
Quando o calend�rio das elei��es municipais � definido, h� um ciclo paralelo tamb�m esperado por quem estuda a viol�ncia contra pol�ticos: o de amea�as e assassinatos contra candidatos, riscos historicamente maiores para postulantes a cargos de vereador e prefeito, em compara��o �queles escolhidos nas elei��es gerais.
E a elei��o municipal de 2020 est� confirmando o padr�o dos pleitos anteriores, com pelo menos 25 candidatos assassinados no per�odo eleitoral at� agora em todo o pa�s, segundo o cientista pol�tico Felipe Borba, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coordenador do Grupo de Investiga��o Eleitoral (GIEL) da universidade (que publica periodicamente boletins sobre viol�ncia pol�tica e eleitoral em seu site).
Este n�mero pode crescer j� que, segundo Borba, "a intensidade da viol�ncia eleitoral tende a ser maior quanto mais pr�ximo estiver o dia da elei��o" e o segundo turno s� ser� realizado em 29 de novembro.
Os 25 homic�dios nesta elei��o j� superam a campanha inteira de 2016, quando foram registrados 23 candidatos assassinados. No pleito de 2012, foram 16 v�timas, e em 2008, 25.
O problema nas elei��es gerais tem dimens�o bem menor, como mostram os n�meros para 2014 (1 assassinado), 2010 (1), 2006 (1), e 2002 (3).
Embora aponte que o n�mero de candidatos assassinados nesta elei��o seja por enquanto pouco diferente numericamente das anteriores, Borba faz observa��es preocupantes sobre 2020.
"Esse ano h� mais volume (de crimes) e est� mais vis�vel. Tivemos alguns casos de pol�ticos que sofreram atentados ao vivo, enquanto faziam transmiss�es ao vivo — ent�o � uma viol�ncia que perdeu o medo de se mostrar", aponta o professor da Unirio, que j� publicou diversos artigos sobre viol�ncia eleitoral e pol�tica, e tamb�m coordena projetos de pesquisa sobre o assunto.
Um destes casos aconteceu na segunda-feira (9/11) em Guarulhos (SP), onde o candidato a vereador Ricardo Moura (PL) foi baleado por um homem encapuzado enquanto fazia uma transmiss�o ao vivo nas redes sociais. A BBC News Brasil tentou confirmar seu estado de sa�de, mas n�o conseguiu contato com a campanha. Segundo um boletim do dia 10, por�m, Moura estava hospitalizado e passava bem. O caso est� sendo investigado pela Pol�cia Civil.
J� em 24 de setembro, C�ssio Remis (PSDB), candidato a vereador em Patroc�nio (MG), foi assassinado a tiros em um ataque que come�ou enquanto fazia uma transmiss�o ao vivo verbalizando den�ncias contra a Prefeitura. O ent�o secret�rio de Obras da cidade, Jorge Marra, que tamb�m � irm�o do prefeito, foi preso acusado pelo crime.
"A viol�ncia pol�tica est� muito escancarada, por isso precisa ter controle. E isso s� vai acontecer se os respons�veis forem punidos", aponta Borba, sugerindo a cria��o de n�cleos e delegacias permanentes e especializadas em crimes pol�ticos.

Hoje, estes costumam ser investigados por delegacias de homic�dios das pol�cias civis — que, no Brasil, j� tentam dar conta de dezenas de milhares de assassinatos por ano. Em 2019, foram 41.635 homic�dios no pa�s e, em 2018, 51.558, segundo levantamento do portal de not�cias G1.
Felipe Borba argumenta que embora o n�mero de v�timas das viol�ncia eleitoral n�o passe da casa das dezenas nas elei��es municipais, seus efeitos negativos na democracia brasileira s�o multiplicados.
Al�m dar dor de amigos e familiares das v�timas, crimes contra pol�ticos t�m reflexos na desist�ncia de pessoas que poderiam concorrer a algum cargo mas se sentem amea�adas; na realiza��o de eventos de campanha em determinados lugares; e tamb�m na coa��o de eleitores por poderes locais, como pelas mil�cias no Rio de Janeiro. Para o pleito atual, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu pedidos de refor�o na seguran�a em mais de 500 munic�pios em todo o Brasil.
