O ex-presidente Jos� Sarney � um dos �ltimos dos pol�ticos de sua gera��o ainda “na ativa” e que tem engarrafamento na porta de casa por ocasi�o do seu anivers�rio. Em 24 de abril, quando completou 89 anos, n�o foi diferente. A pol�tica, assim, sem adjetivos, passou por l�. A nova pol�tica de Jair Bolsonaro, Sarney diz ainda n�o saber o que �. Por�m, n�o tem d�vidas em rela��o aos movimentos do presidente: “Acho que ele est� colocando todas as cartas na amea�a do caos (...) O presidente � quem deve se adaptar � cadeira e n�o a cadeira ao presidente”, diz, ao receber o Correio Braziliense para um caf� que resultou em quatro horas e 20 minutos de conversa, com uma hora e meia de entrevista gravada na �ltima quarta-feira, acompanhada em parte por d. Marly e a filha, Roseana.
As palavras de Sarney soam como um alerta. Afinal, s�o a voz de quem enfrentou a ditadura Vargas, na UDN; viveu o per�odo pr�-64; o regime militar; participou do processo de redemocratiza��o do pa�s; e agora, avalia o s�timo governo da volta � democracia, torcendo por sua perman�ncia. “Bolsonaro est� no meio de um furac�o. Pela primeira vez, estamos num momento em que � imprevis�vel. Fratura no Judici�rio, no Legislativo e no Executivo. Todas essas estruturas est�o trincadas”, diz ele. Com tanto tempo de janela, Sarney viu pedras virarem vidra�as e vice-versa. Hoje, � s� elogios a aliados que j� foram advers�rios, caso de Lula, e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Quanto �s cr�ticas que seu governo sofreu, responde que “ressentimento destr�i a gente mesmo”. E apresenta n�meros: quando deixou o cargo, a taxa de desemprego era de 2,9%, m�dia de 4,3% nos cinco anos. Ele encerrou a corrida nuclear Brasil-Argentina, criou um programa de combate � Aids respeitado no mundo inteiro e, de quebra, ainda implantou o seguro-desemprego. Em sua trajet�ria, s� faltava ver uma santifica��o. “Sempre vi os santos nos altares, terracota, madeira. Agora, vi uma Santa viva, Irm� Dulce, feita de amor e bondade. Deus foi sempre muito generoso comigo”. Confira os principais trechos.
O presidente Jair Bolsonaro pediu para o ministro S�rgio Moro n�o nomear a Ilana Szab� para o Conselho de Seguran�a P�blica porque disse que ela era comunista. O senhor v� algum paralelo nesse “tirar comunistas do governo” com o que aconteceu em 1964?
Eu n�o quero fazer nenhum coment�rio sobre os meus sucessores. Cada um, presidente ou n�o, age de acordo com as circunst�ncias que ele vive no momento. Eu vivia as minhas circunst�ncias, n�o sei quais s�o as que vive o presidente Bolsonaro.
A gente v� o governo hoje muito desarticulado, at� com os militares h� ru�dos. Como o senhor v� a participa��o deles no governo de hoje?
A minha experi�ncia com militares sempre foi muito boa, encontrei sempre da parte deles o melhor procedimento. Tanto que a minha diretriz enquanto presidente foi: primeiro, a transi��o se far� com os militares e n�o contra os militares. Segundo, se eu sou comandante-chefe das For�as Armadas, o dever de todo comandante � zelar pelos seus subordinados, e eles s�o absolutamente disciplinados, leais e competentes. A participa��o deles no governo � sempre ben�fica. De acordo com minha experi�ncia, os militares s�o sempre uma voz sensata, competente e, ao mesmo tempo, ponderada. Falo do tempo em que vivi e convivi. Evidentemente, os excessos foram cometidos, e foram muitos, mas n�o se pode penalizar a institui��o (militar) por esses excessos. As pessoas que foram respons�veis � que devem ser punidas, e n�o a institui��o.
A pol�tica � a arte do poss�vel. Eu acho que tem que se lidar com realidades, e a realidade atual � que o presidente n�o tem maioria consolidada dentro do Congresso, nem n�s temos hoje partidos, nem lideran�as pol�ticas, e vivemos uma crise muito grande.
