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Estado de Minas REPERCUSS�O

A hist�ria de Alzira Soriano, a primeira mulher a virar prefeita no Brasil

Eleita em 1928, quando as mulheres nem podiam votar no Brasil, Alzira Soriano foi destaque at� no The New York Times


27/11/2020 17:36 - atualizado 27/11/2020 18:22

Posse de Alzira Soriano na prefeitura de Lajes, junto com seu secretariado(foto: Arquivo Pessoal/Rudolfo Lago)
Posse de Alzira Soriano na prefeitura de Lajes, junto com seu secretariado (foto: Arquivo Pessoal/Rudolfo Lago)

Em 1928, um acontecimento pol�tico ocorrido em uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Norte teve repercuss�o at� nos Estados Unidos.

No dia 8 de setembro daquele ano, o jornal The New York Times dedicou espa�o a uma not�cia inusitada sobre o Brasil.

 

 

 

Numa �poca em que as mulheres brasileiras sequer tinham direito ao voto e pol�tica era assunto exclusivo do universo masculino, a jovem Alzira Soriano, de 32 anos, n�o apenas votou como disputou e venceu as elei��es municipais daquele ano em Lajes, um pequeno munic�pio no interior do Rio Grande Norte.

A not�cia, publicada na p�gina 9 do jornal norte-americano, chamava a aten��o para o fato de Alzira ser a primeira mulher eleita prefeita em um pa�s que ainda n�o havia permitido o sufr�gio feminino - o que s� aconteceria quatro anos depois, ap�s a promulga��o do C�digo Eleitoral de 1932 pelo presidente Get�lio Vargas.

"Foi uma proeza e tanto a elei��o de uma mulher para prefeitura naqueles tempos de intensa misoginia. Ademais, a elei��o dela implicou um desafio expl�cito ao marco jur�dico da �poca, que vedava direitos pol�ticos �s mulheres", explica o cientista pol�tico e professor da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), Ant�nio S�rgio Rocha.

A elei��o de Alzira Soriano ocorreu gra�as a uma lei estadual que autorizava a participa��o das mulheres na pol�tica potiguar.

"No Rio Grande do Norte poder�o votar e ser votados, sem distin��o de sexos, todos os cidad�os que reunirem as condi��es exigidas por esta lei", diz o texto da Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, conforme registro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN).


Alzira (à direita) visitando Brasília com a irmã Inês, na época da inauguração da capital(foto: Arquivo Pessoal/Rudolfo Lago)
Alzira (� direita) visitando Bras�lia com a irm� In�s, na �poca da inaugura��o da capital (foto: Arquivo Pessoal/Rudolfo Lago)

Na �poca, o governador potiguar Jos� Augusto Bezerra de Medeiros justificou a assinatura da lei 660 com base em uma leitura atenta da Constitui��o vigente, de 1891, que n�o fazia distin��o entre homens e mulheres em rela��o ao direito ao voto.

"A Constitui��o fala apenas em cidad�os, n�o distinguindo se � homem ou mulher", afirmou ele.

No mesmo ano da entrada em vigor da Lei 660, a professora Celina Guimar�es Viana, de Mossor� (RN), requisitou seu t�tulo eleitoral, tonando-se oficialmente a primeira eleitora brasileira.

"Determinaram acontecimentos sociais do nosso querido Rio Grande do Norte, na sua constante evolu��o da democracia, que a mulher, esta doce colaboradora do lar, se voltasse tamb�m para colaborar com outra fei��o na sua obra pol�tico-administrativa", afirmou Alzira em seu discurso de posse na prefeitura de Lajes, no dia 1º de janeiro de 1929.

"As conquistas atuais, a evolu��o que ora se opera, abrem uma clareira no convencionalismo, fazendo ressurgir a nova faceta dos sagrados direitos da mulher", diz outro trecho do discurso.

