles crimes ocorridos durante o exerc�cio do mandato parlamentar e em raz�o do cargo. Alexandre de Moraes prop�s uma restri��o menos dura. Com a devolu��o do processo por Dias Toffoli haver� a conclus�o do julgamento, ainda que j� esteja formada maioria. (BM)
Saiba mais
O que � foro privilegiado
O foro por prerrogativa de fun��o � o instituto que garante a algumas pessoas, em raz�o de sua posi��o pol�tica ou funcional na estrutura do estado, que sejam processadas e julgadas por crimes n�o pela justi�a de primeira inst�ncia, mas pelos tribunais superiores. Atualmente, se um cidad�o comete qualquer crime e depois � eleito deputado federal ou senador, o processo, relacionado ou n�o � sua nova fun��o passa a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A mudan�a de foro contribui para o atraso do andamento processual e para a impunidade.