O que o governo tem que fazer para sair disso?
O presidente Bolsonaro est� no meio de um furac�o. A crise internacional de recess�o catalisou a crise brasileira. Estamos em um momento da hist�ria mundial em que presenciamos n�o um mundo de transforma��o, mas um mundo transformado. Temos que lidar com o choque das civiliza��es, o fim da civiliza��o industrial, o come�o da civiliza��o e das comunica��es digitais. Temos que lidar com a p�s-verdade, com uma sociedade l�quida, como bem fixou Zygmunt Bauman. Temos que compreender que estamos, no Brasil, muito atrasados para enfrentar essa crise que o mundo est� vivendo. Ent�o, o presidente Bolsonaro est� tendo que enfrentar esses problemas, todos mundiais. Era o momento de n�s termos um presidente que tivesse uma vis�o de todas essas modifica��es que vive o mundo, para poder enfrent�-las.
Poderia dar um exemplo?
Estamos com a morte da verdade, com um novo interlocutor da sociedade democr�tica, que se chama opini�o p�blica, que hoje se manifesta por meio da rede social, principalmente. E as crises que o Brasil vive? O Brasil vive uma crise sem partidos, porque quando temos 60 partidos, entramos na lei do Montesquieu, que diz que quando temos muitos partidos, n�o se tem nenhum. N�s, tamb�m, estamos com uma classe pol�tica vivendo a crise da democracia representativa, isso � no mundo inteiro, os pol�ticos est�o demonizados. E a busca do povo � partir para uma democracia direta, sem representantes.
Mas isso n�o � um risco?
� um risco, porque os ingleses levaram 700 anos para construir esse sistema atual em que vivemos, da democracia representativa, dos Tr�s Poderes, cada um controlando o outro. O Brasil acrescentou mais um poder, destruindo e desestabilizando todos os tr�s: o Minist�rio P�blico.
Quando diz que esse � o momento em que precis�vamos de um presidente que entendesse toda essa transforma��o, o presidente Bolsonaro n�o consegue identificar esses problemas?
Ele (Bolsonaro) est� colocando todas as cartas na amea�a do caos. E isso, na realidade, aumenta os problemas que n�s vivemos, porque desapareceram as utopias e n�s n�o podemos matar a esperan�a. O que se v� � que todo dia se d� uma solu��o, uma vis�o escatol�gica do fim do mundo, em face da reforma da Previd�ncia, sem se oferecer outras perspectivas de esperan�a. Quando se mata as utopias, � dif�cil que se sustentem as expectativas do pa�s somente com uma reforma. Na realidade, a reforma � uma coisa que se fala permanentemente, porque vivemos em um mundo em transforma��o.
A reforma da Previd�ncia n�o � necess�ria?
A reforma da Previd�ncia � extremamente necess�ria, mas est� tamb�m ao lado da reforma administrativa, da pol�tica, da tribut�ria, da fiscal. Todas as cartas est�o jogadas em um �nico objetivo, sem esquecer de que o presidente n�o tem maioria dentro do Congresso. Quando se fala em presidencialismo de coaliz�o, � melhor dizer presidencialismo sem partido. Vamos citar uma frase do Clinton, que � muito apropriada: “Os partidos no mundo atual n�o s�o importantes para a elei��o, mas sem eles � imposs�vel governar”. Ou seja, eles precisam estar estruturados, e se governa por meio de partidos, sen�o � uma situa��o an�rquica e niilista que vamos viver.
J� estamos vivendo essa situa��o?
