
A proposta de emenda � Constitui��o (PEC) do governo federal que pretende extinguir munic�pios com at� 5 mil habitantes, cuja arrecada��o pr�pria seja inferior a 10% da receita total, foi recebida com cr�ticas e indigna��o pelos moradores de localidades atingidas pela medida. � o caso de Glaucil�ndia, de 3.160 habitantes, no Norte de Minas, e Pedra do Indai�, com 4.034 habitantes, no Centro-Oeste. Se for aprovada a proposta, a partir de 2026 as duas seriam incorporadas a munic�pios vizinhos com popula��o maior.
“Aqui as opini�es s�o quase unanimidade, praticamente todo mundo � contra a proposta de o munic�pio voltar a ser distrito”, afirma Aurindo Laurindo de Oliveira, de 73 anos, antigo morador e dono do Pitombeiras Bar, um dos pontos de encontro dos habitantes da comunidade. Conforme dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), dos 223 munic�pios mineiros com at� 5 mil moradores, 211 t�m receita pr�pria que n�o alcan�a 10% da receita total e correm o risco de ser fundidos com outros. Em todo o Brasil, s�o 1.253 munic�pios com at� 5 mil habitantes.
De acordo com o TCE, a receita pr�pria de Glaucil�ndia corresponde a apenas 1,17% de sua receita total, o que coloca o munic�pio como um dos �ltimos no ranking do tribunal, ficando acima apenas de tr�s cidades: Frei Lagonegro (1,14%) Grupiara (1,07%) e Serran�polis de Minas (0,76% de receita pr�pria). Mas, para os moradores, a rela��o receita pr�pria/receita total n�o entra em discuss�o, at� porque se trata de uma quest�o financeira, que nem todos dominam. Para eles, o que importa, em primeiro lugar, s�o os recursos recebidos pelos antigos distritos com a emancipa��o que podem ser perdidos caso voltem a ser incorporados a outros munic�pios.

“Se esse projeto for aprovado, a cidade
vai perder recursos. Vai faltar
dinheiro para a sa�de e para a educa��o”
Aurindo Laurindo, comerciante
“Se esse projeto for aprovado, a cidade vai perder recursos que v�m do governo federal. Vai faltar dinheiro para a sa�de e para a educa��o”, diz, Aurindo Laurindo, que destaca o “progresso” conquistado por Glaucil�ndia com a emancipa��o, ocorrida em dezembro de 1996. “Antigamente, isso aqui era uma estrada boiadeira. Agora � um lugar de com�rcio”, diz, fazendo refer�ncia � rua em frente ao seu bar. Ele acha, no entanto, que “a ideia n�o vai seguir adiante por causa da press�o (contr�ria) que os deputados v�o receber de prefeitos das cidades pequenas.”
Outro antigo morador de Glaucil�ndia, Jo�o Edson Freitas, de 61 anos, afirma que a cidade ter� muitas perdas se voltar a ser distrito. “Depois da emancipa��o, melhorou tudo aqui. Passou a circular mais dinheiro no lugar”, diz Freitas, que � tamb�m propriet�rio de um pequeno bar no munic�pio.
Glaucil�ndia vive uma situa��o curiosa em rela��o � proposta de fus�o dos munic�pios. Ela foi emancipada de Juramento. Mas, de acordo com o teor da PEC, Juramento tamb�m teria que ser incorporada a outra cidade porque tem menos de 5 mil habitantes (possui 4.358) e sua receita pr�pria � abaixo de 10% (3,25%) da receita total.
Por isso, no pensamento dos moradores, se a proposta encaminhada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, for aprovada no Congresso, Glaucil�ndia ser� anexada a Montes Claros, cidade polo da regi�o, de 404 mil habitantes, a 25 quil�metros de dist�ncia. No entanto, os moradores refutam a ideia de o lugar vir a ser um distrito ou – como eles mesmo dizem – virar um “bairro de Montes Claros”.

“Acho que isso � um retrocesso. O fato de
a cidade n�o ter receita n�o significa que
n�o tem estrutura para sobreviver”
Geraldo Martins de freita, prefeito de Glaucil�ndia
SEM SA�DE
“Se esta proposta vingar, vai ser um atraso para nossa cidade”, acredita John Washington Alves Santos, morador e dono de uma pequena farm�cia no antigo distrito de Juramento. “Glaucil�ndia j� est� bem estruturada na �rea de sa�de, contando com Unidade B�sica de Sa�de (UBS). Se (a comunidade) passar a pertencer a Montes Claros, vai piorar a sa�de, pois os hospitais de l� n�o d�o conta de atender o povo”, avalia. “Al�m do mais, aqui todo mundo conhece e fala com o prefeito a qualquer hora. Isso n�o acontece numa cidade maior como Montes Claros”, acrescenta. A mesma opini�o tem o trabalhador rural Jos� Vieira Alves, morador de Laranj�o, povoado do munic�pio. “Se Glaucil�ndia passar a pertencer a Montes Claros vai ser muito ruim pra gente. Uma comunidade da zona rural como a nossa vai ficar jogada �s tra�as”, reclama o lavrador.
“Ao inv�s de extinguir, o governo deveria fomentar o desenvolvimento industrial de munic�pios como nosso”, afirma o prefeito de Glaucil�ndia, Geraldo Martins de Freitas (MDB). “� um retrocesso. O fato de a cidade n�o ter receita n�o significa que n�o tem estrutura para sobreviver”, critica. Freitas afirma que est� trabalhando para atrair empreendimentos para Glaucil�ndia, aproveitando a proximidade com Montes Claros, o acesso asfaltado e outros fatores como fibra �tica para o acesso � internet. Ele disse que recentemente foi montado no antigo distrito um frigor�fico de su�nos, com 50 empregos e que negocia a instala��o de uma f�brica de colch�es. “Mas estamos indo atr�s de outras empresas”, anuncia. A prefeitura � �nica grande empregadora da cidade, com 280 funcion�rios, 110 deles do setor da educa��o. A gest�o municipal sobrevive quase que exclusivamente do Fundo de Participa��o dos Munic�pios (FPM), respons�vel por 80% de suas receitas.
REALIDADE
A proposta do governo atinge em cheio regi�es carentes como o Norte de Minas. Doze pequenas cidades entram na lista dos munic�pios que podem voltar a ser distritos, se a PEC for aprovada. “Quem defende uma proposta dessa n�o conhece a realidade do Brasil e muito menos do Nordeste e do Norte do pa�s, onde as pessoas est�o distantes do poder de decis�o”, afirma Ronaldo Mota Dias, secret�rio-executivo da Associa��o dos Munic�pios da �rea Mineira da Sudene (Amams).
Segundo ele, a proposta defendida pelo ministro Paulo Guedes, se aprovada, “ter� efeitos devastadores nos pequenos munic�pios, os chamados rinc�es”. Ele ressalta que, por causa da “independ�ncia”, os n�cleos urbanos receberam postos de sa�de, escolas, asfalto e outros benef�cios que n�o teriam se continuassem como distritos. “Al�m disso, as emancipa��es ajudaram a gerar empregos e a fixar o homem no campo, evitando o �xodo rural”.