
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) tem se destacado na Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da COVID-19 pela forma incisiva com a qual questiona os depoentes. Ele cr� que a investiga��o tem dado importantes passos na busca pelo nascedouro das pol�ticas do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) ante a pandemia.
“A gente est� avan�ando na identifica��o da cadeia de comando da tomada de decis�o”, disse o senador em entrevista ao Estado de Minas.
“A gente est� avan�ando na identifica��o da cadeia de comando da tomada de decis�o”, disse o senador em entrevista ao Estado de Minas.
Delegado da Pol�cia Civil, o parlamentar aponta contradi��es presentes nos relatos do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Sa�de. Ele lembra que, enquanto Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta afirmaram que muitas de suas sugest�es n�o eram aceitas, o militar assegurou ter tido autonomia para gerir a pasta.
“A narrativa do Pazuello parece totalmente dissociada da realidade”, destaca, fazendo alus�o ao v�deo em que, hospitalizado em virtude do v�rus, o ent�o palaciano recebe uma visita de Bolsonaro e afirma seguir as ordens do chefe.
“A narrativa do Pazuello parece totalmente dissociada da realidade”, destaca, fazendo alus�o ao v�deo em que, hospitalizado em virtude do v�rus, o ent�o palaciano recebe uma visita de Bolsonaro e afirma seguir as ordens do chefe.
Em mar�o, Vieira ficou 11 dias internado por causa do coronav�rus. De um leito em um hospital em S�o Paulo, enfrentou as agruras impostas pela infec��o. Menos de dois meses depois, estava em uma sala de reuni�es do Congresso Nacional, tomando depoimentos para entender a crise sanit�ria que assola o pa�s. “A CPI vem conseguindo juntar provas e esclarecer mais os brasileiros no tocante � forma que o governo federal atuou”, esperan�a.
Como o senhor avalia as semanas iniciais de CPI?
A CPI vem conseguindo juntar provas e esclarecer mais os brasileiros no tocante � forma que o governo federal atuou, seja diretamente no combate � pandemia, com medidas de isolamento e atendimento mais r�pido, mas tamb�m com rela��o � quest�o das vacinas. Isso vem em um somat�rio de pe�as de informa��o, que est�o indo em crescente positiva.
Em quais linhas de investiga��o o senhor cr� que a CPI deve se aprofundar a partir de agora?
A gente vem recebendo – e faz sentido, em breve, passar a analisar – a quest�o dos repasses federais a estados e munic�pios. Na esfera federal, � preciso concluir a apura��o referente � contrata��o das vacinas da fornecedora Pfizer, porque j� temos documentos relativos a isso e tivemos depoimentos. Acredito que mais alguns depoimentos – pedi a reconvoca��o do ex-ministro Eduardo Pazuello – e a gente consegue encerrar essa parte espec�fica. H� v�rias outras (quest�es): a quest�o de Manaus, o fornecimento de oxig�nio e as escolhas que o governo fez, e todo o processo de tomada de decis�o para atendimento � crise causada pelo coronav�rus.
O senhor falou em estados e munic�pios. Como projeta o avan�o da CPI em torno de temas regionalizados?
Fazem parte do escopo da CPI e n�o devem ser ignoradas, tanto por conta da demanda social e pela quest�o da gravidade dos fatos. Acredito que essa an�lise vai ser, essencialmente, documental. Ou seja: a CPI j� pediu e est� recebendo documentos relativos � presta��o de contas dos repasses e, tamb�m, investiga��es que j� aconteceram e est�o em andamento Brasil afora. (A comiss�o) vai fazer um filtro em cima disso e no relat�rio final, certamente, indicar �s autoridades respons�veis pela fiscaliza��o as medidas que possam ser tomadas para evitar que saiam impunes aqueles que desperdi�aram ou roubaram dinheiro p�blico durante esta grave crise da pandemia.
O presidente da CPI, Omar Aziz, solicitou que fossem retirados dos autos a cita��o que o senhor fez, durante o depoimento do general Pazuello, do julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann em Jerusal�m. Por que o senhor fez essa refer�ncia? Um senador governista chegou a acus�-lo de xenofobia. O senhor se arrepende da cita��o?
O �nico governista que falou essa bobagem (Marcos Rog�rio, DEM-RO) pediu a retirada, espontaneamente, da ofensa. Falta um pouco de conhecimento hist�rico e, talvez, at� uma capacidade de racioc�nio l�gico. Mas compenso isso explicando: Eichmann n�o era um monstro ou mesmo um preconceituoso. Foi isso que Hannah Arendt (estudiosa do regime nazista) descobriu em seu julgamento. Eichmann era s� um burocrata, carreirista, que queria vantagens pessoais – n�o desonestas e de corrup��o, mas uma promo��o, um acesso a um elogio do chefe e um certo status dentro do sistema. Esse foi o paralelo feito com o general Eduardo Pazuello, que, na minha opini�o, casa concretamente com isso. Eduardo Pazuello n�o � um monstro. Ele n�o quer que o brasileiro morra faltando oxig�nio em cima de uma cama de hospital em Manaus. Mas ele executou uma pol�tica absolutamente irrespons�vel. Ele n�o parou um instante para questionar se comprar ou n�o comprar as vacinas era a medida certa. N�o tenho nenhum tipo de arrependimento e isso ficou bastante claro, inclusive, no momento. A fala teve contexto absolutamente correto e, claramente, n�o ofendeu nenhum tipo de etnia ou povo. Seria uma ignor�ncia hist�rica muito grande dar essa interpreta��o (xenofobia), que foi s� um recurso utilizado por um governista para tentar criar um tumulto na hora.