"A cria��o de delegacias especializadas se justifica porque (a viol�ncia eleitoral) tem um impacto muito grande na qualidade da democracia. Interfere na qualidade da representa��o, nas pol�ticas p�blicas a serem decididas. Afeta da livre escolha dos eleitores � oferta de candidatos e � atua��o parlamentar. � preciso dar uma resposta firme a esse problema."
Outra tend�ncia preocupante j� observada em 2020 foi um grande n�mero de assassinatos de lideran�as pol�ticas (pol�ticos no exerc�cio do mandato, ex-pol�ticos, candidatos, pr�-candidatos, ex-candidatos e funcion�rios da administra��o p�blica) no per�odo pr�-eleitoral — anterior �s conven��es partid�rias, quando as candidaturas s�o oficializadas. Neste ano, este marco aconteceu em 16 de setembro.
Foram 71 assassinatos de lideran�as pol�ticas no per�odo pr�-eleitoral — embora Borba e sua equipe n�o fizessem esse c�lculo nos anos anteriores, o pesquisador afirma que se trata de um n�mero "muito grande". O grupo usa informa��es de �bitos de candidatos no sistema DivulgaCand, da Justi�a Eleitoral, combinadas com not�cias publicadas na internet sobre o assunto, rastreadas com alertas envolvendo cerca de 50 palavras-chave.
Chama tamb�m a aten��o este ano o n�mero de familiares de pol�ticos assassinados: 20, sete deles no per�odo eleitoral.
Al�m do per�odo pr�-eleitoral — quando a motiva��o de crimes � impedir advers�rios de concorrer — e do per�odo eleitoral em si — quando busca-se impedir que um concorrente fa�a campanha —, a viol�ncia pode ocorrer ainda depois da elei��o, embora isto seja mais raro. Por isso, Borba defende a��es preventivas "permanentes", que considerem todo esse ciclo.
Ainda assim, o pesquisador explica que, em casos individuais, muitas vezes � dif�cil definir uma causalidade entre a motiva��o e o crime.
"A pergunta mais dif�cil de ser respondida � se o crime tem motiva��o pol�tica ou n�o — porque existe pouca informa��o sobre isso. Os inqu�ritos s�o sigilosos e a taxa de elucida��o desses crimes � baixa. Se a gente n�o sabe quem s�o os autores dos homic�dios ou dos atentados, a gente fica sem saber qual � a motiva��o: se realmente pol�tica ou n�o."
Perfil das v�timas: homens em pequenos munic�pios
Se h� lacunas sobre casos individuais, por outro lado h� tend�ncias bastante evidentes no conjunto de casos de viol�ncia eleitoral no pa�s.
Um artigo que analisou o perfil dos candidatos assassinados entre 1998 e 2016 mostrou que 94% das v�timas eram homens — o que pode ser explicado em parte pela maior presen�a deles na pol�tica em geral.
Tamb�m a grande maioria, 90% dos crimes, aconteceram em cidades com menos de 200 mil eleitores, onde as elei��es t�m somente um turno. Os munic�pios com at� 50 mil eleitores foram respons�veis por 66% dos homic�dios.
Segundo Felipe Borba, a disputa por recursos a n�vel local est� na base da viol�ncia eleitoral no Brasil.
"A Constitui��o de 1988 promoveu uma descentraliza��o administrativa e pol�tica in�dita. Progressivamente, os poderes e os recursos concedidos �s autoridades locais foram ampliados. Hoje, em muitos dos pequenos munic�pios, a prefeitura � a principal fonte de renda. Ter acesso � prefeitura � praticamente ter o controle econ�mico e territorial do munic�pio."
E isso frequentemente vai ao encontro de atividades ilegais.
