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Estado de Minas

'Tratora�o': entenda o suposto 'or�amento secreto' de Bolsonaro, que dever� ser investigado pelo TCU

Esquema teria disponibilizado R$ 3 bilh�es em emendas a deputados da base do governo.


12/05/2021 21:05 - atualizado 12/05/2021 21:05

"A falta de transpar�ncia � tal que, se esses of�cios a que o Estad�o teve acesso n�o tivessem aparecido, jamais algu�m saberia que a Fl�via Arruda (PL-DF) fez emenda, que o Arthur Lira [Progressistas-AL] fez emenda", exemplifica Castello Branco (foto: Luis Macedo/C�mara dos Deputados)
"Trata-se de um esc�ndalo, que sugere - a investiga��o vai poder provar isso ou n�o - a compra expl�cita de apoio pol�tico. Pode ser caracterizado tamb�m como uma esp�cie de 'mensal�o' disfar�ado de emendas parlamentares."

 

S�o essas as duras palavras usadas por Gil Castello Branco, fundador e secret�rio-geral da Associa��o Contas Abertas, para definir o esquema de um suposto "or�amento paralelo" do governo Jair Bolsonaro (sem partido), revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (09/05).

 

Segundo o jornal, o esquema envolveu a destina��o de R$ 3 bilh�es em emendas do Or�amento federal a alguns parlamentares escolhidos, que puderam definir onde seriam aplicados esses recursos.

Ainda conforme o Estad�o, parte significativa dessa verba teria sido destinada � compra de tratores e outros maquin�rios a pre�os superfaturados.

Al�m disso, a destina��o de recursos aconteceu em dezembro de 2020, pouco antes das elei��es que escolheram os novos presidentes da C�mara e do Senado, no in�cio de fevereiro.

 

Isso sugere, segundo analistas, que a disponibiliza��o do dinheiro pode ter sido uma forma de o governo influenciar o voto dos parlamentares no pleito. Da� a analogia de Castello Branco com o esc�ndalo do "mensal�o", revelado em 2005, durante o primeiro governo de Luiz In�cio Lula da Silva (PT), que envolveu repasses de recursos a parlamentares em troca de apoio pol�tico.

 

O governo federal e os parlamentares citados negam irregularidades.

Na segunda-feira (10/05), o subprocurador-geral do Minist�rio P�blico junto ao TCU (Tribunal de Contas da Uni�o), Lucas Furtado, solicitou que o tribunal investigue o caso.

 

Na representa��o, Furtado avalia que o suposto esquema pode configurar eventual crime de responsabilidade. Foi o entendimento de que a ex-presidente Dilma Rousseff teria cometido crime de responsabilidade no caso das "pedaladas fiscais" que levou ao impeachment da petista em 2016.

 

"Os fatos noticiados pelo site do jornal Estad�o denotam, em tese, inadequada execu��o or�ament�ria, motivada supostamente por interesses pol�ticos e em desvirtuamento do princ�pio da isonomia que orienta a distribui��o de recursos, (...) podendo caracterizar eventual crime de responsabilidade, por atentar contra a lei or�ament�ria", escreveu o subprocurador-geral do Minist�rio P�blico junto ao TCU.

 

Entenda em oito pontos o que � o suposto "or�amento secreto" de Bolsonaro, porque ele pode configurar crime de responsabilidade e o que deve vir pela frente, ap�s o pedido de investiga��o pelo Minist�rio P�blico ao TCU.

1) Como o governo destinou R$ 3 bilh�es a parlamentares de sua base de apoio?

Para entender o esquema do "or�amento paralelo" de Bolsonaro, primeiro � preciso compreender como funcionam as emendas do Or�amento federal.

 

Segundo o site do Senado Federal, as emendas do Or�amento "s�o propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na aloca��o de recursos p�blicos em fun��o de compromissos pol�ticos que assumiram durante seus mandatos, tanto junto aos Estados e munic�pios, quanto a institui��es".

 

As emendas s�o de quatro tipos: individual, de bancada, de comiss�o e do relator.

 

As emendas individuais s�o destinadas a cada senador ou deputado. As emendas de bancada s�o coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Tamb�m s�o coletivas as emendas apresentadas pelas comiss�es t�cnicas da C�mara e do Senado.

 

J� as emendas do relator (tamb�m conhecidas no jarg�o burocr�tico pelo c�digo RP9) s�o feitas pelo deputado ou senador que, num determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Or�amento. Em 2021, o relator-geral do Or�amento foi o senador Marcio Bittar (MDB-AC).

