
Bras�lia – Na �ltima sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro foi finalmente convencido sobre a necessidade de integrar os discursos de governo. E, por mais inusitado que pare�a, o plano est� mais pr�ximo do democrata Barack Obama do que do republicano Donald Trump, um dos �dolos declarados do capit�o reformado.
O argumento dos conselheiros diretos do presidente foi simples: discursos e imagens propagados nas redes humanizaram Bolsonaro na campanha, mas j� n�o serviam tanto como antes. Usar a internet foi uma cartada para aproximar o ex-deputado do eleitor. Passadas as elei��es, os movimentos nas redes, por�m, deveriam ser mais controlados e integrados.
Depois dos epis�dios envolvendo a queda do ministro da Secretaria-Geral da Presid�ncia da Rep�blica, Gustavo Bebianno, e as controversas publica��es de Bolsonaro sobre o carnaval, a partir da divulga��o de uma pr�tica sexual, o golden shower, Bolsonaro decidiu dar ouvidos aos apelos dos principais conselheiros, a maior parte do n�cleo militar.
Na pr�tica, os perfis de Bolsonaro acabaram sendo uma dor de cabe�a para os militares, que tentavam desde a posse mostrar ao presidente a necessidade de pensar a comunica��o de maneira estrat�gica. A internet, apesar de ganhos comprovados n�o s� por aqui, mas em governos estrangeiros, havia se tornado um inconveniente. E pior, o tema estrat�gico da vez, a reforma da Previd�ncia, ficou em segundo plano nas postagens.
Durante a folia de Momo, Bolsonaro publicou no Twitter o v�deo de uma cena que provocou cr�ticas at� mesmo de aliados. Um homem aparece dan�ando ap�s introduzir o dedo no pr�prio �nus e outro rapaz surge urinando na cabe�a do que dan�ava. No texto anexo � imagem, o presidente diz que n�o se sentia confort�vel em comentar, mas gostaria de mostrar “o que tem virado muitos blocos de rua do carnaval brasileiro”.
Para evitar novos descompassos, a primeira ideia do Planalto � mapear todos os integrantes da c�pula do governo, a partir do presidente, verificando o n�mero de seguidores e o alcance dos perfis. Com isso, o plano � a unifica��o dos comunicados — em que o ministro, por exemplo, a partir de um compartilhamento de not�cia oficial feita pelo presidente, compartilhe o texto na conta institucional. Isso formaria uma teia uniforme.
Bolsonaro tem 3,6 milh�es de seguidores no Twitter e 10 milh�es no Facebook. O vice-presidente Hamilton Mour�o tem 438 mil seguidores no Twitter. Desde o in�cio do mandato, ministros sem contas oficiais foram orientados a criar perfis pr�prios para evitar eventuais perfis falsos. “Falta compreens�o no Brasil sobre a separa��o de perfis institucionais e sociais. S�o casos como o do governador de S�o Paulo, Jo�o Doria, e do primeiro escal�o do governo federal”, diz o especialista em marketing pol�tico e digital Marcelo Vitorino.
PROFISSIONALIZA��O
“Os Estados Unidos deram um passo � frente, criando um perfil institucional para o presidente, n�o para o gestor, mas para o cargo. No governo do Reino Unido h� o blog do primeiro-ministro. Refere-se ao cargo, onde h� agenda”, afirma Vitorino. “Em outros lugares do mundo h� iniciativas da profissionaliza��o da comunica��o institucional do governo. O presidente seria muito menos atacado se tivesse dois perfis. Em uma, fala do bloquinho de carnaval (no pessoal). No outro, detalha a reforma da Previd�ncia e o pacote anticorrup��o do ministro da Justi�a, S�rgio Moro”, completa Vitorino.