"A presen�a nesses espa�os de decis�o pol�tica local — nas prefeituras, c�maras dos vereadores — permite evitar a aprova��o de certas normas que podem dificultar a a��o e aumentar os custos de criminosos que v�o se infiltrando na pol�tica", afirma o pesquisador, dando mais uma vez o exemplo das mil�cias do Rio de Janeiro, que t�m como uma fonte de arrecada��o a constru��o de im�veis em locais proibidos — o que esbarra no zoneamento urbano, uma das fun��es dos poderes municipais.
Por isso, Borba diz que a viol�ncia contra pol�ticos � predominantemente "alheia a quest�es ideol�gicas e a debates sobre pol�ticas p�blicas" — e sim resultado de disputas pelo poder local.
"A viol�ncia nas elei��es varia muito de acordo com as caracter�sticas regionais dos Estados e munic�pios. No Rio de Janeiro, h� a marca do envolvimento de atores pol�ticos no crime organizado; no Par�, das disputas pela posse de terra; e em outros lugares, das disputas entre elites locais."
No mapeamento de assassinatos entre 1998 e 2016, a viol�ncia contra pol�ticos foi considerada um "fen�meno nacional", detectada em todas as regi�es do pa�s. Sudeste e Nordeste lideraram com 27 homic�dios cada (68% dos casos); seguidos do Centro-Oeste (14%), Norte (11%) e Sul (6%).
Assassinato de Marielle Franco e viol�ncia na elei��o presidencial de 2018
H� epis�dios recentes que ganharam visibilidade nacional e at� internacional que fogem ao perfil predominante de viol�ncia contra pol�ticos estudado pelo Grupo de Investiga��o Eleitoral da Unirio (GIEL).
� o caso do assassinato de Marielle Franco, vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro, em 2018.
"Ela tinha uma atua��o parlamentar contra grupos milicianos do Rio de Janeiro e foi punida por isso — assassinada. Fica muito claro que, nesse caso, a motiva��o do crime foi a pr�pria atua��o pol�tica da v�tima", aponta Borba, destacando que esta investiga��o, como muitas outras envolvendo pol�ticos, at� hoje n�o foi solucionada.
E se historicamente as elei��es nacionais n�o s�o marcadas pela viol�ncia como as municipais, foi na campanha de 2018 que o ent�o candidato do PSL e atual presidente Jair Bolsonaro foi esfaqueado por Ad�lio Bispo de Oliveira — que segundo conclu�ram investiga��es da Pol�cia Federal, agiu sozinho e sem mandantes.
Naquele ano, em mar�o, dois �nibus da caravana do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) foram atingidos por tiros no Paran� — mas ningu�m ficou ferido.
"2018 foi um ano at�pico — o primeiro em que observamos viol�ncia contra pol�ticos nacionais. Foi at�pico em muitos sentidos, e a polariza��o pol�tica foi um deles. Em 2010, o registro mais violento de que tenho lembran�a foi a bolinha de papel atirada no Serra (Jos� Serra, ent�o candidato � presid�ncia pelo PSDB)", brinca Felipe Borba, acrescentando acreditar ser dif�cil que epis�dios de viol�ncia a n�vel nacional se repitam em 2022.
O pesquisador afirma que a viol�ncia sempre foi um instrumento pol�tico no pa�s e na Am�rica Latina — no M�xico e na Col�mbia, inclusive, o n�mero de v�timas e a dimens�o dos crimes � consideravelmente maior que no Brasil.
Mas, por aqui, o cen�rio e atores em jogo mudaram com o tempo.
"Nos anos 60 e 70, a viol�ncia pol�tica era nacional e ideol�gica — porque envolvia modelos de Estado. Eram ditaduras de direita versus grupos guerrilheiros de esquerda. Nenhum desses grupos acreditava na elei��o como forma de resolu��o pac�fica de conflitos", explica o pesquisador.
"Com o processo de redemocratiza��o na Am�rica Latina nos anos 80, essa viol�ncia a n�vel nacional foi se deslocando para a pol�tica local."
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!