
A decis�o do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que, na segunda,-feira (08/03), anulou as condena��es e indiciamentos contra o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva no �mbito da Opera��o Lava-Jato representou, na pr�tica, o in�cio da campanha presidencial de 2022 — um ano e sete meses antes dos brasileiros irem efetivamente �s urnas.
Essa � a avalia��o de um grupo de brasilianistas — acad�micos estrangeiros dedicados ao estudo do Brasil — sobre o impacto da medida jur�dica no cen�rio pol�tico brasileiro.Fachin determinou a nulidade das a��es justificando a decis�o em um aspecto processual: a falta de compet�ncia jur�dica do ent�o juiz S�rgio Moro, da Justi�a Federal de Curitiba, para decidir sobre os casos envolvendo o ex-presidente Lula. Com isso, Fachin sedimentou o caminho para uma disputa polarizada entre os dois maiores l�deres em cada campo pol�tico no pa�s. � esquerda, Lula. � direita, o atual presidente Jair Bolsonaro.
"Quatro horas atr�s eu te diria que havia um 'mercado' de eleitores de centro, centro-direita esperando para ser conquistados por uma terceira via. Agora esse caminho � improv�vel", afirmou � BBC News Brasil a cientista pol�tica Amy Erica Smith, da Iowa State University, no fim da tarde desta segunda.
Para Smith, a canetada de Fachin deve encerrar — ou diminuir muito — as possibilidades de viabilidade eleitoral de candidaturas de centro-direita, como a do governador paulista Jo�o Doria Jr. ou a do apresentador Luciano Huck. A tend�ncia � que o eleitorado seja atra�do para uma das duas for�as, esvaziando o centro.
Mas, na avalia��o dos brasilianistas, mais do que determinar os concorrentes da disputa de 2022, a decis�o revela importantes aspectos da condu��o da democracia brasileira nos �ltimos anos — em que o Judici�rio interfere na pol�tica como quem manipula fantoches, decidindo quem pode ou n�o concorrer � elei��o presidencial. As sequelas dessas a��es, segundo eles, passam por descr�dito institucional e enfraquecimento da pauta de combate � corrup��o no pa�s.
Barrado antes, liberado agora
Embora tenham hoje um ao outro como principal advers�rio pol�tico a ser batido, o confronto entre Lula e Bolsonaro jamais aconteceu nas urnas. Isso porque em 2018, apesar de l�der nas pesquisas eleitorais de inten��o de voto, Lula acabou tendo a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, ap�s as mesmas condena��es de Moro contra ele — agora derrubadas por Fachin — terem sido confirmadas pela segunda inst�ncia do Judici�rio brasileiro.
Com a retirada de Lula da disputa por mecanismos judiciais, Bolsonaro assumiu a dianteira na campanha e venceu a presid�ncia em segundo turno, contra Fernando Haddad (PT), apontado por Lula para substitu�-lo.
Agora, a decis�o de Fachin restitui a Lula plenos direitos pol�ticos e ele poder� concorrer � presid�ncia se n�o voltar a ser condenado em segunda inst�ncia at� o processo eleitoral. A decis�o de Fachin n�o analisa se Lula cometeu atos de corrup��o ao supostamente se beneficiar de um apartamento tr�plex no Guaruj� ou de um s�tio em Atibaia bancados em parte por empreiteiras que mantinham contratos fraudulentos com a Petrobras. Ao longo de anos, a Lava Jato sustentou que tais benef�cios a Lula fariam parte de pagamentos indiretos dessas empresas pelas injustas vantagens que conseguiam com a petroleira estatal gra�as � interven��o de pol�ticos, foco principal da Lava Jato de Curitiba.
"Tem havido uma batalha sobre a jurisdi��o do caso Lava Jato desde 2013 e agora � estranho ver um ministro do Supremo tomar uma decis�o com base nessa quest�o. Como americano e estudioso da Am�rica Latina, a ideia de que um �nico ministro da Suprema Corte possa tomar uma decis�o dessa magnitude � esquisito. E contradiz um pouco a hist�ria de que as institui��es no Brasil se tornaram mais fortes", avalia Brian Winter, editor-chefe da publica��o Americas Quarterly, especializada em temas latino-americanos. Winter relembra que a tese de que Moro e seus colegas em Curitiba n�o seriam os ju�zes competentes para julgar o caso Lula — o que se chama no direito de juiz natural do caso — foram repetidas pela defesa do ex-presidente e repelidas � exaust�o pelo judici�rio brasileiro at� a tarde desta segunda-feira.
A mudan�a de postura em rela��o ao assunto no Supremo acontece na esteira de um processo de anos de desgaste da figura de Moro e dos procuradores da for�a-tarefa, liderados por Deltan Dallagnol.
Moro foi acusado de parcialidade quando, poucos dias antes do pleito de 2018, liberou a p�blico a dela��o premiada do ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci, em que ele atacava a c�pula petista, sem entregar provas do que dizia. Em seguida, com a vit�ria de Bolsonaro, Moro abandonou a magistratura para assumir, no come�o de 2019, o posto de ministro da Justi�a do rec�m-eleito. Ainda naquele ano, mensagens hackeadas entre o ent�o juiz Moro e os procuradores revelaram que o juiz havia orientado e conduzido a acusa��o em diversos momentos do processo contra Lula, o que lan�ou d�vidas sobre a parcialidade do magistrado para julgar o caso que - em �ltima inst�ncia - tirou Lula da disputa presidencial.
Considerada por Deltan Dallagnol a "maior especialista em combate � corrup��o do mundo", Susan Rose-Ackerman, professora de Direito da Universidade Yale, afirmou � BBC News Brasil que a decis�o de Fachin agora foi acertada.
