
Bras�lia – Depois de dois mandatos � frente da Associa��o Nacional dos Procuradores da Rep�blica (ANPR), Jos� Robalinho Cavalcanti deixa o cargo na pr�xima quinta-feira e, em menos de uma semana, deve assumir um outro desafio: a disputa pela chefia do Minist�rio P�blico, com elei��o marcada para 18 de junho.
O primeiro � que ele pr�prio n�o confirma se vai concorrer. O outro � ainda mais delicado: o presidente Jair Bolsonaro pode simplesmente ignorar a lista tr�plice feita pela categoria.
“N�o tem decis�o sobre isso, mas, mesmo que tivesse, s� vou revelar quando deixar o cargo na ANPR”, disse ele, durante entrevista na tarde da �ltima quinta-feira. Robalinho afirma que Bolsonaro nunca disse que n�o receberia a lista tr�plice da ANPR.
“Ele nunca disse que ignoraria a lista, ao contr�rio. Ele disse que iria receber e considerar. Ele disse que n�o seguiria se fossem tr�s esquerdistas, que � um conceito dif�cil de entender em rela��o ao Minist�rio P�blico.”
Na entrevista, Robalinho falou da rela��o conflituosa com a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, e dos momentos mais tensos durante os �ltimos quatro anos – ele foi reeleito em 2017 – como o envolvimento de procuradores em esc�ndalos.
Nascido em S�o Paulo em 1966, Robalinho mudou-se aos quatro meses de idade para Recife. Graduou-se em economia pela Universidade de Pernambuco em 1986. Entre 1992 e 1994, foi auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) e, entre 1994 e 1999, consultor legislativo da C�mara dos Deputados.
Em 1996, formou-se em direito na Universidade de Bras�lia, onde concluiu mestrado em sigilo banc�rio em 2005. Ingressou no Minist�rio P�blico Federal em 1999.
� especialista em lavagem de dinheiro e crime organizado. Atualmente, exerce o cargo de procurador Regional da Rep�blica, titular do Segundo Of�cio Criminal na Procuradoria Regional da Rep�blica da 1ª Regi�o.
CANDIDATURA AO COMANDO DO MP
“N�o tem decis�o sobre isso. Mas sou bem sincero, mesmo que tivesse uma decis�o, eu s� vou revelar quando sair do cargo de presidente da ANPR. � uma quest�o simb�lica, sou o presidente, ainda n�o sa�. Mas, ao mesmo tempo, tomei uma s�rie de cuidados. Fiz quest�o de n�o participar de nada das decis�es preliminares sobre a quest�o eleitoral sobre a lista tr�plice. Estamos num per�odo muito tumultuado, externo e interno. Tive um papel de lideran�a e n�o me sentiria bem de n�o participar do processo. Se eu n�o for candidato, � mais do que prov�vel que eu tenha candidato, que eu debata ideias na campanha. Tem lideran�as que preferem se preservar, mas esse nunca foi o meu papel. Em todas as elei��es, sempre tive candidatos, at� em 2011, quando entrei na c�pula da ANPR como vice e depois como presidente. E, a partir da�, voc� n�o pode ter um comportamento que pode separar os colegas. � por isso que n�o me meti nas quest�es eleitorais. Vou ter uma semana para decidir, mas vou decidir. Tivemos altera��es no nosso estatuto h� cerca de um m�s. Entre essas altera��es, tem uma muito importante. Sempre tivemos uma comiss�o eleitoral que cuidava da lista tr�plice, que recebia pedidos de candidatos, eventuais reclama��es, mas era uma esp�cie de comiss�o que assessorava a diretoria da ANPR. Agora, essa comiss�o tem um papel maior, porque est� escrito no estatuto que quem conduz a elei��o da lista tr�plice n�o � a diretoria da ANPR, nem a minha nem a de F�bio (George Cruz da N�brega, o novo presidente, que assume a partir da pr�xima semana). Quem conduz � a comiss�o eleitoral. Ent�o, a bola est� com a comiss�o. Ela vai definir o n�mero de debates etc.”
