
Bras�lia – Enquanto o mundo luta para encontrar uma forma eficaz de fazer frente a um dos v�rus mais mortais da hist�ria da humanidade, o Brasil est� em meio a outra crise, que se mostra t�o perigosa quanto a pr�pria pandemia da COVID-19. O novo coronav�rus j� matou mais de 15 mil brasileiros, mas o inimigo n�mero um do governo federal neste momento s�o os governadores. Apesar da preocupa��o dos pol�ticos, o presidente os acusa de tentar “quebrar a economia para atingir o governo” e, na �ltima semana, disse que o pa�s est� em “guerra” n�o contra a doen�a, mas contra os governantes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que compete aos estados e munic�pios decidir as suas pr�prias pol�ticas sociais e de sa�de de enfrentamento � COVID-19, mas Bolsonaro, mesmo assim, montou uma estrat�gia para se contrapor aos governadores. Pregando constantemente que a atividade produtiva do Brasil tem que voltar � normalidade, a cada semana o presidente amplia a lista de atividades consideradas essenciais, como aconteceu recentemente com a inclus�o de academias e sal�es de beleza ao rol. Assim, Bolsonaro faz press�o para que os gestores estaduais cumpram o seu decreto, mesmo n�o sendo obrigados.
Na disputa de egos, a �nica certeza � de que n�o haver� vencedores e o Brasil inteiro sair� derrotado, especialmente a popula��o, que n�o encontra nos seus l�deres p�blicos um espelho sensato para encarar a crise sanit�ria. “N�s temos dois entendimentos que est�o em choque e n�o h� sinal de que eles v�o desaparecer. Pelo contr�rio, eles devem aumentar. O presidente da Rep�blica n�o est� muito preocupado com relativizar conflitos, o que � uma insensatez. Todos n�s vamos perder. O futuro que nos aguarda � nebuloso”, alertou o doutor em ci�ncias sociais e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Ba�a.
O professor reconheceu que a pandemia “traz grandes dificuldades e dramas para qualquer pa�s” e que isso “n�o � uma quest�o exclusiva do Brasil”, no entanto, ele analisou que enquanto todos t�m conseguido administrar diverg�ncias, o mesmo n�o acontece no Brasil. Com isso, n�o h� unidade para se definir as melhores a��es de combate aos efeitos da pandemia, tanto para agora quanto para depois. “Uma situa��o de emerg�ncia que deveria ser tratada com emerg�ncia n�o recebe os devidos cuidados. Enquanto isso, a popula��o n�o sabe a quem segue. O reflexo s�o mais pessoas nas ruas. E � sabido que se n�o houver isolamento, o ritmo de cont�gio ser� maior, o que colocar� o sistema de sa�de em crise e incapaz de tratar doentes, n�o s� da covid-19”, disse Ba�a.
Embate
A falta de consenso ficou evidente na quinta-feira passada, quando Bolsonaro pediu a empres�rios para “jogar pesado” contra os governadores que t�m adotado medidas de isolamento social mais r�gidas para tentar conter a prolifera��o da COVID-19 no Brasil pois, segundo ele, “a quest�o � s�ria, � guerra, � o Brasil que est� em jogo”. Como reflexo das diverg�ncias, at� agora Bolsonaro n�o sancionou o projeto de socorro da Uni�o a estados e munic�pios, que vai ajudar os entes federativos com R$ 60 bilh�es para a��es de enfrentamento � pandemia. O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional h� mais de uma semana.
Principal desafeto de Bolsonaro, o governador de S�o Paulo, Jo�o Doria (PSDB), condenou o discurso de confronto do presidente e sugeriu a ele “sair da bolha de �dio” e come�ar a ser um l�der “se for capaz”. “Retaliar governadores que t�m cumprido sua obriga��o de atender a ci�ncia e sa�de para proteger vidas � um gesto deplor�vel. Espero que ele cumpra, se for capaz, sua promessa de menos Bras�lia e mais Brasil. E cumpra tamb�m a promessa de obedecer ao pacto federativo. S�o Paulo est� ao lado dos outros 26 estados brasileiros para defender os interesses da popula��o e proteger a vida dos brasileiros”, reclamou o governador.
Trocas ministeriais
Bolsonaro chegou a ser aconselhado na �ltima semana pelo presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a fazer uma videoconfer�ncia com governadores para tentar construir alguma ponte de di�logo. No entanto, a rela��o dele com os l�deres estaduais parece dif�cil de ser recuperada, especialmente ap�s mais uma baixa no Minist�rio da Sa�de, sobretudo pelo fato de as sa�das de Nelson Teich e de Luiz Henrique Mandetta terem acontecido porque os dois m�dicos deixaram de atender a vontades do presidente, mesmo tendo priorizado o que recomendam as autoridades sanit�rias no combate ao v�rus.