As perspectivas que temos e que est�o sendo constru�das nos levam a esperar, l� na frente, um impasse grande, que pode ser a pequeno, a m�dio ou a longo prazo, mas a verdade � que ele vai ocorrer. Por qu�? Porque a Constitui��o de 1988 criou todas as condi��es para levarmos o Brasil a essa situa��o que estamos vivendo. Ela (a Constitui��o) � h�brida, � parlamentarista e presidencialista, deu ao Parlamento poderes executivos e deu ao Executivo poderes parlamentares, com as medidas provis�rias que fez. E o Parlamento precisa aprovar todas as medidas que o Executivo tem que tomar. Na ter�a-feira, vimos, por exemplo, o ministro da Economia (Paulo Guedes) pedir ao Parlamento, desesperadamente, que aprovem um cr�dito de R$ 248 bilh�es. Mas a nossa Constitui��o de 88 � excelente em dois pontos: a parte de direitos individuais, e a dos direitos sociais. Fora disso, � extremamente detalhista, de tal modo que n�s j� temos 105 emendas. Em tramita��o, quando eu deixei a Presid�ncia, t�nhamos, no Congresso, 1.500 emendas constitucionais. Hoje em dia, � mais f�cil se modificar a Constitui��o do que fazer uma lei, e a �nica Constitui��o que sobrevive no mundo h� 200 anos � a americana, que foi feita por 55 pessoas e que � t�o avarenta de emendas. E gra�as a Deus, � lucidez dos americanos, a primeira coisa que eles fizeram foi a primeira emenda, que � a da liberdade.
O que recomendaria para evitar o caos?
Pela primeira vez, estamos em um momento que � imprevis�vel, � preciso buscarmos e tirarmos uma medida m�gica para resolver isso. Porque as coisas acontecem n�o porque v�o acontecer, mas porque s�o levadas por um conjunto de fatores, que levam tempo para acontecer e chegam a essa situa��o, que n�s vivemos atualmente, com a fratura no Poder Judici�rio, no Poder Legislativo e no Poder Executivo.
Ou seja, n�o tem nada de p�?
Todas essas estruturas est�o em um momento de abalo. Como os cristais, est�o trincadas. Outra coisa � a crise da democracia que est� se vivendo no mundo inteiro. Crise da democracia liberal.
E como � que o senhor v� essa crise?
Falou-se no fim dos anos 1980, no fim da hist�ria. Francis Fukuyama (fil�sofo) foi quem criou essa tese. Agora, estamos chegando � conclus�o de que a hist�ria n�o chegou ao fim. Pens�vamos que a democracia liberal ia ser a continuidade do mundo. Mas estamos vendo que n�o, ela precisa ser reformada, porque est� levando a uma concentra��o de riqueza extraordin�ria. E n�o � mais o pa�s rico, cada vez mais rico e os pobres mais pobres, n�o. � s� os ricos cada vez mais ricos. A pr�pria din�mica do mundo levou a isso.
Por meio de qu�?
Da automa��o, das novas tecnologias, a biotecnologia. E isso tudo nos leva � matan�a dos empregos. E n�s ent�o, os que t�m analisado isso no mundo inteiro, eu procuro estar sempre atualizado, estamos vendo um mundo em que se v� a intelig�ncia artificial substituindo o pr�prio homem. E quando analisamos isso, para pegar um exemplozinho pequeno, olhamos e a previd�ncia � colocada dentro desse contexto. Um rob� n�o paga Previd�ncia e n�o se aposenta. N�o �? E se n�s verificarmos hoje, a crise da previd�ncia n�o tem tamb�m s� esses aspectos de que no futuro n�o vai pagar aposentados. Ela tem um aspecto do desemprego que existe. Porque temos hoje, no Brasil, 13 milh�es de pessoas desempregadas. Temos mais 13 milh�es que nunca ocuparam emprego e est�o desocupadas. E temos mais 20 milh�es que s�o da informalidade. Ent�o, com uma quantidade dessas, � imposs�vel administrar.
Qual seria o foco para enfrentar o problema?
� o do crescimento econ�mico. Sem crescimento, n�o resolvemos, qualquer reforma que seja feita n�o subsiste. No Plano Cruzado, tivemos superavit na previd�ncia naquele tempo porque a nossa taxa de desemprego era de 2.9% de dezembro, de uma m�dia dos cinco anos de 4.3%. Se tiv�ssemos hoje 30 milh�es de pessoas contribuindo para a Previd�ncia, que hoje est�o fora (do mercado formal), n�o ter�amos esse problema que temos. Ent�o, � preciso que se analise dentro desse contexto. O problema maior hoje � o crescimento econ�mico, � o desemprego. Porque por a� � que est� a fonte de todas essas coisas, al�m da destrui��o do sistema pol�tico brasileiro que, hoje, ningu�m sabe o que �, e o caos que n�s vivemos.