Pelo que foi dito nos depoimentos, qual a responsabilidade do presidente Bolsonaro nas mortes dos mais de 400 mil brasileiros pela COVID? Parte dessas mortes poderia ter sido evitada?
O Brasil poderia ter um comportamento muito mais positivo nesta crise. A gente est� avan�ando na identifica��o da cadeia de comando da tomada de decis�o. O ex-ministro Eduardo Pazuello foi o �nico a referir uma autonomia e possibilidade de comando total por parte do minist�rio. Seus antecessores relataram, com absoluta clareza, que as sugest�es e orienta��es n�o eram aceitas. Parece muito mais compat�vel com a verdade a narrativa de Mandetta e Teich. A narrativa do Pazuello parece totalmente dissociada da realidade. A gente tem um arquivo claro, na mem�ria, do famoso v�deo do ‘um manda, o outro obedece’. Lembrei ao ministro Pazuello que, mesmo no direito militar, n�o existe o dever de obedi�ncia. N�o � assim que funciona no Brasil. No Brasil, quando uma ordem � incorreta ou inadequada, deve ser questionada pelo subordinado. Mais ainda quando representa risco de morte a algu�m. O professor Pedro Hallal fez um c�lculo, corroborado por outros especialistas, no sentido de que aquela quantidade de vacinas das quais o Brasil abriu m�o, se tivessem chegado a tempo, poderiam representar redu��o de milhares de mortes e dezenas de milhares de interna��es.
Em suas interven��es, o senhor n�o faz discurso; opta por ir direto �s perguntas. Por qu�? Cr� que a experi�ncia como delegado ajuda na busca por respostas dos depoentes?
Essa experi�ncia claramente colabora. � uma Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito, ent�o, o momento que o parlamentar disp�e � para questionar a testemunha ou o investigado. N�o � para fazer discurso. Entendo perfeitamente que alguns colegas fa�am a op��o pelo discurso, mas claramente isso n�o � produtivo. O que voc� tem que fazer ali, naquele momento, � buscar extrair o m�ximo de informa��o para ter um conjunto de provas e evid�ncias que levem a alguma conclus�o. Os parlamentares brasileiros s�o vocacionados para falar, e n�o para ouvir. E, na CPI, o mais importante � ouvir.
O senhor cr� na convoca��o de Carlos Bolsonaro?
Pedi a convoca��o do Carlos, como de todos aqueles referidos como testemunhas. Cada um tem um papel dentro de sua atua��o pol�tica e, no caso, da CPI. Meu papel est� sendo muito claramente o de mostrar qual � o caminho t�cnico de investiga��o. E, para fazer um caminho t�cnico, n�o se pode olhar o CPF ou a filia��o de uma testemunha referida. Carlos Bolsonaro foi referido como uma pessoa que participa desse circuito de tomada de decis�o, claramente sem nenhuma forma��o para tanto. A gente v� esse tipo de situa��o, tamb�m, nas tratativas com a Pfizer: as tratativas, aparentemente, eram conduzidas por pessoas que n�o tinham a forma��o mais adequada para fazer aquilo. Ent�o, ouvi-lo seria muito importante, mas passa pela decis�o do colegiado. No momento, n�o tem um consenso pela convoca��o.
Contradi��es entre ex-ministros da Sa�de
Delegado da Pol�cia Civil e senador em primeiro mandato, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) aponta diferen�as entre a linha adotada por Eduardo Pazuello durante o depoimento � CPI e a postura, nas oitivas de seus antecessores. Para o parlamentar, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich evidenciaram que o governo federal deixou de seguir recomenda��es amparadas pela ci�ncia. O general, por seu turno, demonstrou ter perfil cumpridor de ordens, sustenta.
“Esses dois ex-ministros, na condi��o de m�dicos, orientaram constantemente o governo no sentido daquilo que parece ser consenso cient�fico global: medidas de isolamento e prote��o individual e a busca pela vacina��o. E o presidente da Rep�blica, assessorado por uma esp�cie de ‘conselho informal’, de n�o especialistas, em sua maioria – pelo menos at� agora n�o consegui identificar nenhum especialista propriamente dito que fa�a parte desse grupo –, acabou optando pelo sentido diverso: apostar em um medicamento que n�o tem efic�cia e menosprezar as medidas de isolamento”, dispara.
Vieira se ampara no depoimento do presidente da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), Antonio Barra Torres, que � almirante, para corroborar os pontos de Mandetta e Teich. “O almirante Barra tamb�m veio de forma muito firme nesse sentido: o governo tinha t�cnicos que apontavam o caminho, mas o governo escolhia caminhos diversos”