 

Foram as emendas desse �ltimo tipo que possibilitaram a distribui��o "por debaixo dos panos" de R$ 3 bilh�es aos parlamentares da base do governo, conforme a reportagem do Estad�o.

 

"As emendas de relator existem h� muito tempo", lembra Castello Branco, da Contas Abertas. "Na hora de fechar o Or�amento, �s vezes precisava de uma corre��o t�cnica da destina��o de recursos para alguma �rea que precisava ser melhor contemplada. Ent�o essas emendas eram um espa�o para esses pequenos ajustes t�cnicos feitos pelo relator."

 

Segundo o especialista em contas p�blicas, a partir do Or�amento de 2020, no entanto, as emendas do relator passaram a receber um volume extraordin�rio de recursos. Naquele ano, o ent�o relator Domingos Neto (PSD-CE) destinou R$ 30 bilh�es a esse tipo de emendas. Ap�s embate entre Congresso e governo, parte dessa verba foi devolvida ao Executivo.

 

No Or�amento de 2021, isso se repetiu. Na v�spera da aprova��o da pe�a or�ament�ria, o senador Marcio Bittar retirou recursos de despesas obrigat�rias como Previd�ncia, seguro-desemprego e abono salarial para destinar mais de R$ 26 bilh�es �s emendas de relator.

 

Novamente, a manobra repercutiu muito mal, e parte do recurso foi devolvida ao Executivo para recompor as despesas obrigat�rias. Ainda assim, Bittar conseguiu manter cerca de R$ 16 bilh�es em emendas do relator.

 

O que o esc�ndalo do suposto "or�amento secreto" revelou � que R$ 3 bilh�es dessa verba foram disponibilizados a alguns deputados e senadores, que puderam definir, atrav�s de of�cios ao Minist�rio do Desenvolvimento Regional, para que esse dinheiro deveria ser usado.

2) Para que foi usado o dinheiro?

O Or�amento federal � dividido em programas e a��es or�ament�rias.

No caso do "or�amento paralelo" de Bolsonaro, as principais a��es envolvidas s�o duas: "apoio � pol�tica nacional de desenvolvimento urbano voltado � implementa��o e qualifica��o vi�ria" e "apoio a projetos de desenvolvimento sustent�vel local integrado".

 

"Na primeira a��o, o parlamentar pode pedir pavimenta��o, cal�adas, rede de abastecimento de �gua, esgotamento sanit�rio, conten��o de encostas - todas elas iniciativas de grande apre�o dos deputados e senadores, porque isso gera votos", diz Castello Branco.

 

"Na segunda a��o, o parlamentar pode pedir pavimenta��o de estradas vicinais [vias n�o pavimentadas, geralmente municipais, que s�o usadas como conex�es entre �reas rurais e urbanas] e pode pedir tamb�m a compra de tratores, p�s carregadeiras, ro�adeiras, caminh�es, escavadeiras, usinas de asfalto", enumera o secret�rio-geral da Contas Abertas.

 

"Ent�o essas duas a��es s�o as preferidas de nove entre dez parlamentares, ainda mais porque estamos num ano pr�-eleitoral e qualquer uma dessas obras gera retorno nas elei��es."

 

Segundo a reportagem do Estad�o, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, determinou a aplica��o de R$ 277 milh�es de verbas do Minist�rio do Desenvolvimento Regional. Desse montante, R$ 81 milh�es teriam sido destinados pelo senador � Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do S�o Francisco e do Parna�ba), estatal que seria controlada pelo parlamentar e outros pol�ticos.

 

Em outro exemplo, conforme o jornal, o governo teria liberado R$ 359 mil para compra de um trator, cuja despesa normal deveria ser de at� R$ 100 mil, por indica��o do deputado L�cio Mosquini (MDB-RO). O deputado Vicentinho Junior (PL-TO) tamb�m teria destinado R$ 600 mil � Codevasf para compra de m�quinas.

 

Esses s�o apenas alguns casos, do total de 101 of�cios a que O Estado de S. Paulo teve acesso, envolvendo 37 deputados e cinco senadores.

 

3) Por que o caso do 'tratora�o' � diferente do uso normal das emendas parlamentares?

