Munic�pios brasileiros de eleitorado mais conservador tendem a adotar menos pol�ticas p�blicas de combate � viol�ncia contra mulher que as demais cidades do pa�s, aponta ampla pesquisa realizada por dois acad�micos brasileiros que atuam em universidades europeias — Malu Gatto (professora da University College London) e Victor Ara�jo (pesquisador da Universidade de Zurich).
Segundo o estudo, eleitores conservadores costumam considerar menos urgentes e priorit�rias medidas governamentais para reduzir a agress�o contra mulheres, o que acaba tendo o efeito pr�tico de limitar a ado��o dessas a��es onde esse segmento t�m mais peso pol�tico.
Para chegar a essa conclus�o, os pesquisadores analisaram a aplica��o da Lei Maria da Penha em todos os 5.570 munic�pios brasileiros, a partir de dados da Pesquisa de Informa��es B�sicas Municipais de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
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Essa legisla��o, aprovada em 2006, prev� uma s�rie de medidas a serem adotadas pelas prefeituras para aumentar a prote��o �s mulheres e a puni��o aos agressores, como centros de abrigo para as v�timas, servi�os de sa�de voltados para casos de agress�o dom�stica e sexual, delegacias e juizados especializadas em viol�ncia de g�nero, entre outros. Sua implementa��o, por�m, ainda � bastante desigual no pa�s.
Com objetivo de identificar se h� uma rela��o entre a ado��o dessas pol�ticas e o perfil dos eleitores, Gatto e Ara�jo cruzaram as informa��es do IBGE sobre aplica��o da Lei Maria da Penha com um mapeamento ideol�gico do eleitorado em cada munic�pio brasileiro desenvolvido pelos pesquisadores Timothy J. Power (Universidade de Oxford, no Reino Unido) e Rodrigo Rodrigues-Silveira (Universidade de Salamanca, na Espanha).Al�m disso, o estudo utilizou dados de uma pesquisa do Instituto Datafolha sobre o posicionamento do brasileiro em v�rios temas, incluindo quest�es sobre viol�ncia de g�nero, para identificar como o eleitor conservador v� a necessidade de pol�ticas p�blicas nessa �rea.
No ano passado, 105 mil den�ncias de viol�ncia contra a mulher foram registradas por meio de canais do governo federal como Ligue 180 (central de atendimento � mulher) e Disque 100 (direitos humanos), divulgou o Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos (MMFDH) no domingo (07/03), v�spera do Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta segunda-feira (08/03).
O n�mero representa doze den�ncias recebidas por hora. Do total, 72% (75.753 den�ncias) s�o referentes � viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher
Pol�ticas refletem prefer�ncia do eleitor
O artigo com as conclus�es dos pesquisadores sobre o impacto do conservadorismo nas pol�ticas de prote��o � mulher foi aceito para publica��o na revista cient�fica Comparative Political Studies. � BBC News Brasil, Malu Gatto disse que pesquisa inova ao olhar para a influ�ncia do eleitorado na implementa��o dessas pol�ticas.
Segundo a professora, diversos estudos apontam que o perfil ideol�gico de parlamentares tem pouca influ�ncia na aprova��o de leis de prote��o �s mulheres — ou seja, pol�ticos conservadores n�o s�o menos propensos que os progressistas a votar a favor dessas legisla��es.
Isso ocorre por ser um tema que gera pouca diverg�ncia entre os pol�ticos, nota ela: "Assim como nenhum pol�tico diz que � a favor da corrup��o, nenhum se apresenta publicamente contra a prote��o da mulher. � um assunto em que existe consenso".
Por outro lado, ressalta a professora, a implementa��o de pol�ticas p�blicas j� � mais sens�vel �s prefer�ncias ideol�gicas do eleitorado, j� que os recursos p�blicos s�o limitados, exigindo que as autoridades definam prioridades.

"O pol�tico vai priorizar �reas que o seu eleitorado quer priorizar, e o eleitor conservador n�o prioriza tanto a viol�ncia contra a mulher ou n�o considera que a viol�ncia contra a mulher seja t�o s�ria quanto o eleitor progressista. Isso repercute na maneira como os pol�ticos locais respondem � prioriza��o ou, no caso, � falta de prioriza��o do eleitorado com rela��o a essas pol�ticas", afirma Gatto.
