Um relato em que uma suposta antiga companheira de cela de Dilma Rousseff afirma que a ex-presidente n�o foi torturada durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) foi compartilhado milhares de vezes em redes sociais ao menos desde dezembro de 2020. No entanto, a jornalista M�rian Macedo, citada nas postagens, n�o foi presa junto com Dilma. Em 2011, Macedo confessou ter mentido sobre ter sido torturada na ditadura, mas n�o fez qualquer men��o � ex-presidente.
“Jornalista diz ter ficado na mesma cela de Dilma Rousseff: ‘Nunca fomos torturadas”, come�a o texto replicado mais de 10 mil vezes no Facebook (1, 2, 3) e Twitter (1, 2, 3) desde 29 de dezembro de 2020.
A mensagem continua: “A jornalista M�rian Macedo conta que ap�s o atentado terrorista com carro bomba contra o quartel do 2º Ex�rcito em S�o Paulo, onde participou Dilma Russeff resultando na morte com despeda�amento do corpo do soldado Mario Kosel Filho [...], Dilma Russeff foi presa e em seguida a jornalista tamb�m foi presa”.
“Ambas ficaram na mesma cela e ela diz que que Dilma Russeff � mentirosa por que ambas foram interrogadas confessaram os seus il�cito e n�o ouve tortura”, conclui o texto, ilustrado com uma foto de uma mulher, em s�pia.
O conte�do ganhou for�a ap�s o presidente Jair Bolsonaro questionar a veracidade da tortura sofrida por Dilma Rousseff (PT) durante a ditadura. “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mand�bula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo �sseo. Olha que eu n�o sou m�dico, mas at� hoje estou aguardando o raio-X”, afirmou o presidente no �ltimo dia 28 de dezembro, em conversa com apoiadores.
M�rian Macedo n�o foi, contudo, companheira de cela de Dilma, e tampouco se pronunciou sobre as torturas sofridas pela ex-presidente.
Relato de M�rian
Em publica��o intitulada “A verdade: eu menti”, feita em seu blog em junho de 2011, Macedo afirmou ter sido presa durante a ditadura militar e ter mentido “descaradamente durante quase quarenta anos” sobre ter sido torturada nesse per�odo.
“Repeti e escrevi a mentira de que eu tinha tomado choques el�tricos (por pudor, limitei-me a dizer que foram poucos, � verdade), que me deram socos e empurr�es, interrogaram-me com luzes fortes, que me amea�aram de estupro quando voltava � noite dos interrogat�rios”, relatou.
Segundo a jornalista, outros teriam feito o mesmo para assumir a imagem de “m�rtires”. “Vaidade e mau-caratismo puros, s� isto. N�s sa�amos com a aura de h�rois e a ditadura com a marca da viol�ncia e arb�trio”, escreveu.
No entanto, Macedo n�o menciona o nome da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016) em nenhum momento do texto.
Na verdade, a cronologia impede que Macedo e Dilma tenham sido companheiras de cela. Na publica��o de 2011, a jornalista relata ter sido presa em 20 de junho de 1973. A ex-presidente, por sua vez, foi detida em 1970 e solta no final de 1972 (1, 2, 3).
Em 2016, M�rian negou a alega��o de que teria se pronunciado sobre as torturas sofridas pela ex-presidente. “Pela cent�sima vez, eu nunca escrevi que Dilma Rousseff n�o foi torturada, ela e eu nunca estivemos presas na mesma cela, eu nunca vi Dilma Rousseff pessoalmente”, escreveu em seu blog.
Uma busca reversa indica que a foto utilizada nas postagens viralizadas tamb�m n�o � de Macedo, mas de Iza Salles, ex-guerrilheira que realmente esteve presa com Dilma durante a ditadura, como registrado nesta reportagem de 2014 da BBC.
A equipe de checagem da AFP n�o localizou qualquer registro de que Salles tenha afirmado que ela e Dilma n�o foram torturadas nesse per�odo. Pelo contr�rio, na entrevista � BBC, a ex-guerrilheira deu detalhes dos sofrimentos a que foi submetida durante a ditadura militar.
Dilma na ditadura

Militante contra a ditadura desde 1964, Dilma participou dos grupos de esquerda Organiza��o Revolucion�ria Marxista – Pol�tica Oper�ria (Polop) e Comando de Liberta��o Nacional (Colina). No entanto, ao contr�rio do alegado nas redes, n�o h� registro de que a ex-presidente tenha participado na a��o que resultou na morte do soldado Mario Kozel Filho.
Em 26 de junho de 1968, um ve�culo carregando um explosivo se chocou contra o Quartel General do 2º Ex�rcito, em S�o Paulo, levando � morte de Kozel Filho e deixando outros cinco feridos. Posteriormente, o atentado foi atribu�do � organiza��o Vanguarda Popular Revolucion�ria (VPR).
Em 1968, entretanto, Dilma era integrante do Comando de Liberta��o Nacional (Colina), como registrado em sua biografia no site do Centro de Pesquisa e Documenta��o de Hist�ria Contempor�nea do Brasil. Foi apenas um ano depois que o Colina se uniu ao VPR formando o grupo Vanguarda Armada Revolucion�ria Palmares (VAR-Palmares).
Em entrevistas posteriores, Dilma sempre negou ter participado de a��es armadas.
A ent�o guerrilheira foi presa em 1970, passando por pris�es em S�o Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 2012, os jornais Correio Braziliense e Estado de Minas obtiveram acesso a um depoimento dado por Dilma, em 2001, a um conselho criado para indenizar presos pol�ticos torturados em Minas.
No testemunho, Dilma entrou em detalhes sobre a tortura que sofreu no estado, contando que levou v�rios socos no maxilar enquanto era interrogada. “Minha arcada girou para o lado, me causando problemas at� hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu”, relatou.
“Se o interrogat�rio � de longa dura��o, com interrogador ‘experiente’, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que n�o deixa rastro, s� te mina”, contou tamb�m ex-presidente.
Em nota emitida ap�s Bolsonaro colocar em d�vida seu relato de tortura, Dilma afirmou que o presidente se mostra “indigno ao tratar com desrespeito e com deboche o fato de eu ter sido presa ilegalmente e torturada pela ditadura militar”.
Eleita para suceder Luiz In�cio Lula da Silva no Pal�cio do Planalto em 2010, Dilma foi presidente at� agosto de 2016, quando sofreu um impeachment.
Em resumo, � falso que M�rian Macedo tenha sido companheira de cela de Dilma Rousseff e tenha afirmado que a ex-presidente n�o foi torturada durante a ditadura militar. Macedo afirmou ter mentido sobre ter sido torturada durante esse per�odo, mas n�o fez qualquer men��o a Dilma.