Como avalia esse sistema pol�tico?
Nem avalio. N�o d� para avaliar porque n�o existe. Ele foi destro�ado.
Destro�ado por reformas pol�ticas?
Pela Constitui��o de 1988. As reformas corrigiram os erros que foram feitos na Constitui��o de 88.
Qual � o maior erro da Constitui��o de 1988?
Nenhuma Constitui��o � elaborada sem um projeto antecipado. Na nossa resolveu se fazer um projeto na bacia das almas. Todo mundo ia l�, e queria tomar um peda�o corporativista. Ent�o, criou-se uma Constitui��o corporativista.
Ent�o, a culpa � das corpora��es hoje? Ou elas s�o parte do problema maior?
�, ela � corporativista, ao mesmo tempo ela, n�o pegou, destruiu o Congresso com uma grande forma��o dos partidos. h�brida, criou essas medidas provis�rias. At� hoje, estamos tentando corrigir a Constitui��o de 1988. E ainda temos mais de 50 dispositivos na Constitui��o que demandam serem regulamentados.
O senhor aceitaria fazer uma nova Constituinte?
Os ingleses n�o t�m Constitui��o, mas t�m o seu Bill of Rights. H� poucos dias, estava lendo um livro sobre a forma��o da Constitui��o americana. At� ela foi feita num projeto b�sico porque, na realidade, foi baseada nas notas que o Madison tinha levado para serem discutidas. Tem uma hist�ria, o Ulysses (Guimar�es, ex-presidente da C�mara) chegou e disse: “Olha, presidente, eu quero lhe comunicar que passaram 10 milh�es de pessoas pelo Congresso para fazermos a Constitui��o, � uma grande coisa que fizemos”. E, ent�o, eu disse a ele: “� Ulysses, a Constitui��o que mais dura no mundo, que tem mais de 200 anos, � a americana. Foi feita por 55 pessoas, com um pacto de ningu�m dizer ao outro qualquer coisa, nem em casa, de que ele estava tratando. E ela tem mais de 200 anos. E foi a base de se criar uma na��o que hoje � o pa�s l�der do mundo”.
O senhor disse que a Constitui��o tornaria o pa�s ingovern�vel...
Sim, a primeira coisa que ela fez: tirou 20% do or�amento da Uni�o. Agora, temos esses problemas todos que chegaram at� hoje. Ent�o, isso leva tempo, me senti no dever de advertir que isso ia acontecer. Quando n�s fizemos essa Constitui��o, destru�mos os estados tamb�m. Porque, hoje, n�s n�o temos mais Federa��o, todos os estados est�o quebrados.
Mas a culpa � s� da Constitui��o? E os planos econ�micos, ajudaram ou atrapalharam?
Muitos ajudaram o pa�s. O Plano Cruzado foi a iniciativa de maior coragem que j� teve. Eu ouvi do Brizola que eu tinha sido o homem de maior coragem porque havia rompido com a ortodoxia econ�mica e procurado um outro caminho. O Plano Cruzado deu estabilidade, nos deu a menor taxa de desemprego da hist�ria do Brasil at� hoje. O Plano Cruzado nos permitiu fazer a Constitui��o porque sem ele n�s n�o t�nhamos feito a Constitui��o. Ele permitiu que eu n�o fosse deposto, proporcionou estabilidade para o pa�s e ele nos permitiu chegar ao Plano Real. Porque todos os outros planos at� chegarmos ao Plano Real foram resultados da coragem inicial de n�s optarmos por uma forma fora da recess�o, que era o modelo do FMI. Se tivesse feito a recess�o, eu teria ca�do. Teria sido deposto. N�o tinha condi��es de permanecer, porque iria levar ao desemprego, � paralisa��o do pa�s, n�s atravessamos naquele per�odo a tudo isso.
Com toda a turbul�ncia que teve, n�o �?