Na avalia��o dos autores, a pesquisa indica que o momento de avan�o de governadores conservadores no mundo representa uma amea�a � seguran�a das mulheres.
Pesquisa fez amplo cruzamento de dados
Para identificar as prefer�ncias do eleitorado nos munic�pios brasileiros, os pesquisadores Timothy J. Power e Rodrigo Rodrigues-Silveira classificaram os partidos brasileiro numa escala gradativa entre direita e esquerda, a partir de question�rios respondidos ao longo de anos por membros do Congresso Nacional. Depois, analisaram os votos recebidos em cada munic�pio por 2,275 milh�es de candidatos de 42 partidos nas treze elei��es realizadas de 1994 a 2018.
Usando esse mapeamento ideol�gico e as informa��es do IBGE sobre aplica��o da Lei Maria da Penha, Malu Gatto e Victor Ara�jo conseguiram calcular o quanto o conservadorismo do eleitor influencia na ado��o de pol�ticas de combate � viol�ncia contra mulher.
Para fazer esse c�lculo, os pesquisadores desenvolveram equa��es matem�ticas (t�cnica conhecida como econometria) que permitiram tamb�m isolar outros fatores que poderiam influenciar na ado��o dessas pol�ticas, para assim evitar que a an�lise sobre o impacto do perfil ideol�gico do eleitorado pudesse estar contaminada por outros elementos.
Como resultado, o estudo encontrou que "um aumento de um ponto na escala do conservadorismo eleitoral (onde valores mais altos correspondem a prefer�ncias mais conservadoras) est� associado a uma m�dia de 0,45 a menos de instrumentos de pol�tica no n�vel municipal".
"Em outras palavras, eleitores mais conservadores tendem a adotar menos pol�ticas para combater a viol�ncia contra a mulher", diz ainda o artigo.
Ao isolar outros fatores que poderiam influenciar o resultado da an�lise, o estudo testou vari�veis como taxa de feminic�dio (propor��o de mulheres mortas por raz�es de g�nero no munic�pio), n�mero de mulheres eleitas na cidade, for�a do voto evang�lico, qualifica��o da burocracia (quantidade de servidores com educa��o terci�ria), entre outras.
Os resultados foram diversos. Por exemplo, cidades com taxas mais altas de assassinatos de mulheres por quest�es de g�nero n�o necessariamente s�o aqueles que mais adotam a��es para conter essa viol�ncia. Mas prefeituras com um corpo de servidores mais qualificado tendem a ter mais pol�ticas do tipo.
Ainda assim, quando os pesquisadores anularam na equa��o o impacto de outros fatores que tamb�m influenciam na implementa��o da Lei Maria da Penha, o resultado continuou apontando para uma correla��o importante entre o perfil do eleitorado mais conservador e a menor ado��o de pol�ticas para conter a viol�ncia.
"Conservadores costumam ver viol�ncia dom�stica como assunto privado"
Gatto e Ara�jo tamb�m testaram a hip�tese de o eleitor conservador influenciar na menor ado��o de pol�ticas de prote��o a mulheres n�o por ser contra essas a��es, mas por defenderem um Estado pequeno.
Nesse sentido, eles tamb�m cruzaram dados do IBGE sobre pol�ticas de emprego, renda, cr�dito e desenvolvimento rural e urbano com o mapeamento ideol�gico dos munic�pios. No entanto, os resultados indicaram que "o conservadorismo eleitoral n�o parece afetar a ado��o de pol�ticas em nenhuma dessas �reas", refor�ando as conclus�es sobre o impacto negativo nas pol�ticas de prote��o de mulheres.
"Em suma, a menor aceita��o de instrumentos de pol�tica de combate � viol�ncia contra mulheres em munic�pios eleitoralmente conservadores parece, de fato, ser um produto das prefer�ncias dos eleitores nesta �rea pol�tica espec�fica", diz o artigo.
