
Depois de dar o voto mais contundente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal contrariou o Pal�cio do Planalto e manteve a demarca��o de terras ind�genas com a Funai, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse ao Estado que o presidente Jair Bolsonaro "minimiza perigosamente" a import�ncia da Constitui��o e "degrada a autoridade do Parlamento brasileiro", ao reeditar o trecho de uma medida provis�ria que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano. "Ningu�m, absolutamente ningu�m, est� acima da autoridade suprema da Constitui��o da Rep�blica", afirmou.
Ao longo dos �ltimos meses, o decano se tornou o principal porta-voz do Supremo em defesa das liberdades individuais e de contraponto �s posi��es do governo. Alvo de um pedido de impeachment ap�s votar para enquadrar a homofobia como crime de racismo, Celso de Mello disse que a Corte n�o se intimida com manifesta��es nas ruas ou amea�as de parlamentares. "Pedidos de impeachment sem causa leg�tima n�o podem ter e jamais ter�o qualquer efeito inibit�rio sobre o exerc�cio independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas fun��es", disse.
� do decano o voto considerado decisivo no julgamento da Segunda Turma do Supremo em que a defesa do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justi�a, S�rgio Moro, de agir com parcialidade ao condenar o petista no caso do triplex do Guaruj� (SP). O ministro defendeu celeridade na an�lise do habeas corpus do ex-presidente, mas disse que sua convic��o sobre o tema n�o est� formada. Celso de Mello falou ao Estado ap�s a sess�o plen�ria de anteontem.
Por unanimidade, o Supremo imp�s nova derrota ao Pal�cio do Planalto e manteve a demarca��o de terras ind�genas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
� fundamental o respeito por aquilo que se cont�m na Constitui��o da Rep�blica. Esse respeito � a evid�ncia, � a demonstra��o do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do Pa�s, como o presidente da Rep�blica, descumprem a Constitui��o, n�o obstante haja nela uma clara e expressa veda��o quanto � reedi��o de medida provis�ria rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso � realmente inaceit�vel. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que � o princ�pio da separa��o de Poderes. Ningu�m, absolutamente ningu�m, est� acima da autoridade suprema da Constitui��o da Rep�blica.
Faltou um melhor assessoramento jur�dico para o presidente Jair Bolsonaro nesse caso?
Isso eu n�o sei, eu realmente n�o posso dizer.
O senhor deu um voto contundente, apontando "perigosa transgress�o" ao princ�pio da separa��o dos Poderes. O Supremo tamb�m contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
Aqui (na demarca��o de terras ind�genas) a clareza do texto constitucional n�o permite qualquer d�vida, � s� ler o que diz o artigo 62, par�grafo 10 da Constitui��o da Rep�blica (o texto diz que � vedada a reedi��o, na mesma sess�o legislativa, de medida provis�ria que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua efic�cia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da Rep�blica, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princ�pio da separa��o de Poderes, ele minimiza perigosamente a import�ncia que � fundamental da Constitui��o da Rep�blica e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constitui��o � estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constitui��o da Rep�blica, vulnera-se a pr�pria legitimidade do estado democr�tico de direito.
O voto na criminaliza��o da homofobia, considerado hist�rico por integrantes do STF, lhe rendeu um pedido de impeachment, assinado por deputados da ala conservadora. O senhor v� como uma forma de intimidar a Corte?
A hist�ria do Supremo Tribunal Federal, desde a primeira d�cada republicana, nos tem revelado que tentativas de intimida��o n�o t�m efeito algum. Isso ocorreu no governo do marechal Floriano Peixoto, do marechal Hermes da Fonseca e, no entanto, o Supremo manteve-se fiel ao cumprimento de sua alta miss�o institucional, que consiste na tarefa de ser o guardi�o da ordem constitucional. Pedidos de impeachment sem causa leg�tima n�o podem ter e jamais ter�o qualquer efeito inibit�rio sobre o exerc�cio independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas fun��es constitucionais. O direito de o p�blico protestar � leg�timo, ningu�m neste pa�s pode ser calado. Qualquer cidad�o tem, sim, o direito de protestar. � o direito leg�timo. Agora, intimida��es n�o s�o.
� aguardada com expectativa a posi��o do senhor no caso em que a defesa do ex-presidente Lula alega parcialidade do ent�o juiz S�rgio Moro na senten�a do triplex. O voto do senhor, que deve ser decisivo, j� foi conclu�do?
Eu tenho estudado muito, porque � uma quest�o que diz respeito n�o s� a esse caso espec�fico, mas aos direitos das pessoas em geral. Ainda continuo pensando, refletindo. Eu, normalmente, costumo pesquisar muito, ler muito, refletir bastante para ent�o, a partir da�, formar definitivamente a minha convic��o e compor o meu voto.
A convic��o do senhor j� est� formada nesse caso?
N�o, n�o, eu estou ainda em processo de reflex�o.
O senhor acha que seria ideal julgar o caso da suspei��o de S�rgio Moro o quanto antes?
A Constitui��o manda que o exerc�cio da jurisdi��o se fa�a de maneira c�lere. O direito a um julgamento justo e r�pido � um direito que hoje a Constitui��o assegura a todos, por isso eu acho que, sem distin��o de casos, � poss�vel e � necess�rio que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal da Rep�blica, decida com presteza, por�m com seguran�a.
Como o senhor avalia a situa��o da democracia brasileira?
O regime democr�tico, muitas vezes, se exp�e a situa��es de risco, mas eu confio que o regime democr�tico vai ser preservado em plenitude, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal julgar com independ�ncia, como tem efetivamente julgado.
O senhor ainda trabalha madrugada adentro, ao som de m�sica cl�ssica e bebendo Coca-Cola?
Eu gosto de trabalhar ouvindo m�sica cl�ssica, mas Coca-Cola n�o mais. Coca-Cola me deixa acordado. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.