Com toda a turbul�ncia que teve. Com tudo isso, todos os problemas que vivemos, a morte do Tancredo, mais a transi��o democr�tica, saindo do regime militar para a plena democracia, n�s conseguimos atravessar esse per�odo todo. Fala-se hoje que foi um per�odo de infla��o muito alta, eu digo “n�o foi”. N�o se pode comparar infla��o com corre��o monet�ria com infla��o sem corre��o monet�ria. Se calcula o PIB dos pa�ses em d�lar. Se n�s calcularmos a infla��o do meu governo em d�lar, eu mandei a consultoria Tend�ncias fazer o c�lculo. A infla��o do meu per�odo foi alta, foi 17%, de todo o per�odo. Ent�o, isso a� (de infla��o alta) � uma leitura porque n�o tive apoio pol�tico, fiquei sem partido pol�tico, fiquei jogado �s feras. E, at� hoje, eu sou v�tima da p�s-verdade, quer dizer, aquela mentira que se torna verdade. Por exemplo, para citar uma, todo mundo diz que eu lutei para ter cinco anos de governo e que dei r�dios. Fiz um esfor�o tremendo para fazer isso, quando, na realidade, eu tinha seis anos e abdiquei de um ano. Passei, como todo mundo acredita, � o que hoje se chama p�s-verdade. Todo mundo acredita que eu fiz tudo para n�o ter um ano. Os outros governos, depois de mim, distribu�ram 10 vezes mais r�dio do eu. Mas eu n�o precisava disso, eu tinha uma grande maioria dentro do Congresso.
Vivemos uma situa��o de desemprego, o pa�s parando, os estudantes est�o indo �s ruas. Bolsonaro pode acabar deposto?
O presidente, hoje, tem que se legitimar das 6h at� as 6h do dia seguinte. Porque h� uma for�a permanente dos problemas que n�s temos, t�o complexos como est�o os do Brasil hoje, que levam os presidentes a serem responsabilizados por tudo e que termina no que n�s temos visto. A Constitui��o de 1988, al�m de ter dado essa estabilidade, que � muito boa, dos problemas sociais, nos deu tr�s impeachments, dois que chegaram ao fim, o do Collor e da Dilma, e o terceiro, do Temer, que n�o chegou ao fim, mas que o pedido foi feito. Ent�o, acho que uma solu��o, a primeira e mais simples, para evitar esse problema do presidente ter que viver essa press�o permanente, seria adotarmos o parlamentarismo. � um governo de primeiro-ministro, quando temos uma crise de gravidade parox�stica, cai o primeiro-ministro, n�o leva a uma crise institucional da Rep�blica e do presidente. Eu acho que o Bolsonaro est� sendo v�tima de uma leitura errada que ele fez. Ele achou que, quando ganhasse a elei��o, superando essa vis�o internacional de que o Brasil era um pa�s de esquerdista, porque estava alinhado com a Venezuela, Cuba e outros pa�ses socialistas, iria receber dos americanos e da economia internacional um apoio muito grande, que imediatamente atrairia para o Brasil investimentos e n�s ir�amos crescer. Na realidade, de certo modo, acho que n�o tem ningu�m mais decepcionado com isso do que ele, porque foi logo visitar o Trump mostrando essa vis�o. E, na realidade,o Trump n�o deu nada. A vis�o do Trump � nacionalista, Am�rica acima de tudo.
Foi ingenuidade do presidente achar que isso aconteceria?
Eu acho que foi. Quando, na realidade, hoje, o que n�s vemos � que o primeiro importador do Brasil � a China. E que a China est� marchando para ser, dentro de 10 anos, o primeiro pa�s do mundo. Inclusive, o general Mour�o com uma prova de lucidez, est� indo para l�. Ele sempre foi tido no Ex�rcito como um homem de grande capacidade, sempre teve grandes miss�es, sobretudo, na �rea internacional.
Como v� esse contraponto entre o vice e o presidente?
