
Protagonistas do governo, os militares t�m assistido sem contesta��o a uma guinada do presidente Jair Bolsonaro. Com 6.157 cargos em todos os escal�es da administra��o federal, a ala militar optou por se manter em sil�ncio diante da decis�o do chefe do Executivo de se aliar ao velho Centr�o, de se juntar a quem sempre criticou e tamb�m de suas frequentes "cotoveladas" nos generais da Esplanada dos Minist�rios.
Com Bolsonaro desde a campanha, os militares eram vistos por parte do eleitorado como uma garantia de que o presidente, um pol�tico oriundo do baixo clero e com forte vi�s ideol�gico, seria tutelado. Eleito, Bolsonaro virou o jogo, ofereceu privil�gios e hoje recebe dessa ala consentimento at� mesmo quando d� um "cala a boca" p�blico num general da ativa.
Poucas horas depois de ter sido desautorizado publicamente com um "Quem manda sou eu, n�o vou abrir m�o da minha autoridade" - e obrigado a cancelar o acordo para a compra de 46 milh�es de doses da vacina contra covid-19 -, o ministro da Sa�de, general Eduardo Pazuello, recebeu a visita de Bolsonaro - que saiu de l�, na quinta-feira, com o que foi buscar. "� simples assim: um manda e outro obedece", disse o general, com um leve sorriso no rosto. O v�deo, gravado no hotel onde Pazuello se recupera do tratamento de coronav�rus, revela, ainda, que ele seguiu mais uma instru��o do chefe: n�o usava m�scara. Bolsonaro tamb�m estava sem a prote��o no rosto.
Nesse e em outros epis�dios que os atingiram, os militares preferiram n�o reagir. Os generais da reserva Hamilton Mour�o, vice-presidente; Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Seguran�a Institucional (GSI), e Eduardo Villas B�as, ex-comandante do Ex�rcito, al�m dos demais oficiais influentes, deixaram de lado os discursos contundentes que marcaram a gera��o militar p�s-ditadura.
Esc�ndalo
Nas �ltimas semanas, eles tamb�m adotaram o sil�ncio quando Bolsonaro escolheu o desembargador Kassio Marques, ligado ao Centr�o, para o Supremo Tribunal Federal, e ap�s o esc�ndalo protagonizado pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR), ent�o vice-l�der do governo, flagrado pela Pol�cia Federal com dinheiro na cueca. Ficaram calados, ainda, quando Bolsonaro atacou o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justi�a S�rgio Moro.
As postagens de Villas B�as no Twitter, em um passado n�o muito distante, sempre eram aguardadas a cada esc�ndalo pol�tico e movimento de opositores. Em abril de 2018, por exemplo, �s v�speras do julgamento pelo Supremo do habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, Villas B�as repudiou a "impunidade". Procurado pelo Estad�o, o general n�o quis se pronunciar. A amigos, ele tem dito que, neste momento, a "maior contribui��o � o sil�ncio".
A omiss�o sobre os �ltimos movimentos do governo virou motivo de meme nas redes sociais. "N�o se esque�a de parabenizar as conquistas de nossos militares que se sacrificaram pela Na��o: conseguiram se safar da reforma da Previd�ncia; ganharam aumento durante a pandemia; v�o se safar da reforma administrativa e v�o ganhar mais dinheiro do que o Minist�rio da Educa��o", diz um deles.
O general da reserva Luiz Ces�rio da Silveira Filho, ex-comandante Militar do Leste, no Rio de Janeiro, e cr�tico da ex-presidente Dilma Rousseff por causa da cria��o da Comiss�o da Verdade, considerou "um engano" achar que as For�as Armadas poder�o ser prejudicadas pela exist�ncia de militares no governo. "O povo sabe separar isso da�", disse ele. "N�o tinha outra sa�da (a n�o ser se aliar ao Centr�o) para garantir governabilidade e aprovar medidas."
Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o pesquisador Carlos Melo rejeita a tese quase hegem�nica na caserna de que a alian�a com o Centr�o era inevit�vel para garantir a governabilidade. "Alguns militares podem achar isso porque foram convencidos ou se deixaram convencer. S� que Bolsonaro se cercou do Centr�o tamb�m por suas conveni�ncias, que envolvem quest�es pessoais, de Justi�a, os filhos, a fam�lia", observou.
Melo avalia que Bolsonaro n�o precisava do Centr�o para garantir a aprova��o de projetos na C�mara e no Senado porque, mesmo sem base parlamentar, ele contou com "boa vontade extraordin�ria" do Congresso, aprovando, inclusive, a reforma da Previd�ncia. "A aproxima��o com o bloco foi quest�o de prote��o. Bolsonaro se aliou ao Centr�o n�o para ter governabilidade, mas para ter blindagem por conta dos seus problemas pol�ticos e at� familiares", argumentou o pesquisador do Insper.
Coaliz�o
Antecessor de Heleno no GSI, o general da reserva S�rgio Etchegoyen defende o modelo de "governo de coaliz�o" do Planalto. Ex-ministro do governo Michel Temer, Etchegoyen disse � reportagem que "imaginar que seja poss�vel governar um pa�s complexo sem fazer composi��o nem alian�as � um sonho imposs�vel". Em sua avalia��o, "a composi��o, quando � sadia, tem um grande benef�cio".
O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann advertiu, por sua vez, que os militares e as For�as Armadas t�m muito a perder ao se identificar com um governo, e n�o com a "totalidade" da Na��o. "Esse � um risco que deve ser evitado a todo custo", destacou Jungmann. Um ex-integrante do Alto Comando das For�as Armadas, que preferiu n�o dar declara��es p�blicas sobre o tema, admitiu existir na sociedade "uma percep��o muito grande" de que as For�as Armadas est�o extremamente associadas ao presidente.