 

�lida Graziane, procuradora do Minist�rio P�blico de Contas do Estado de S�o Paulo, lembra que, nos �ltimos anos, fora feitas quatro emendas � Constitui��o - a emenda 86 de 2015 e as emendas 100, 102 e 105 de 2019 - para tentar conferir crit�rios impessoais, transparentes e ison�micos para as emendas parlamentares.

 

Castello Branco explica que essas mudan�as na Constitui��o tornaram as emendas individuais, de comiss�o e de bancadas impositivas, ou seja, de pagamento obrigat�rio. Isso porque havia uma reclama��o antiga de que os governos sempre favoreciam os parlamentares da base, em detrimento da oposi��o.

 

"Essas emendas t�m valores fixados. No ano passado, por exemplo, cada parlamentar tinha R$ 8 milh�es para gastar em emendas. Ent�o era igual para todo mundo: o deputado da situa��o tinha R$ 8 milh�es, o deputado da oposi��o tinha R$ 8 milh�es e as emendas tinham que ser liberadas obrigatoriamente", explica o especialista.

 

Foi quando o Or�amento se tornou todo impositivo que as emendas do relator passaram a ganhar recursos mais vultosos, numa tentativa de burlar esses crit�rios ison�micos.

 

Pelas regras atuais, o Congresso pode indicar �reas gen�ricas para o investimento dos recursos das chamadas emendas RP9, mas a defini��o dos munic�pios e projetos espec�ficos a serem efetivamente contemplados cabe exclusivamente ao Executivo.

 

O Congresso at� tentou impor o destino dessas emendas, mas isso foi vetado pelo pr�prio presidente Jair Bolsonaro que argumentou que a medida contrariava o interesse p�blico e estimulava o "personalismo".

 

Mas o que se v� no caso do suposto "or�amento paralelo" � justamente esse descaso com o interesse p�blico e o personalismo em a��o, avalia Castello Branco.

 

"Neste caso, o governo abriu para alguns parlamentares do seu interesse a possibilidade de indicar onde desejariam alocar recursos, al�m das emendas tradicionais", explica o especialista.

 

"O que seria destinado por crit�rios t�cnicos passou a obedecer a interesses pol�ticos paroquiais. E sem transpar�ncia, pois apenas as pastas sabem quem indicou o que, para onde, com qual valor", afirma.

 

"� um 'mensal�o' disfar�ado de emendas parlamentares. Compra expl�cita de apoio pol�tico", opina o fundador da Associa��o Contas Abertas.

4) Por que isso � um problema para a transpar�ncia e o controle das contas p�blicas?

Segundo Castello Branco, o grande problema das emendas do relator ou RP9 � que elas s�o na pr�tica uma "caixa-preta".

 

No caso das emendas individuais, de comiss�o e de bancada, o site SIGA Brasil, do Senado Federal, disponibiliza um painel para acompanhamento. � poss�vel saber quem fez, qual o valor, o objetivo e se as emendas j� foram pagas.

 

J� nas emendas do relator n�o h� essa possibilidade de controle p�blico.

 

"A falta de transpar�ncia � tal que, se esses of�cios a que o Estad�o teve acesso n�o tivessem aparecido, jamais algu�m saberia que a Fl�via Arruda (PL-DF) fez emenda, que o Arthur Lira [Progressistas-AL] fez emenda", exemplifica Castello Branco.

 

A procuradora �lida Graziane tem avalia��o similar.

 

"Fica claro o risco que a exist�ncia de execu��o descentralizada dentro das emendas de relator traz a respeito de direcionar os recursos de forma subjetiva para quem � da base de apoio do governo, sem par�metro inclusive de ader�ncia ao planejamento setorial de pol�ticas p�blicas", diz Graziane.

 

"N�s caminhamos tanto nos �ltimos anos tentando aperfei�oar o processo or�ament�rio, dar ao Parlamento maior autonomia, garantir o repasse obrigat�rio de recursos para o Parlamento exercer seu papel de freio e contrapeso, para agora voltarmos a uma coisa opaca, sem crit�rios impessoais e com presta��o de contas fr�gil. � um trato 'balcanizado' da coisa p�blica", avalia.

5) O 'or�amento paralelo' se assemelha a esc�ndalos do passado?

Os dois especialistas em contas p�blicas s�o un�nimes na avalia��o de que sim.

Al�m do mensal�o, lembrado pelo representante da Associa��o Contas Abertas, a procuradora �lida Graziane cita ainda semelhan�a com o caso dos "An�es do Or�amento".