No Brasil, h� sempre uma tend�ncia de querer colocar o vice-presidente como um advers�rio do presidente. Na realidade, eu fui vice e sei o que � isso. Tanto que a minha primeira provid�ncia foi chamar o Tancredo e dizer que eu queria ser um vice-presidente fraco de um presidente forte. Citei a ele o caso do Mondale, que, quando foi vice do Carter, estabeleceu uma regra de conviv�ncia, e quando mostrei a ele o documento, Tancredo, com aquela amizade pessoal que n�s t�nhamos, ele disse: “N�o me mostra documento nenhum, eu sei que n�s vamos nos entender muito bem”.
Quando o senhor fala nesse mundo transformado, o senhor acha que a oposi��o aqui tem agido corretamente?
N�o h� oposi��o. N�s estamos em um momento no Brasil em que n�o temos nada. At� a oposi��o n�o existe.
Sem partidos, sem oposi��o... Vamos ficar no deus-dar�?
Por isso � que eu disse que o nosso presidente est� vivendo no olho do furac�o.
Quando o senhor v� como alternativa o parlamentarismo, isso demora. O pa�s aguenta?
Sim, ningu�m vai acabar. O pa�s vai viver suas vicissitudes, suas dificuldades e vai encontrar seu caminho. Porque � um grande pa�s, um extraordin�rio pa�s. Reconhe�o que estamos muito atrasados em termos de ci�ncia e tecnologia. Est� se renegando a um segundo plano a ci�ncia e a tecnologia. No meu tempo, dei uma import�ncia muito grande a isso, visitei o acelerador de part�culas do Fermilab, no qual se estuda as part�culas de altas energias. Montamos um pequeno acelerador de part�culas, fabricamos a fibra �tica. Foi no meu tempo que enriquecemos o ur�nio, coisa que a Coreia do Norte e o Ir� est�o brigando com os Estados Unidos e criando uma crise mundial. Fizemos tranquilamente isso no Brasil. Em toda a hist�ria da Capes, nunca tinha tido o n�mero de bolsas que demos para a forma��o de cientistas brasileiros no exterior. Se n�o caminharmos nessa dire��o, vamos ficar sempre muito atrasados em rela��o ao mundo. Hoje, a gente pode ver que o erro que n�s tivemos em rela��o ao Brasil foi um problema de educa��o. N�s demos prioridade � economia, primeiro � cria��o do bolo. E, depois, dividir o bolo. Hoje sabemos que, para criar esse bolo, temos que ter um desenvolvimento tecnol�gico e educacional. Os pa�ses que progrediram na �sia marcharam para a educa��o. Investiram na educa��o. A educa��o criou a prosperidade econ�mica e, a�, ent�o, se dividiu o bolo. N�s entramos no caminho inverso: Queremos primeiro criar o bolo. Resultado: � a crise nacional que temos, que � a educacional. Cada vez mais atrasados, sujeitos a uma coloniza��o cultural e isso vai ter consequ�ncias grandes.
E o governo ainda pensa em bloquear os recursos...
Isso s�o acidentes que est�o ocorrendo resultados desse desequil�brio or�ament�rio e a estagna��o que o pa�s vive.
O senhor tem dois filhos pol�ticos. Roseana foi governadora, Zequinha Sarney foi ministro, hoje � secret�rio. Como avalia o comportamento dos filhos de Bolsonaro?
� uma quest�o que n�o desejo abordar. J� que n�o critico meus presidentes e meus sucessores nem pelas atitudes nem pelo seu governo, n�o devo tratar desse assunto que envolve fam�lia.
E as declara��es de Olavo de Carvalho, que �s vezes usa palavras de cal�o, se mete no governo, o presidente vai e apoia ele, como o senhor v� isso?
Eu confesso que antes do governo Bolsonaro eu n�o conhecia o Olavo de Carvalho. Nem conhe�o as suas ideias. Nunca li os livros dele.
Nem est� fazendo falta?
Eu tenho lido resumos das suas ideias. Ele deve ser um homem inteligente pela influ�ncia que exerce no governo.
A concentra��o dessas pautas de costumes � t�o importante a ponto de renegar assuntos como educa��o?
