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Estado de Minas PODER

Juristas apontam riscos e criticam proposta de mudan�a da Constitui��o

L�der do governo na C�mara, Ricardo Barros rebate cr�ticas de que PECs seriam suficientes para corrigir 'excesso de direitos' presente na Lei maior; s� h� necessidade de nova Carta em casos de ruptura institucional, insistem juristas


02/11/2020 12:34

(foto: Arquivo/EBC)
(foto: Arquivo/EBC)
L�der do governo na C�mara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR) provocou muita controv�rsia ao propor uma nova Constitui��o em meio � pandemia, apenas 32 anos ap�s a promulga��o da atual Carta Magna brasileira. Para o parlamentar com seis mandatos no Congresso, a Constitui��o “s� tem direitos” e tornou o Brasil “ingovern�vel”. Ricardo Barros entende que, assim como o Chile, o Brasil deveria realizar um plebiscito para decidir sobre uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Juristas ouvidos pelo Correio, no entanto, s�o frontalmente contr�rios ao posicionamento do parlamentar. Afirmam que uma nova constituinte geraria instabilidade e ressaltam n�o haver fato que justifique uma nova Carta Magna.

Professor de direito constitucional da Funda��o Getulio Vargas em S�o Paulo (FGV-SP), Roberto Dias � categ�rico: “N�o faz o menor sentido convocar uma nova constituinte no momento”. “N�o tenho d�vida de que � perigoso e de que � fundamental acompanhar com aten��o essas propostas que, na verdade, s�o propostas para ruptura da ordem constitucional e, provavelmente, como o pr�prio discurso se mostra, um caminho para redu��o de direitos”, afirma.

Dias explica que as constituintes s�o convocadas quando h� mudan�a dr�stica no sistema, como quando ocorreu o golpe militar de 1964. Na �poca, o regime imp�s uma nova Constitui��o, em 1967. O fim do regime militar e a redemocratiza��o, por sua vez, significaram uma nova ruptura. Mostrou-se necess�rio, ent�o, por fim � Constitui��o sob a �gide do autoritarismo e instalar uma Carta democr�tica.

Segundo o professor, a Constitui��o Federal pode ser alterada via emendas constitucionais, e � normal que esse processo de aprova��o exija um prazo maior de discuss�o. A ideia � formar um consenso e uma articula��o perante a uma efetiva necessidade de mudan�a. “Ela (a articula��o) protege o pa�s contra �mpetos pol�ticos espor�dicos”, explica Roberto Dias. Ele alerta que, quando se fala em uma nova Constitui��o, sugere-se a inten��o de excluir as cl�usulas p�treas da atual — dispositivos que n�o podem ser alterados.

As cl�usulas p�treas determinam que “n�o ser� objeto de delibera��o a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e peri�dico; a separa��o dos Poderes; e os direitos e garantias individuais”. “O discurso do deputado l�der do governo manifesta, obviamente, que o interesse � retirar direitos, algo que ele n�o pode fazer por meio de emendas, felizmente”, afirma Dias.

Professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito na Universidade de S�o Paulo (USP), Elival da Silva Ramos ressalta que “tudo � ‘aprov�vel’ por emendas”. “Muita coisa j� foi aperfei�oada, emendas importantes. As nossas cl�usulas p�treas s�o simples, que dizem respeito � democracia e a direitos individuais”, frisa. Ele v� um risco ao se propor a convoca��o de uma constituinte fora de um contexto de crise no sistema democr�tico, aparentemente querendo mexer em cl�usula p�trea e “em um governo com a pecha de autoritarismo”.

“A pr�tica de Bolsonaro enquanto parlamentar sempre foi de muita cr�tica � democracia e elogios � ditadura. Paira sobre a figura do presidente uma suspeita de n�o ter muito apre�o pela democracia. Ent�o, nessas condi��es, uma constituinte � um risco imenso, porque voc� n�o sabe o que vai sair disso”, relata Silva Ramos. Ele ressalta n�o ver raz�o alguma para convocar uma nova constituinte. Al�m disso, segundo o professor, a discuss�o paralisaria o pa�s em um momento j� de grave crise econ�mica e social. E, diferentemente da Constitui��o do Chile, forjada pela ditadura de Augusto Pinochet, a brasileira foi elaborada por uma constituinte que buscou a maior participa��o social, compara Ramos.

Professor titular de Direito Constitucional da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP), Luiz Alberto David Ara�jo afirma que a Constitui��o brasileira “reestabeleceu direitos que haviam sido perdidos durante um governo autorit�rio”, por isso, a sua import�ncia. “A Constitui��o � para ter direitos mesmo. Mas, para cada direito, gera uma obriga��o. E eu nunca vi ningu�m reclamar que tem muito direito. O que se est� querendo � minimizar os direitos que foram conquistados com muita luta”, ressalta.