DIVIS�O E TENS�O DENTRO DE ‘CASA’
“Nicolau Dino (subprocurador-geral da Rep�blica), ao desistir da candidatura ao comando do MP, falou de fric��es e da necessidade de se unir. � natural que voc� enfrente, nada que me d� temor. At� certo ponto, isso � normal. Acredito muito no esp�rito p�blico de todos aqui dentro, e que, ao fim e ao cabo, estaremos todos juntos em torno da lista tr�plice, com algumas poucas exce��es. H� dois anos, isso tamb�m foi enfrentado. Naquele per�odo, todas as semanas eram publicadas mat�rias dizendo que a lista tr�plice n�o iria ocorrer. E com declara��es de pessoas pr�ximas ao Michel Temer, como o ministro Eliseu Padilha. Isso com o Temer dizendo que respeitaria a lista tr�plice. A�, come�aram as investiga��es e surgiram as especula��es sobre a lista. Toda mudan�a de governo gera essas tens�es. O presidente Bolsonaro deu uma declara��o falando da sua independ�ncia. As pessoas n�o leram a declara��o inteira, mas ela provocou um certo frisson. Ele disse que a maior parte da carreira era excelente, ‘vou receber a lista, vou considerar a lista’. Ele nunca disse que n�o receberia. � claro que eu preferia que ele assumisse um compromisso mais forte com a lista, mas foi isso que ele falou. Ele nunca disse que ignoraria a lista, ao contr�rio. Ele disse que iria receber e considerar. Ele disse que n�o seguiria se fossem tr�s esquerdistas, que � um conceito dif�cil de entender em rela��o Minist�rio P�blico.”
MAIS COMPLEXO DO QUE PARECE
“Veja o caso da lista de 2013, se voc� olhar dentro do espectro pol�tico tradicional, foi a lista mais � esquerda dentro do MP. Tinha duas pessoas com liga��o org�nica com for�as progressistas e da sociedade civil, n�o no aspecto pol�tico-partid�rio: doutoras Ela Viecko e Deborah Duprat. O Rodrigo Janot, sem nenhum dem�rito, � apenas uma pondera��o, era o menos de esquerda dos tr�s. O governo era de esquerda, a presidente era uma senhora de esquerda, era mulher, mas escolheu um homem menos � esquerda dos tr�s concorrentes. Para voc� ver como as escolhas do Minist�rio P�blico s�o mais complexas do que parecem. Mas a declara��o do presidente Bolsonaro ati�a a ideia de as pessoas procurarem outros caminhos. Ideias que sempre existiram. Veja o procurador Augusto Aras. Fazer cr�ticas � lista e dizer ‘sou candidato, mas sou candidato fora da lista’ � uma coisa, mas colocar em d�vida a lisura do processo eleitoral, a� n�o. N�o tem o que discutir. O nosso processo eleitoral � feito com transpar�ncia. Padr�o TSE.”