N�o, eu acho que n�s fixamos em um �nico ponto como se a salva��o nacional fosse essa. A reforma da Previd�ncia. Quando, na realidade, n�s temos um universo de problemas a�, o pa�s � muito complexo para ficar s� na Previd�ncia. A Previd�ncia � uma consequ�ncia, n�o � uma causa. � um efeito.
Como v� esse decreto que ampliou o porte de arma no pa�s?
Eu apoiei o desarmamento. Enquanto presidente do Senado, criei a comiss�o que resultou no Estatuto do Desarmamento.
Mas j� foi armado para uma reuni�o...
(sil�ncio) E me arrependo. Foi numa reuni�o do PDS, na qual estava amea�ado de ser destitu�do � tapa. E do�a muito. F�sica e moralmente.
Mas n�o deu um tiro, n�o �?
N�o. Felizmente todos, at� os meus inimigos, tiveram bom senso. N�o me deram tapa nem eu n�o dei tiro. Rezas da minha m�e.
Como o senhor gostaria de ser julgado?
Daqui a 100 anos com o modo que vivemos hoje, ningu�m julga ningu�m. Cristo j� dizia, n�s n�o devemos julgar para n�o sermos julgados. Eu cumpri com o meu dever e dei uma contribui��o importante para a hist�ria do Brasil. S� eu sei o que foi a transi��o democr�tica. Se n�o fosse o meu temperamento e a minha experi�ncia de muitos anos. Sou o parlamentar mais antigo da hist�ria da Rep�blica, eu passei 52 anos no parlamento. Quarenta como senador e 12 como deputado. Al�m de ter sido governador e presidente da Rep�blica, ent�o, mais do que tudo isso, tem o fato de ter uma voca��o intelectual. Se eu tivesse que escolher ao nascer, eu escolheria e ficaria s� nessa voca��o. A pol�tica, j� dizia o Napole�o, � o destino. A literatura � a voca��o. Eu j� escrevi 120 t�tulos, com 168 edi��es traduzidas em 12 l�nguas. Isso me ajudou muito dentro da pol�tica. � dif�cil ser pol�tico e, ao mesmo tempo, escritor e intelectual, porque a pol�tica, como eu disse, lida com a realidade e a literatura com a fic��o.
O senhor falaria sobre o Lula? A pris�o…
Eu lamento profundamente o que acontece com o presidente Lula e o que aconteceu recentemente com o presidente Temer, ambos, eu acho, est�o sendo v�timas de injusti�as.
O superpoder do MP provocou isto?
Ocorreu aquilo que o ministro falou, n�s politizarmos a Justi�a e judicializamos a pol�tica.
Como o senhor v� essas dificuldades que o MDB est� passando?
N�s tivemos o Geddel com apartamento de dinheiro... Todas essas coisas est�o dentro desse contexto que analisamos.
O governador Ibaneis sonha ser o presidente do MDB. Ele consegue?
O Ibaneis � um homem de grandes virtudes. E acho que ao mesmo tempo � uma prova de patriotismo dele, de esp�rito p�blico, querer dirigir o MDB nesse momento. Na realidade, todos est�o fugindo de querer entrar na pol�tica.
N�o ser� dif�cil para ele?
Na pol�tica tudo � dif�cil. Nada � f�cil. At� ser pol�tico.
O MDB tem futuro na atual conjuntura?
Cada partido nasce e vive dentro de determinadas circunst�ncias e com uma determinada miss�o. Eu vivi muito tempo isso na UDN, quando n�s enfrentamos a ditadura Vargas e sa�mos para ser o grande partido que fomos. Vi isso tamb�m na trajet�ria do MDB quando ele come�ou. E ambos os partidos esgotaram a sua miss�o, porque nasceram sob determinado signo. O partido tem que se reinventar.
Quem est� na crista da onda � o DEM.
Todos os partidos cumpriram sua miss�o, � um outro tempo.
Um tempo em que a opini�o p�blica, como disse o senhor, domina...
N�s estamos em um tempo, como diz o Bauman, da sociedade l�quida (risos). As coisas se transformam muito rapidamente. Por isso, que se liquidificam.
O senhor sempre muito cr�tico da estrutura eleitoral...