O constitucionalista lembra que os parlamentares foram eleitos com obriga��es e direitos j� previstos na Constitui��o, e que “dizer que quer modificar o rol dessas obriga��es, retirando direitos, n�o foi o 'combinado'”. “N�o conhecia o rol de direitos quando se candidatou? O artigo 5º � uma novidade?”, questiona. Para o professor, � perigoso iniciar o processo de criar uma nova Carta sob a alega��o de que a atual cont�m muitos direitos.

O professor ressalta que a Constitui��o pode ser alterada via emenda, preservando-se as cl�usulas p�treas. “Seria muito importante o parlamentar dizer exatamente qual o desejo dele; quais direitos ele n�o gosta; quais ele quer tirar”, explica. Ara�jo frisa que n�o h� nada que justifique uma nova Constitui��o, e que os ajustes podem ser feitos na atual. Para ele, o governo pode achar mais “f�cil” mudar a Constitui��o do que enfrentar os problemas e os desgastes de temas complicados e decis�es dif�ceis.

“Sociedade sequelada”

Professora de direito constitucional da USP de Ribeir�o Preto e do Centro Universit�rio de Bauru (CEUB), Eliana Franco Neme afirma que a atual Carta � produto de uma “sociedade sequelada”, p�s-ditadura, em um contexto de poucos direitos. Assim, o documento buscou dar for�a ao indiv�duo e ‘segurar’ o Estado, algo que a antiga Carta Magna n�o fazia. “Ela estabelece uma s�rie de direitos mesmo, mas n�o � que ela n�o estabele�a deveres. Talvez a nossa sociedade ainda n�o tenha maturidade para entender alguns deveres. Tem que educar o cidad�o, o parlamentar, e n�o mudar a Constitui��o”, explica.

A constitucionalista ressalta que alterar a Constitui��o em um momento de clima t�o polarizado, como se vive hoje no Brasil, “seria um horror”, e traria a possibilidade de se gerar mais confus�o. “A nossa Constitui��o, at� com os erros dela, foi produto de uma vontade muito grande de acertar, de acomodar a sociedade que estava saindo de um regime militar”, relata.

Eliana Neme explica que os temas presentes na Lei suprema foram alvo de intensos debates. Em casos em que n�o havia consenso, o constituinte deixou para o legislador definir posteriormente. Ela afirma que os parlamentares, no entanto, s�o omissos. Segundo ela, at� hoje existem artigos que n�o foram disciplinados, como a normatiza��o de imposto sobre grandes fortunas. “Est� na Constitui��o, mas at� hoje ningu�m falou nisso. A culpa n�o � dela”, frisa a jurista.

Assim como os outros especialistas consultados pelo Correio, a docente refor�a que os �nicos pontos que n�o podem ser alterados s�o as cl�usulas p�treas. “A pr�pria Constitui��o nos traz o seu prazo de validade. Quando o constituinte coloca as cl�usulas que n�o podem ser mudadas, ele diz o seguinte: ‘o dia que voc�s entenderem que esses princ�pios n�o devem mais nortear a nossa sociedade, a� tem que trocar de Constitui��o. O dia que acharem que o federalismo n�o � importante, os direitos individuais, a separa��o de Poderes, a� tem que trocar'. Tecnicamente, ela trouxe no texto dela o indicativo da sua morte”, afirma.

Entrevista
Ricardo Barros (DEPUTADO FEDERAL (pp-pr), L�DER DO GOVERNO NA C�MARA)
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press - 29/9/20)
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press - 29/9/20)

“N�s j� fizemos 120 emendas em 30 anos”

Para o senhor, a Constitui��o tem muitos direitos, o que torna o Brasil ingovern�vel. Mas a Carta pode ser alterada por meio de Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC), com exce��o das cl�usulas p�treas. O senhor quer mudar alguma delas?

Veja bem, n�o estou fazendo uma prele��o pontual; estou propondo uma reflex�o. N�o � que eu quero mudar isso ou aquilo. Acho que temos uma Constitui��o prolixa, com muitos artigos, e, por isso, � que precisa de tanta PEC, porque tudo est� na Constitui��o. Assim, se quer mudar algo, tem que mudar a Constitui��o (via PEC).

Por isso, vejo que a gente devia ter uma Constitui��o mais enxuta e ter um diploma legal infraconstitucional mais amplo, de modo que a gente pudesse ter mais facilidade de adequar o pa�s �s necessidades; ou ao novo contexto mundial de tecnologias; ou aos novos valores, como a gente est� vendo a� muitas mudan�as dos valores da fam�lia; e a quest�o tribut�ria. A carga tribut�ria no Brasil j� est� em 35%. N�o d� para aumentar mais e a gente n�o consegue pagar a conta dos direitos que foram estabelecidos. Como a gente vai equilibrar isso? S� nesse momento estou precisando aprovar quatro emendas constitucionais: a reforma administrativa, tribut�ria, o pacto federativo e a PEC Emergencial. � sinal claro que o sistema est� esgotado.