Em 2019, ela assinou uma carta junto a colegas juristas internacionais em que se dizia "estarrecida" pela revela��o das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores e denunciava a parcialidade na atua��o do juiz.
"Muita coisa aconteceu na investiga��o, Moro era o juiz nos casos (da corrup��o na Petrobras), mas o caso do Lula era diferente, n�o fazia parte de todo o pacote. Por isso acho acertada a decis�o de agora, mas certamente h� um problema com o tempo. Isso impediu o Lula de ser candidato e permitiu a ascens�o de Bolsonaro. Ent�o n�o sei o que as pessoas pensam agora, mas h�, sim, um problema com o fato de essa decis�o estar sendo tomada s� agora, v�rios anos ap�s a elei��o", diz Rose-Ackerman.
Montanha-russa jur�dico pol�tica
Para Amy Erica Smith, o fato de que Lula tenha sido barrado antes por decis�es judiciais e agora readmitido �s urnas tamb�m pelas m�os de ju�zes, em decis�es d�spares sobre os mesmos fatos, � um dado preocupante para a democracia brasileira.
"H� uma montanha-russa de judicializa��o da pol�tica no Brasil. A Lava Jato e tudo isso que aconteceu nos �ltimos anos d�o a impress�o de que os ju�zes t�m a palavra final sobre o que acontece na democracia brasileira. E as decis�es dos ju�zes s�o realmente muito arbitr�rias, politizadas, e muito longe de serem imparciais", afirma Smith.
Segundo ela, a Lei da Ficha Limpa, que barrou condenados em segunda inst�ncia de se candidatarem, seria uma regra bastante razo�vel para melhorar a qualidade dos candidatos, desde que os devidos processos legais fossem seguidos pelos investigadores e pela justi�a. H�, no entanto, no caso de Lula, de acordo com Smith, evid�ncias de que ela acabou usada para retirar uma for�a pol�tica do jogo.
"A democracia brasileira se reduziu a uma esp�cie de procedimento institucional para determinar quem pode concorrer e quem n�o pode concorrer, quais op��es permitiremos ou n�o. Parece ter havido um esfor�o concertado no per�odo de 2015 a 2018 para manter certos l�deres do PT, basicamente Dilma e Lula, longe da possibilidade de disputar cargos ou ocupar cargos. Essa politiza��o da Lava Jato em Curitiba e do Supremo levaram a essa situa��o em que os ju�zes atuam como 'master puppeteers' (bonequeiros que manipulam fantoches) preparando o palco para o que � permitido acontecer dentro da pol�tica brasileira", diz Smith.
Nos �ltimos anos, o Judici�rio tomou decis�es nas quais questiona-se extrapola��o sobre outros poderes, como quando barrou a indica��o de ministros do Executivo ou determinou pris�o de parlamentares.
O historiador James Green, da Brown University, acredita que Lula ainda estar� sujeito a reviravoltas orquestradas pelo Judici�rio. Green avalia que a condena��o de Lula foi um "ato pol�tico", resultado de um "processo judicial contaminado". Para ele, a decis�o de Fachin agora procura preservar o conjunto de provas amealhado pela Lava Jato ao tirar da ordem do dia o julgamento da poss�vel suspei��o de Moro, que colocava sob amea�a todo o legado da opera��o por efeito cascata.
Por isso mesmo, a condi��o eleg�vel de Lula poderia ser tempor�ria j� que, em tese, ele poderia voltar a ser julgado com o mesmo conjunto probat�rio. "Fachin deve ter conseguido um certo acordo, um entendimento entre os outros membros do STF sobre essa como uma sa�da mais vi�vel. E eu acho que vai ser muito dif�cil come�arem os processos da primeira inst�ncia de novo, mas pode ser, podem condenar Lula de novo para que ele n�o seja candidato", diz Green.
A morte do combate � corrup��o?

O cen�rio de atua��o pol�tica do Judici�rio parece apontar para um descr�dito na atua��o de for�as no combate � corrup��o no Brasil. Os brasilianistas reconhecem a corrup��o como um problema hist�rico nacional e afirmam ser imposs�vel determinar qual ser� o futuro do combate aos crimes contra o bem p�blico ap�s os desdobramentos dos �ltimos anos com a Lava Jato.
Apesar das cr�ticas feitas por Rose-Ackerman no caso Lula, ela afirma esperar que isso n�o invalide o restante da investiga��o, que demonstrou ser robusta em apontar desvios na gest�o da Petrobras.
"Seria realmente lament�vel se isso minasse todos os outros processos em que h� uma evid�ncia muito boa e clara de que as pessoas se comportaram de forma corrupta. Essa � a preocupa��o, de que a derrubada do caso Lula possa, de alguma forma, prejudicar toda a empreitada anticorrup��o", afirmou a professora de Yale.
Para Winter, a decis�o de Fachin hoje exp�e o qu�o ferida a causa do combate � corrup��o est� ao derrubar as mais importantes decis�es tomadas na opera��o. Segundo ele, "os abusos" cometidos por Moro e os procuradores representaram um "grande retrocesso na busca pelo fim da impunidade" n�o s� no Brasil, mas em toda a regi�o da Am�rica Latina onde a Lava Jato foi tomada como modelo de investiga��o e puni��o de empreiteiras e pol�ticos. Ele, no entanto, afirma que a Lava Jato n�o pode ser reduzida a seus erros.
"� importante resistir ao desejo de reescrever a hist�ria e retratar as revela��es da Lava Jato, como nada mais que um sonho febril, uma vasta conspira��o inventada pelos procuradores e Sergio Moro com o �nico objetivo de condenar Lula e desqualific�-lo para a elei��o de 2018", diz Winter.
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