Especialista em quest�es de g�nero na pol�tica, Malu Gatto considera que o menor apoio do eleitorado conservador a essas pol�ticas pode estar relacionado a forma como esse grupo v� conflitos familiares como uma quest�o privada, em que o Estado n�o deve interferir.
"O estudo n�o permite concluir o que leva o eleitor conservador a n�o priorizar essas pol�ticas. A literatura (outros estudos sobre o tema) indica que pessoas conservadoras tendem a apoiar mais pol�ticas de prote��o � mulher que visam a reconcilia��o familiar e n�o tenham potencial de, alguma forma, acabar com aquela unidade familiar", analisa Gatto.
"A Lei Maria da Penha, de certa forma, deu um basta nisso. Antes dessa lei, a norma no Brasil era a reconcilia��o familiar: mais de 80% dos casos de viol�ncia dom�stica, quando levados � Justi�a, tinham como primeira audi�ncia uma tentativa de reconcilia��o e (o caso) acabava ali", acrescenta.
An�lise da prefer�ncia dos conservadores a partir do Datafolha
Ap�s os resultados indicando que munic�pios com eleitores mais conservadores tendem a implementar menos a Lei Maria da Penha, o estudo teve ainda uma segunda etapa para investigar melhor se o eleitor conservador realmente v� menos necessidade de medidas de combate � viol�ncia de g�nero.
Para isso, Gatto e Ara�jo utilizaram dados de uma pesquisa do Instituto Datafolha realizada em abril de 2019 que entrevistou 2.086 pessoas em 130 munic�pios sobre o posicionamento do brasileiro em v�rios temas, incluindo quest�es sobre viol�ncia de g�nero.
Na an�lise, os pesquisadores usaram tr�s perguntas para identificar os respondentes de perfil mais conservador.
Foram considerados nesse grupo, aqueles que se posicionaram contra o Brasil receber mais imigrantes da Venezuela e que apoiaram a ideia de que a sociedade est� mais segura quando mais pessoas s�o encarceradas. Al�m disso, tamb�m foram considerados mais conservadores os que responderam n�o apoiar o feminismo.
Depois, os pesquisadores analisaram como esse grupo respondia a tr�s quest�es sobre viol�ncia de g�nero: "As leis existentes no Brasil s�o adequadas para proteger as mulheres? No �ltimo ano, a viol�ncia contra mulher cresceu no Brasil? A m�dia exagera na cobertura de casos de viol�ncia?"
O resultado da an�lise indicou que os respondentes que estavam associados a posi��es conservadoras tendiam mais a considerar que as leis brasileiras j� s�o suficientes para proteger as mulheres.
"Seguindo nossas expectativas, indiv�duos que pontuam valores mais altos em nossa medida de conservadorismo t�m maior probabilidade de concordar com a afirma��o de que 'as leis existentes no Brasil s�o adequadas para proteger as mulheres'. Em outras palavras, os eleitores conservadores t�m menos probabilidade do que outros de ver a necessidade de ado��o de novas pol�ticas para combater a viol�ncia contra mulher", diz o estudo.
Esse grupo tamb�m tendeu mais do que a m�dia dos respondentes a considerar que a m�dia exagera sobre tema.
"Al�m disso, nossos resultados indicam que embora os conservadores n�o sejam diferentes dos progressistas em sua avalia��o sobre se a viol�ncia contra mulher aumentou, eles s�o consideravelmente mais propensos a acreditar que 'a m�dia exagera em sua cobertura de casos de viol�ncia contra as mulheres'", continua o artigo.
Na avalia��o de Gatto e Ara�jo, esses resultados s�o consistentes com outros estudos que apontam que "a identifica��o de algo como uma urg�ncia � crucial para sua prioriza��o na agenda de pol�ticas".
Para os pesquisadores, a an�lise dos dados do Datafolha refor�a as conclus�es da primeira parte da pesquisa e sugere "que, de fato, a menor preval�ncia de instrumentos de combate � viol�ncia contra a mulher em munic�pios de eleitorado mais conservador � produto dos n�veis mais baixos de apoio dos eleitores conservadores � necessidade dessas pol�ticas".
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