Integrante de uma fam�lia rica e tradicional de Jardim dos Angicos, que na �poca era um distrito de Lajes, Luisa Alzira Teixeira Soriano casou-se cedo com o promotor de justi�a pernambucano Thomaz Soriano, com quem teve tr�s filhas.

Vi�va com apenas 22 anos - o marido foi v�tima da gripe espanhola - Alzira e as filhas voltaram a viver com os pais dela, em Jardim dos Angicos, onde a jovem come�ou a lidar com a administra��o da fazenda da fam�lia e a se interessar por pol�tica por interm�dio do pai, que era um influente l�der pol�tico na regi�o.

A candidatura de Alzira tamb�m foi apoiada pelo governador Juvenal Lamartine, sucessor de Bezerra de Medeiros, e pela l�der feminista Bertha Lutz, uma das pioneiras do feminismo no Brasil, que visitou o Rio Grande do Norte em 1928.

"Juvenal Lamartine conhecia vov� Alzira que, dizem, era uma mulher que aliava a beleza a um g�nio forte e destemido, ou n�o teria conseguido administrar uma fazenda no sert�o nordestino", explica o jornalista Rudolfo Lago, bisneto e grande admirador da trajet�ria da matriarca da fam�lia.

"A elei��o da minha bisav� � um marco important�ssimo na hist�ria da emancipa��o pol�tica das mulheres, tanto no Brasil como na Am�rica Latina", diz Lago.

Apesar de hist�rica, a elei��o de Alzira enfrentou problemas em uma sociedade patriarcal e regida pelas oligarquias da Rep�blica Velha.

N�o faltaram cr�ticas e at� ofensas pessoais dos advers�rios da candidata.

Segundo o Dicion�rio Mulheres do Brasil, organizado por Schuma Schumaher, alguns advers�rios da candidata falavam, sem o menor constrangimento, que mulheres p�blicas eram prostitutas. Outros procuravam a fam�lia dela para dizer que n�o ficava bem uma senhora de fam�lia entrar para a pol�tica.

Candidata escolhida pelo Partido Republicano, Alzira Soriano n�o se intimidou e venceu a elei��o com 60% dos votos v�lidos sobre o oponente, S�rvulo Pires Neto Galv�o. Diante da vergonha de ter perdido a elei��o para uma mulher, S�rvulo Pires abandonou a pol�tica e a pr�pria cidade.

"Vov� Alzira teve que se impor numa sociedade totalmente masculina, ainda mais em numa pequena localidade do sert�o do Nordeste. N�o h� d�vida de que o peso pol�tico que a fam�lia j� tinha, de alguma forma, ajudou. Mas n�o fosse uma mulher de personalidade forte, sem d�vida ela n�o teria conseguido", explica o bisneto Lago.

"A verdade � que ela conseguiu obter o respeito da sociedade em que vivia e demonstrou muita habilidade pelo per�odo em que administrou a cidade", completa Lago, citando como emblem�tica a foto da nova prefeita no dia da sua posse com todo o seu secretariado, formado exclusivamente por homens, ao redor dela.


Alzira, à direita, com a sua mãe, Margarida, ao centro, a irmã, Osmídia, à esquerda, e irmã Ismênia, em baixo(foto: Arquivo Pessoal/Rudolfo Lago)
Alzira, � direita, com a sua m�e, Margarida, ao centro, a irm�, Osm�dia, � esquerda, e irm� Ism�nia, em baixo (foto: Arquivo Pessoal/Rudolfo Lago)

O mandato de Alzira Soriano foi relativamente curto, pois, apesar de ter sido convidada pelo governo federal para permanecer como interventora municipal ap�s a Revolu��o de 30, ela decidiu renunciar ao cargo por n�o concordar com os desdobramentos da Revolu��o e o governo de Get�lio Vargas.

Mesmo assim, seu governo em Lajes ficou marcado pela constru��o de escolas e obras de infraestrutura, como estradas que ligavam a sede do munic�pio aos distritos e melhorias na ilumina��o p�blica a g�s.