Quais direitos atrapalham a governabilidade?

S�o muito, mas, por exemplo, a estabilidade do servidor, a irredutibilidade do sal�rio, a isonomia, que inviabiliza a meritocracia. Hoje, a maior despesa da na��o � com servidores ativos e inativos. A gente paga produtividade para funcion�rio aposentado. Esse � o Brasil. Se a gente n�o conseguir alterar essas coisas… Ali�s, as reformas s�o para isso. Lembre-se de que n�s votamos agora — foi a primeira vota��o minha como l�der do governo — o veto 17, que congelou os sal�rios dos servidores, progress�o, tudo, at� 2021. E onde est� dizendo que tem que corrigir automaticamente, que tem direito � progress�o? A Constitui��o. Temos que poder nos adaptar. Como diz o ditado: “na natureza, n�o sobrevivem os mais inteligentes, nem os mais fortes; sobrevivem os que melhor se adaptam”. E a nossa Constitui��o n�o nos permite velocidade de adapta��o.

Mas, o funcionalismo pode ser alterado via PEC. Sabemos que existe uma resist�ncia por parte do governo. Os pol�ticos n�o gostam de mexer com o funcionalismo.

N�o estou querendo discutir o que gosta ou n�o; se � bom ou ruim. Sempre � ruim tirar direito de algu�m. Mas, n�o d� para cobrar imposto e n�o d� para pagar os direitos que est�o a�. Qual � a solu��o? Vamos reformando pontualmente todo ano, de novo e de novo. A nossa reforma previdenci�ria j� foi aprovada e, daqui uns cinco anos, vamos ter que fazer outra reforma, porque essa vai ter esgotado o seu efeito. � preciso que as pessoas tenham consci�ncia de que tudo que a nossa Constitui��o garante de direitos n�o � compat�vel com a capacidade contributiva do contribuinte, do cidad�o. Temos uma conta para pagar, mas n�o temos dinheiro para pagar a conta.

Mas, esse impasse n�o decorre de uma dificuldade do pr�prio governo em aprovar as PECs?

N�o, n�o � dificuldade do governo em se articular. O governo vai aprovar as PECs, j� aprovou a da Previd�ncia e vai aprovar as demais. Mas, por que, agora, a gente conseguiu aprovar a PEC da Previd�ncia e n�o conseguiu nos anos anteriores? Porque Rio de Janeiro ficou sem pagar sal�rio; Rio Grande do Sul, tamb�m; Minas Gerais ficou sem pagar sal�rio e aposentadoria. As pessoas perceberam: “Poxa vida, esse problema que est�o falando existe mesmo”. Porque as pessoas sempre pensam que o problema � dos outros, n�o � delas, n�? Mas, o problema existe para todos. Ser� que vamos ter que ter as crises, fratura exposta para tomar provid�ncia?

O que o senhor prop�e, ent�o?

Veja bem, estou propondo s� um plebiscito. Quem vai decidir � o povo. O que eu estou dizendo � que eu acho que cabe uma reflex�o sobre uma nova Constitui��o, ou sobre emendar a Constitui��o. Isso a� � uma coisa que cada um d� a sua opini�o. Estou muito feliz com as in�meras opini�es favor�veis que tenho recebido, e, obviamente, a resist�ncia dos privilegiados, porque sabe que n�o vai conseguir em uma outra Constitui��o esse excesso de garantias que conseguiu nessa. E n�o quero discutir o que tem que mudar, o que n�o tem que mudar. Est� na cara que tem que mudar. N�s j� fizemos 120 emendas em 30 anos e precisa de mais algumas urgentes, sen�o a gente n�o fecha a conta. A Constitui��o americana tem 300 anos e 28 emendas. Estamos h� seis anos no deficit fiscal prim�rio. O administrador n�o � incompetente, ele � engessado, n�o consegue tomar decis�o. Tudo est� indexado, vinculado. A despesa cresce automaticamente, ningu�m est� autorizando. A autoriza��o est� na Constitui��o. Se tem ou n�o tem dinheiro, ningu�m quer saber. Est� evidente que n�s temos que repensar.

O senhor disse que viu muitas manifesta��es favor�veis, mas tamb�m h� muitas desfavor�veis. Constitucionalistas argumentam que a discuss�o gera instabilidade, que n�o se justifica. E que n�o � o momento, considerando a pandemia. � a hora ideal para discutir uma nova Constitui��o?

� s� uma quest�o m�dica. Voc� tem que saber quando pode curar com tratamento ou quando precisa de cirurgia. Eu estou achando que a gente precisa de cirurgia, e esses est�o achando que um tratamento resolve. Opini�es m�dicas s�o divergentes, n�. Temos um problema e as pessoas est�o tendo vis�es diferentes de como resolver o problema. � absolutamente natural isso. As pessoas t�m opini�es diferentes sobre como resolver um problema que o Brasil est� passando. O Brasil est� invi�vel.


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