Discuto isso desde 1972, apresentei projeto no Congresso sobre o voto distrital, o voto distrital misto, o parlamentarismo. Mas tudo isso � muito dif�cil, porque quem est� no governo, e foi ao poder por determinadas circunst�ncias, jamais abdica. S� conhe�o uma pessoa que tenha abdicado de poder no governo: eu,quando acabei com a conta de movimento do Banco do Brasil, que era o poder de todos os presidentes, at� ent�o. Era uma conta sem-fim que se sacava, jogava, sem precisar depositar. Tamb�m, como j� disse, abdiquei de um ano de mandato. Tomei essa decis�o baseado no Dutra, que foi eleito com a Constitui��o de 1937, seis anos de mandato. Quando teve a Constituinte de 45, ele combinou com a Constituinte e abdicou de um ano. Eu julguei que ia fazer a mesma coisa, s� que o Dutra eles compreenderam e a Constituinte aceitou. Em 1988, n�o, porque todo mundo queria ser candidato o mais r�pido o poss�vel. Tinham medo da Constituinte, n�o vou citar nomes, todos j� faleceram, mas foi isso, tanto que a Constituinte foi feita com os olhos no retrovisor, eles colocaram os olhos no passado, e queriam imediatamente ocupar o governo.
O senhor guarda m�goas desse per�odo?
Eu acho que a m�goa � um sentimento que destr�i a gente. Eu que cheguei � Presid�ncia, n�o posso ter m�goa, o criador foi muito generoso comigo. Nasci numa casa de 50m² e de ch�o batido.
A prop�sito, e o Maranh�o, como est� hoje?
Vai bem, obrigado.
O que dizer de FHC?
� um homem muito inteligente. Todo presidente faz o que pode fazer e vive suas circunst�ncias. E sempre quer fazer o melhor. N�o acredito que algu�m que vire presidente queira fazer o pior. Acontece � que a cadeira da Presid�ncia sempre � maior que o presidente, o presidente que tem que se adaptar � cadeira, e n�o a cadeira ao presidente. Isso vale pra todos, eu acho que o Fernando Henrique fez o que ele podia fazer no momento dele e eu o respeito muito. Acho que ele � um homem muito capaz e que ele procurou fazer sempre o melhor.
O presidente Lula, na �ltima entrevista que deu, disse que ele deveria ter sido mais incisivo com a presidente Dilma na hora de cobrar mudan�as na pol�tica econ�mica, em 2015, 2016. Foi um erro?
O presidente Lula ele teve uma import�ncia muito grande na hist�ria do Brasil, porque n�s comemoramos os 100 anos de Rep�blica, come�amos a Rep�blica com os militares, depois com os bar�es do caf�, depois os bachar�is. Todo mundo teve oportunidade, o mundo inteiro lutou por esses ideais, terminamos com um oper�rio no poder, o que � uma coisa extraordin�ria. N�o h� nesse pa�s quem n�o tenha tido oportunidade de chegar � Presid�ncia e o Lula chegou sendo o homem que alargou os direitos sociais. O pa�s ficou mais justo com o Lula.
O maior legado dele � esse?
� esse mesmo, � uma coisa extraordin�ria para o Brasil. N�s come�amos todo o s�culo XIX lutando entre duas palavras, revolta e revolu��o, a revolta como um fen�meno individual e a revolu��o como um fen�meno coletivo. Chegamos ao oper�rio, fomos do capital ao trabalho sem derramamento de sangue, sem lutas fratricidas. O que no mundo inteiro foi feito com muito derramamento de sangue, aqui n�s fizemos dentro de um sistema de entendimento e de di�logo que � muito do brasileiro, do que nos caracteriza, essa capacidade de dialogar e compreender o outro.
Que conselho o senhor daria aos pol�ticos?
Procurem ter uma boa forma��o. � preciso ter cultura e isso abrange todas as �reas de conhecimento. E como toda cultura tem que ter dente de serra. Uns mais altos, outros mais baixinhos. De culin�ria, n�o sei nada. Sou adepto do prov�rbio chin�s: comer pouco, dormir muito e n�o discutir com mulher.