Ela voltaria � pol�tica ap�s a redemocratiza��o do pa�s, em 1945, elegendo-se vereadora em Lajes por tr�s mandatos.

"Alzira Soriano foi imponente numa �poca em que mulher s� servia para cuidar da casa. Exemplos como o dela s�o fundamentais e me causa espanto as pessoas n�o saberem quem ela foi. A produ��o do sexismo no poder � hist�rica", explica a jornalista com doutorado em Ci�ncia Pol�tica Deysi Cioccari.

Ela ressalta, por�m, que a elei��o n�o deixou de seguir os costumes da �poca, como a domina��o de grupos pol�ticos espec�ficos no processo eleitoral.

"O poder pol�tico do Rio Grande do Norte nesse primeiro per�odo dos anos 1900 esteve nas m�os de duas principais oligarquias: Maranh�o e Bezerra de Medeiros, � qual pertencia Alzira", explica Deysi.

"Ela tinha, inclusive, o apoio do governador. A pol�tica n�o est� dissociada de seus contextos hist�ricos, seus grupos, padr�es e rupturas", completa a cientista pol�tica, sem tirar os m�ritos da pioneira no comando de um executivo municipal.

"Ela foi fundamental porque foi mais do que esposa e m�e."

Mais de 90 anos ap�s a elei��o de Alzira Soriano como primeira prefeita brasileira, o pa�s ainda caminha lentamente na participa��o feminina no comando das prefeituras.

Apesar das mulheres representarem mais da metade - 52,5% - do eleitorado brasileiro, o n�mero de prefeitas eleitas ainda � muito pequeno. No primeiro turno das Elei��es 2020, apenas 12,2% dos mais de 5,5 mil munic�pios brasileiros elegeram mulheres para o cargo de chefe do Executivo, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O avan�o foi t�mido em rela��o ao pleito de 2016, quando foram eleitas prefeitas em 11,57% dos munic�pios brasileiros. Os n�meros podem sofrer alguma altera��o ap�s a realiza��o do segundo turno em 57 cidades brasileiras, no dia 29 de novembro.

Em Lajes (RN), o prefeito eleito foi Felipe Menezes (PP). O munic�pio possui atualmente 11,3 mil habitantes, segundo dados do IBGE.

"Temos andando na dire��o certa, ainda que n�o na velocidade que precis�vamos na inclus�o de mulheres", afirmou o presidente do TSE, ministro Lu�s Roberto Barroso, em coletiva de imprensa no dia 16 de novembro, ap�s o primeiro turno das elei��es.

"Toda elei��o para cargos no Executivo faz uso do sistema majorit�rio de vota��o, no qual a persona p�blica do candidato ou da candidata costuma ser decisiva. Raramente uma mulher, ao menos no cen�rio brasileiro, disp�e de massa de capital social e especial visibilidade para atrair uma maioria de votos", diz o estudioso Ant�nio S�rgio Rocha, da Unifesp, sobre a baixa representatividade feminina no executivo municipal.

Para Deysi Cioccari, a sub-representa��o feminina acaba afetando as pol�ticas p�blicas dedicadas �s mulheres nos munic�pios.

"Certamente uma maior presen�a feminina na pol�tica impactaria muito na formula��o e decis�o de pol�ticas p�blicas diferentes daquelas que s�o formuladas e decididas pela grande maioria dos homens", afirma a pesquisadora.

Para o bisneto da primeira prefeita brasileira, � preciso aumentar o n�mero de "Alziras" pelo pa�s.

"Infelizmente a participa��o feminina na pol�tica ainda � pequena, muito abaixo da representa��o da sociedade brasileira. E, infelizmente, hoje vivemos um tempo de retrocesso em rela��o ao respeito � diversidade brasileira", diz Rudolfo Lago.


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