O ano mal come�ou e os novos governadores est�o deparando-se com uma realidade fiscal preocupante. O cen�rio � de terra arrasada, resultado da farra de governos anteriores, especialmente, durante o per�odo de vacas gordas. Esse problema agora vem � tona ap�s a recess�o, porque a receita n�o � suficiente para cobrir o aumento desenfreado dos gastos, principalmente, com pessoal e com a Previd�ncia, de acordo com analistas.
Tr�s unidades federativas decretaram estado de calamidade financeira desde o in�cio de 2019: Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Roraima, ao lado de Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que decretaram estado de calamidade em 2016, mas ainda n�o conseguiram se reeequilibrar. Outros governadores devem fazer o mesmo que esses seis estados, porque, em grande maioria, houve desrespeito � Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo os analistas. Eles citam algumas exce��es, como o Esp�rito Santo, �nico estado com nota A do Tesouro Nacional para obter empr�stimos com garantia da Uni�o, porque fez o dever de casa.
Refinanciar a d�vida dos estados pode agravar o risco de descumprimento da regra de ouro — que pro�be o governo federal emitir d�vidas para cobrir despesas correntes, como sal�rio e Previd�ncia.
O Or�amento de 2019 prev� um rombo de R$ 248,9 bilh�es para respeitar essa norma. O presidente Jair Bolsonaro precisar� pedir ao Congresso para mudar a Constitui��o, autorizando um cr�dito extraordin�rio para evitar que ele cometa crime de responsabilidade fiscal. Logo, a corda j� arrebentou e, mesmo se a reforma da Previd�ncia for aprovada, ela n�o ser� suficiente.
“A aprova��o da reforma da Previd�ncia n�o elimina a necessidade de ajustes de curto prazo nos estados. E, nesse sentido, ser� necess�rio cortar gasto, demitir pessoal comissionado e at� servidores est�veis, algo previsto na Constitui��o em situa��es de desequil�brio fiscal grande”, explica a economista e especialista em contas p�blicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da LRF. “Os governos estaduais acharam que maquiando as contas iam conseguir fugir dessa solu��o impopular, que � a demiss�o e a privatiza��o. Agora, o dinheiro acabou. N�o h� outra sa�da”, resume. Ela destaca que os recursos das privatiza��es precisam ser usados s� para abater a d�vida p�blica. “Mudar a regra de ouro tamb�m � outra medida arriscada, porque desvirtuar� a lei e far� o governo perder credibilidade.”
O economista Jos� Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito P�blico (IDP) lembra que os crimes fiscais vinculados � LRF foram tipificados em lei ordin�ria, em separado, que mudou o C�digo Penal, tanto que essas leis passadas inspiraram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “H� um rito pr�prio para tanto. Basta ser aplicado no caso dos demais gestores”, explica Afonso, um dos autores da LRF. “Cabe, antes de tudo, aos tribunais de contas e aos minist�rios p�blicos abrirem den�ncias, e ao Judici�rio decidir. Muitas vezes, s�o esses pr�prios �rg�os que extrapolam o limite de pessoal. Em suma, n�o falta lei. Se algo falta, � fazer cumprir a lei”, completa. Para ele, a LRF ainda est� incompleta, porque n�o h� limite para a d�vida p�blica federal.
Julio Marcelo Oliveira, procurador do Minist�rio P�blico de Contas junto ao Tribunal de Contas da Uni�o (TCU), reconhece que os governadores que descumpriram a LRF podem, sim, ser responsabilizados, inclusive, criminalmente, por irregularidades cometidas em sua gest�o, mas o mesmo n�o ocorre com os conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. “Existem tipos penais espec�ficos para crimes contra as finan�as p�blicas. Caber� aos MPs estaduais investig�-los e process�-los. Quanto aos conselheiros, a responsabiliza��o ser� muito mais dif�cil. Al�m de terem foro privilegiado no STJ (Superior Tribunal de Justi�a), seria preciso provar que agiram com m�-f� ou prevaricaram”, detalha.