 

Nesse esc�ndalo, que foi alvo de uma CPI (Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito) em 1993, durante o governo de Itamar Franco (PMDB), um grupo de 37 pol�ticos foi investigado por manipular emendas parlamentes com o objetivo de desviar dinheiro p�blico.

 

"Parece que n�o aprendemos com os erros, por isso eles se repetem de forma mais grave", diz Graziane.

 

"Os An�es do Or�amento na d�cada de 1990 eram 'an�es' porque eram parlamentares de pouca express�o nacional. Agora, � o pr�prio Centr�o e o col�gio de l�deres que est�o alijando a representa��o democr�tica das minorias e a garantia de um crit�rio impessoal e ison�mico."

 

Castello Branco tamb�m v� semelhan�a com a libera��o de emendas parlamentares durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para a aprova��o da emenda constitucional nº 16, de 1997, que possibilitou a reelei��o para ocupantes de cargos do Poder Executivo.

 

Em setembro de 2020, FHC avaliou que a aprova��o da mudan�a em 1997 foi "um erro".

6) O caso do 'or�amento paralelo' pode caracterizar crime de responsabilidade?

A Constitui��o lista como crimes de responsabilidade os atos do presidente da Rep�blica que atentam contra: a pr�pria Constitui��o; a exist�ncia da Uni�o; o livre exerc�cio dos poderes Legislativo e Judici�rio, do Minist�rio P�blico e dos Estados; o exerc�cio dos direitos pol�ticos, individuais e sociais; a seguran�a interna do pa�s; a probidade administrativa; a lei or�ament�ria; o cumprimento da lei e das decis�es judiciais.

 

Conforme a representa��o apresentada na segunda-feira (10/05) pelo subprocurador-geral do Minist�rio P�blico junto ao TCU, Lucas Furtado, o caso do "or�amento secreto" pode "caracterizar eventual crime de responsabilidade, por atentar contra a lei or�ament�ria, nos termos do art. 85, inciso VI, da Constitui��o Federal."

7) Quais s�o os pr�ximos passos, ap�s o pedido de investiga��o feito ao TCU?

Segundo Castello Branco, ap�s a solicita��o do subprocurador-geral Lucas Furtado, o TCU deve se ver na obriga��o de abrir uma investiga��o.

"H� ind�cios, que precisar�o ser comprovados, de que o esquema teria sido uma forma de compra expl�cita de apoio pol�tico", afirma o especialista em contas p�blicas.

 

Graziane explica que o TCU pode, por exemplo, declarar a irregularidade das despesas e dar a conhecer ao Minist�rio P�blico Federal para que ele entre em ju�zo contra quem deu causa a eventuais situa��es de sobrepre�o, enriquecimento il�cito e dano ao er�rio. Depois disso, caberia ao Judici�rio punir por eventual improbidade.

 

Castello Branco lembra que h� tamb�m um pedido de CPI no Congresso, mas ele acredita que isso n�o deve prosperar, j� que a oposi��o n�o tem votos suficientes para criar uma comiss�o investigativa e os parlamentares do Centr�o n�o t�m interesse nisso, por serem os benefici�rios do suposto esquema.

8) O que diz o governo em sua defesa?

Em nota publicada na segunda-feira (10/05), o Minist�rio do Desenvolvimento Regional repudiou as acusa��es feitas pelo jornal O Estado de S. Paulo.

 

"� do Parlamento a prerrogativa de indicar recursos da chamada emenda de relator-geral (RP9) do Or�amento. O RP 9 foi criado por iniciativa do Congresso Nacional em 2019, e n�o pelo Executivo, como erroneamente tenta afirmar a manchete do jornal", diz a pasta.

 

O minist�rio afirma ainda que possui uma dota��o de R$ 6 bilh�es para 2021 com base em emendas de relator (RP9) e apenas R$ 3,8 bilh�es em recursos discricion�rios (RP2). "O esfor�o para recompor o corte de 44% das despesas discricion�rias do MDR e evitar a paralisia de obras de habita��o, saneamento e seguran�a h�drica v�m sendo amplamente noticiado", afirma o minist�rio.

 

Quanto � afirma��o de que equipamentos teriam sido comprados pela pasta com sobrepre�o, o minist�rio afirma que "a acusa��o se baseia em um pre�o de refer�ncia que n�o existe no Governo Federal. A reportagem utiliza uma cartilha meramente ilustrativa, com pre�os de 2019, que n�o refletem varia��es do momento econ�mico p�s-pandemia e as especificidades das regi�es brasileiras."


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