postado em 23/10/2019 04:00 / atualizado em 23/10/2019 08:54
(foto: Fachada do Supremo Tribunal Federal, em Bras�lia)
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomam hoje o julgamento de tr�s a��es que buscam colocar um ponto final na discuss�o envolvendo o cumprimento provis�rio de pena no Brasil. Em outras palavras, eles v�o responder � pergunta: � preciso esperar que uma a��o criminal termine para que o condenado v� para a pris�o?. O pr�prio STF j� adotou entendimentos diferentes sobre a quest�o. Se em 2009 os magistrados haviam aderido � tese da “presun��o da inoc�ncia” – em que ningu�m pode ser considerado culpado at� esgotados todos os recursos –, sete anos depois deliberaram que a pena poderia ser cumprida a partir de uma condena��o em segunda inst�ncia.
Em seus votos, � comum os ministros citarem textos de juristas e at� exemplos de regras aplicadas pelos tribunais mundo afora. Mas, afinal, o que o direito internacional prev� sobre casos semelhantes aos julgados no Brasil? Antes de mais nada, � bom lembrar que as regras levam em conta o sistema judici�rio de cada pa�s. Mas especialistas dizem que, no geral, as legisla��es internacionais n�o garantem ao acusado a qualidade de inocente at� o julgamento definitivo do processo criminal – mas at� que a culpa seja legalmente comprovada.
H� exemplos de na��es em que a pris�o se d� ap�s a an�lise da primeira inst�ncia, como na Espanha e na Fran�a, onde o julgamento se d� por um grupo de ju�zes, e n�o monocraticamente, como no Brasil. Por aqui, apenas os processos contra a vida s�o julgados por um j�ri popular, que corresponde � primeira inst�ncia. H� lugares em que s�o tr�s inst�ncias da Justi�a penal – caso da Alemanha –, mas em crimes graves como homic�dio, o julgamento j� come�a na segunda esfera do Judici�rio.
A discuss�o sobre o in�cio do cumprimento da pena passa necessariamente pela ado��o ou n�o da presun��o da inoc�ncia nos demais pa�ses. Fernando Brandini Barbagalo, em Presun��o de inoc�ncia e recursos criminais excepcionais, traz uma an�lise pelo mundo. “Alguns pa�ses optaram por n�o prever expressamente a presun��o de inoc�ncia no corpo da Constitui��o (Alemanha, Argentina, Chile, Estados Unidos e Uruguai), outros se limitaram a reconhecer a garantia de forma gen�rica (Espanha e Paraguai), sendo que outros condicionaram a manuten��o do status de inocente at� a comprova��o da culpa (Canad�, M�xico, Peru e Venezuela) e alguns ao julgamento definitivo (It�lia e Portugal)”, diz o autor.
A Constitui��o brasileira adotou a mesma reda��o dos italianos e portugueses. Mas a forma de aplica��o n�o � a mesma. Assim como no Brasil, em Portugal h� quatro inst�ncias de julgamento – com exce��o de crimes com menor potencial ofensivo, que s�o julgados em tr�s esferas. O r�u s� � preso depois do tr�nsito em julgado da senten�a. J� na It�lia, � permitido o cumprimento da pena depois da condena��o em segunda inst�ncia, na chamada corte de apela��o. Embora um condenado possa recorrer � corte de cassa��o, a senten�a n�o fica suspensa.
Viola��o Para o advogado e professor de processo penal na Universidade Mackenzie Edson Knippel, ao adotar o cumprimento da pena a partir da condena��o em segunda inst�ncia, o STF fere a Constitui��o Federal e o Pacto de San Jose de Costa Rica, do qual o Brasil � signat�rio. “Eles falam em presun��o de inoc�ncia e de n�o culpabilidade, que em termos pr�ticos � a mesma coisa. O Brasil est� violando os dois”, afirmou o especialista, que defende a possibilidade de pris�es preventivas a partir da an�lise de cada caso concreto.
''Na verdade, n�s n�o vamos acabar com a impunidade suprimindo direitos e garantias fundamentais. N�o vamos manter algu�m preso por conta de uma ideia ilus�ria de impunidade''
Edson Knippel, advogado e professor de processo penal na Universidade Mackenzie
Embora reconhe�a uma certa lentid�o do Judici�rio brasileiro para julgar a��es criminais – o que n�o acontece em v�rios pa�ses onde a pris�o se d� antes do t�rmino da a��o –, Edson Knippel argumenta que essa n�o pode ser uma justificativa para que um condenado comece a cumprir a pena quando ainda cabe recurso contra sua condena��o. “Na verdade, n�s n�o vamos acabar com a impunidade suprimindo direitos e garantias fundamentais. N�o vamos manter algu�m preso por conta de uma ideia ilus�ria de impunidade”, completou.
Hist�ria
No Brasil, a discuss�o sobre o cumprimento provis�rio de pena n�o � nova. E remete � d�cada de 1940, per�odo em que o C�digo de Processo Penal determinava a pris�o logo ap�s a apresenta��o de den�ncia para os crimes com pena m�xima superior a 10 anos. D�cadas depois, em 1973, a chamada Lei Fleury estabeleceu que as pris�es s� poderiam ocorrer ap�s a condena��o por um tribunal, ou seja, a segunda inst�ncia da Justi�a. A legisla��o foi aprovada para beneficiar o delegado S�rgio Fleury, acusado de comandar o Dops, �rg�o respons�vel pela tortura e repress�o pol�tica durante o per�odo da ditadura.
A Constitui��o de 1988 trouxe a “presun��o de inoc�ncia”, instituto jur�dico em que ningu�m poder� ser considerado culpado at� que n�o caibam mais recursos contra a sua condena��o. No entanto, pelo pa�s, tribunais continuaram seguindo a regra da Lei Fleury. Em 2009, ao julgar um habeas corpus, o Supremo Tribunal Federal determinou que ningu�m poder� ser preso antes de esgotados os recursos ao Superior Tribunal de Justi�a (STJ) e ao pr�prio STF. Sete anos depois o assunto voltou � pauta dos ministros, que deliberaram pela possibilidade de pris�o ap�s decis�o de segunda inst�ncia.