“Presidente Bolsonaro, ningu�m vai conseguir fazer um trabalho s�rio com sua interfer�ncia nos minist�rios e na Pol�cia Federal. � por isso que governadores e prefeitos precisam conduzir a crise da pandemia e n�o o senhor, presidente”, reclamou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). “A sa�da de mais um ministro da sa�de em meio da pandemia mostra como estamos � deriva no enfrentamento � crise por parte do governo federal. Ou o presidente deixa o Minist�rio agir, segundo as orienta��es da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) ou vamos perder cada vez mais brasileiros”, refor�ou o governador do Esp�rito Santo, Renato Casagrande (PSB).
Segundo o cientista pol�tico Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Bolsonaro “sempre gosta de lembrar que � dono da caneta”, no entanto, o presidente “n�o entende a diferen�a substancial entre mandar e liderar” e, em mais de 500 dias de governo, “acha mais importante confrontar do que governar efetivamente o pa�s”.
“Nesse momento, a sociedade brasileira reclama por uma lideran�a capaz de dialogar, de apontar um rumo e nos guiar. O brasileiro n�o encontra essa lideran�a na figura do presidente e as pesquisas demonstram que os governadores e at� prefeitos s�o melhores avaliados do que Bolsonaro”, pontuou o especialista.
Pronunciamento � cancelado, mas ataque n�o
O presidente Jair Bolsonaro desistiu do pronunciamento que faria em rede nacional de r�dio e televis�o na noite de ontem para defender mais uma vez o fim de medidas de isolamento social, informou a Secretaria de Comunica��o Social da Presid�ncia. Segundo apurou a reportagem, a ideia � aguardar at� que haja uma defini��o no Minist�rio da Sa�de, depois de Nelson Teich ter deixado o comando da pasta em meio � pandemia do novo coronav�rus. Ainda n�o h� previs�o para a substitui��o definitiva do ministro. Com a sa�da de Teich, o secret�rio executivo do minist�rio, general Eduardo Pazuello, assume interinamente a pasta.
No fim da tarde de ontem, Bolsonaro saiu rapidamente para cumprimentar cerca de 50 apoiadores que o aguardavam na portaria do Pal�cio da Alvorada, uma das resid�ncias oficiais da Presid�ncia, e indicou que deve participar de novas manifesta��es favor�veis ao governo ontem. “Onze horas na rampa”, comentou, em refer�ncia � rampa do Pal�cio do Planalto, de onde costuma acompanhar os protestos. No passeio de ontem na frente do Alvorada, Bolsonaro disse que n�o falaria com jornalistas.
Bolsonaro tamb�m assistiu � cerim�nia de descendimento da Bandeira Nacional no Alvorada. A alguns metros, dezenas de apoiadores aglomeravam-se para tirar fotos e acompanhar a cena. Pouco antes, quando algumas pessoas pediram para fazer um registro mais pr�ximo, Bolsonaro negou. “Se eu chegar perto, voc�s v�o ver a festa que vai fazer”, disse o presidente em refer�ncia aos jornalistas.
O presidente atacou novamente as regras de isolamento total adotadas em alguns estados brasileiros na sua conta do microblog Twitter em postagem ontem. “O desemprego, a fome e a mis�ria ser� (sic) o futuro daqueles que apoiam a tirania do isolamento total”, escreveu Bolsonaro. Na postagem, o presidente reproduz um v�deo do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, detalhando o pagamento do aux�lio emergencial de R$ 600. Em seguida, o presidente postou um v�deo de um bloqueio de tr�fego no bairro da Imbiribeira, em Recife, Pernambuco. O v�deo era de um apoiador criticando o governador pernambucano, Paulo C�mara (PSB), acusando-o de n�o deixar passar no bloqueio quem vestia a camisa do Brasil ou que exibia a bandeira brasileira nos carros.
Cloroquina
Tamb�m pelo Twitter, Bolsonaro voltou a defender, ontem, o uso da cloroquina, que ainda n�o tem efic�cia comprovada para o tratamento da covid-19. Na rede social, Bolsonaro compartilhou uma frase que diz que “um dos efeitos colaterais da cloroquina, rem�dio barat�ssimo, � prevenir a corrup��o”. A cloroquina tem sido indicada com precau��o por m�dicos principalmente devido aos riscos card�acos.