Descompasso hist�rico
O descompasso entre receita e despesa � hist�rico nos estados e, com isso, os governos gastam mais do que arrecadam. Um levantamento feito pelo economista Gabriel Leal de Barros, diretor da Institui��o Fiscal Independente (IFI), junto aos dados declarados de 27 entes federativos, mostra que enquanto a Receita Corrente L�quida (RCL) dos estados cresceu 108,7% entre 2008 e 2017, os gastos com pessoal saltaram 235% no mesmo per�odo, ou seja, mais do que o dobro, algo insustent�vel financeiramente. E, para piorar, o rombo da Previd�ncia dos estados foi de R$ 79,1 bilh�es em 2017, um aumento de 50% em rela��o a 2016. Se esse d�ficit continuar crescendo nesse ritmo nos pr�ximos anos, o quadro ser� ainda mais dram�tico. Em 2018, o rombo previdenci�rio somou R$ 50,7 bilh�es at� agosto, 14% da receita corrente dos estados. Em 2015, esse percentual era de 6%.
Um dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que vem sendo ignorado por v�rios governos estaduais � o do gasto com pessoal em rela��o � RCL, que n�o pode ultrapassar 60% no total da administra��o p�blica. Contudo, h� diferen�as nos resultados entre as metodologias do Regime de Gest�o Fiscal (RGF) e do Programa de Reestrutura��o e de Ajuste Fiscal (PAF), conforme quadro ao lado. Enquanto o RGF segue os princ�pios cont�beis e � autodeclarat�rio, sem incluir rubricas importantes nas despesas com pensionistas, imposto de renda retido na fonte e despesas com obriga��es patronais. Logo, tem contabilidade criativa. O PAF � calculado pelo Tesouro, fazendo algumas corre��es, mas que tamb�m n�o reflete a realidade, pois n�o inclui os dados com terceirizados por exemplo, o que pode elevar para mais de 70% em alguns casos.
Harmonia
“� preciso harmonizar a contabilidade dos relat�rios. Feito isso, uma s�rie de gatilhos j� previstos na LRF teriam sido acionados, implicando dois efeitos diretos: Saber�amos a real complexidade do problema fiscal estadual e o acionamento dos gatilhos presentes h� 18 anos na LRF promoveriam ajuste relevante no desequil�brio fiscal”, avalia Barros.
Andr� Marques, coordenador dos cursos de gest�o de pol�ticas p�blicas do Insper, tamb�m critica essas falhas na contabilidade dos estados. “Infelizmente, a legisla��o vigente permite que cada um use a metodologia que melhor atenda aos interesses”, avalia ele, lembrando que essa confus�o tem prejudicado os estados com mais dificuldade financeira. Apenas o Rio de Janeiro aderiu ao Regime de Recupera��o Fiscal (RRF) e os outros cinco estados em calamidade n�o s�o eleg�veis para o programa. A falta de padroniza��o tamb�m prejudica esses estados que poderiam aderir ao RRF se fizessem a contabilidade de forma mais correta. Pelos dados do Tesouro, outros tr�s estados, al�m do RJ, extrapolam o teto de 70% da RCL para gasto com pessoal, uma das condi��es para o RRF: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.
Jonathas Goulart, coordenador de Estudos Econ�micos do Sistema Firjan, reconhece que um dos desafios do novo governo ser� essa equaliza��o dessa confus�o dos dados cont�beis dos estados. Ele defende que os munic�pios tamb�m devem fazer esse dever de casa, pois, assim como nos estados, o volume de restos a pagar � crescente e isso esconde o aumento do desequil�brio fiscal dos governos regionais. “Um levantamento feito pela Firjan mostra que 80% dos munic�pios n�o geram nem 20% de suas receitas, e eles t�m zero contrapartida para recebem as transfer�ncias da Uni�o, o que incentiva o excesso de munic�pios existentes no pa�s que n�o geram receita suficiente para pagar suas despesas”, critica.