GEST�O DE RAQUEL DODGE
“Diria que rejei��es � gest�o de Raquel (Dodge, procuradora-geral da Rep�blica) aumentaram a tens�o, sim, sobre isso n�o h� o que discutir. Do ponto de vista administrativo, o per�odo n�o � f�cil. E todos reconhecemos isso. � um per�odo de muito aperto fiscal, 2016 foi um ano muito negativo, por causa das incertezas, do impeachment. Quando Raquel assumiu (em 2017), medidas fortes deveriam ser tomadas, mas infelizmente n�o foram. Do ponto de vista de varejo, as decis�es foram corretas. Foram austeras, ela segurou os gastos de viagens, apostando na tecnologia, economizando milh�es, aumentando a execu��o or�ament�ria. Tudo isso foi important�ssimo. Mas precis�vamos ampliar, renegociar os grandes contratos, arrumar espa�os para continuar com crescimento sadio. Nada disso foi feito. Havia um planejamento estrat�gico na �poca do (Roberto) Gurgel, em que a gente tinha proje��o de crescimento acompanhando a justi�a federal. Mas a partir de novembro, houve uma tens�o entre a ANPR e a PGR, que � normal. Mas nesse per�odo, Raquel tomou duas decis�es muito rejeitadas na carreira. Fizemos uma demanda de gratifica��o de acumula��o de fun��es, que diz que a minha lei � igual � dos ju�zes. Quando chega na hora da regulamenta��o interna, a Justi�a Federal fez de uma forma muito mais ampla do que o MP. Isso d� uma diferen�a grande de sal�rios. Raquel disse que daria uma solu��o pr�pria, n�o conversou com ningu�m e resolveu apresentar uma proposta dela. E a proposta resolvia o nosso problema de bolso, s� que, embutida na proposta, estava uma interfer�ncia nos processos mais importantes que a c�pula e as c�maras poderiam influenciar diretamente nos grandes processos. Resultado disso, um abaixo-assinado recha�ando a proposta dela, com interfer�ncia nos trabalhos dos procuradores. Ela n�o admite isso, mas as pessoas entenderam como uma interfer�ncia (na distribui��o de casos para os procuradores). Mas ela n�o pode se queixar de ningu�m, porque ela n�o conversou com ningu�m. Mas quero deixar claro que nunca tive guerra aberta com ningu�m.”
FUNDO DA LAVA-JATO
“Ningu�m pode tirar a independ�ncia funcional de Raquel Dodge. Ela tem direito tanto quanto os procuradores l� de Curitiba. N�o acho que o acordo fechado em Curitiba com a Petrobras (sobre a cria��o de um fundo) tenha tantos problemas assim. Os erros eram pontuais e eles mesmos acabaram reconhecendo. O problema n�o foi isso. Foi que, em vez de resolver internamente, uma situa��o que os procuradores j� tinham recuado, e ela j� sabia, Raquel usou um instrumento, a ADPF (a��o por descumprimento de preceitos fundamentais), que nunca tinha usado para esse fim: levar a mat�ria para o Supremo Tribunal Federal. A ADPF n�o � s� um instrumento do procurador-geral. Avisamos isso no momento zero. O instrumento � para qualquer legitimado, para uma ADI (A��o Direta de Inconstitucionalidade), qualquer partido pol�tico, associa��o nacional... Ela criou um rombo no casco, desse tamanho! pois qualquer investiga��o com meia d�zia de bons argumentos de advogados dos acusados poderia ser questionada no STF, pulando todas as inst�ncias. Ningu�m defendeu Raquel. Esses dois atos aumentaram a tens�o. Mas ainda teve o epis�dio do conselho do MP, que mandou um recado no processo eleitoral, quando disseram que s� podia concorrer subprocurador e n�o procurador regional. Apesar disso n�o ter efeito, provocou nova tens�o.”
QUATRO ANOS DE DESAFIOS
“Foi um per�odo cheio de desafios. Press�es no Congresso por causa da Lava-Jato, briga por valoriza��o. Quando se descobriu o que o (ex-procurador) Marcelo (Miller) tinha feito (ele foi acusado de receber vantagens indevidas para ajudar o grupo J&F, dos irm�os Batista). Temos um que ainda est� no MP, o Angelo Vilela (acusado de vazar informa��es sigilosas), est� afastado, mas n�o foi condenado. O fato � que isso foi dif�cil, mas quero elogiar Rodrigo Janot e mostrar como se comporta o MP nesses epis�dios. Ningu�m piscou os olhos para n�o cortar na pr�pria carne. A gente ganha aprendizado em ter maior rigor. Mas teve outro momento tenso tamb�m que foi a investiga��o contra o presidente Michel Temer, inclusive com d�vidas em rela��o � lista tr�plice. E agora temos outro per�odo complicado, pois um governo que entra tem sempre essa instabilidade em rela��o � lista tr�plice. Mas consigo pensar que entrego a ANPR � altura da associa��o que recebi. O di�logo mais forte � uma marca. O mais o importante � o di�logo, caracter�stica da minha diretoria. Tanto para fora quanto para dentro, com independ�ncia.”