Integrantes do Planalto admitem que convencer Bolsonaro sobre a necessidade de controlar estrategicamente as postagens foi at� f�cil depois dos deslizes, mas sabem que o presidente n�o vai largar a conta pessoal. O pr�ximo passo da equipe � direcionar tamb�m as not�cias oficiais no jornal, r�dio e televis�o. Cada perfil de ve�culo e do p�blico ser� voltado para determinado conte�dos, dos mais simples aos mais sofisticados
Para especialistas, as redes sociais fortalecem o discurso em torno da imagem pessoal do presidente. “O presidente n�o � um pol�tico tradicional. E, como convive com um Congresso indiferente, usa as redes sociais para reunir a base. � muito diferente quando ele fala sobre carnaval e sobre a reforma da Previd�ncia. A hist�ria da reforma n�o pega. Por isso ele tenta chamar a aten��o de outras formas. Quer aprovar a agenda priorit�ria, mas s� conhece a internet. � tudo o que ele tem”, explica o professor de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de Bras�lia (UnB) Pablo Holmes.
� por isso que os conselheiros do Planalto j� estabeleceram que a �nica forma de avan�ar nos comunicados da reforma ser� a partir de outras m�dias, considerando as tradicionais. “Sabemos o quanto � dif�cil explicar para a popula��o a import�ncia da reforma da Previd�ncia. Assim, a ideia � segmentar as informa��es por p�blico espec�fico, para que os parlamentares sintam-se pressionados a votar o texto proposto pelo governo.”
Holmes cita um estudo de Pablo Ortellado, de 2016, que trata sobre a politiza��o da internet no Brasil. Ele considera os mais de 200 milh�es de brasileiros e mais de 140 milh�es de eleitores, mas calcula que apenas 20 milh�es sejam politicamente ativos nas redes. “Se voc� contabilizar os seguidores que Jair Bolsonaro tem no Twitter e no Facebook, ver� que ele tem um p�blico expressivo para quem falar”, afirma, complementando: “Mas as pessoas gostam de compartilhar coisas que mexem com emo��es. Falar do xixi no carnaval vai fazer barulho. Falar da Previd�ncia, n�o. Por isso � importante realinhar a forma de comunica��o”.
‘Capital pol�tico vivo’
Ao tomar decis�es baseadas na repercuss�o de suas frases na internet, o presidente Jair Bolsonaro se coloca como algu�m que faz apenas a leitura da pr�pria bolha. Foi assim quando, na semana passada, o ministro da Justi�a, S�rgio Moro, foi obrigado a desconvidar Ilona Szab�, diretora-executiva do Instituto Igarap�, como suplente do Conselho Nacional de Pol�tica Criminal e Penitenci�ria. Considerada expert no assunto, � tratada como “esquerdista” pelos seguidores do presidente — que fiscalizam e cobram as promessas de campanha de Bolsonaro. Ilona acabou descartada.
“Ao ouvir os seguidores, Bolsonaro mant�m o capital pol�tico vivo”, avalia o cientista pol�tico Carlos Alberto Moura, analista da HC7 Pesquisas. “Embora algumas coisas repercutam muito mal na ‘vida real’, tem coisas que a ‘base de apoio’ do presidente na internet aprova e, por isso, ele continua alimentando as redes sociais com tudo o que ‘acha razo�vel’. N�o d� para pensar que as publica��es s�o feitas ao acaso”, conta.
Moura diz que, ao se voltar apenas para as redes, o presidente faz com que os “grandes players” — que costumam acompanhar as publica��es tradicionais — tenham menos confian�a em projetos da agenda priorit�ria do governo. “O cara que quer saber detalhes sobre pacote anticorrup��o ou reforma da Previd�ncia vai direto naquele ve�culo de comunica��o que explica os projetos, e n�o no Twitter. � a� que o presidente perde”, finaliza.
O plano dos conselheiros de Bolsonaro de controlar estrategicamente as redes foi colocado em pr�tica ainda na �ltima sexta, quando a maior parte das postagens do presidente fizeram refer�ncia a assuntos oficiais de governo. Resta saber quanto isso vai durar ou mesmo neutralizar o pr�ximo tu�te.