
Durante a conversa, realizada por videoconfer�ncia por medidas de isolamento social na pandemia, o vice revelou um exemplo concreto de sua exclus�o no governo: ele se ofereceu para chefiar a delega��o brasileira nas c�pulas do Clima e da Biodiversidade da ONU, neste ano, mas ficou sem resposta at� agora.
Medindo as palavras, Mour�o ressaltou que o governo n�o pode se comportar como "anjo" no relacionamento com o Congresso e reconheceu que o presidente chamou o Centr�o para "operar" politicamente. Ele disse que o "or�amento secreto", esquema montado pelo presidente em troca de apoio pol�tico, � um dos frutos dessa alian�a e precisa ser "reorganizado". A seguir, os principais trechos da entrevista:
• Passados dois anos da elei��o, o projeto vitorioso nas urnas, do qual o senhor participou, foi desvirtuado?
Acho que tem se tentado levar avante aquilo que foi prometido na campanha eleitoral. Agora, com as dificuldades, limita��es. �s vezes de nossa pr�pria parte, n�? N�o � simples, porque grande parte das maiores promessas, vamos falar assim, principalmente aquelas ligadas �s reformas estruturais do Pa�s, tem obrigatoriamente de passar por dentro do Congresso. � uma negocia��o dif�cil, n�o � simples.
• A popula��o acabou escolhendo o presidente em um contraponto com o que o Pa�s viveu com o PT. Seria um governo que n�o faria o toma l� d� c� com o Congresso e enfrentaria a corrup��o. Nesse sentido, como o senhor v� essa rela��o que foi estabelecida com o Legislativo?
Em rela��o ao relacionamento com o Congresso, a gente n�o pode ser anjo. A realidade � que se voc� quer ter um governo est�vel no Brasil, tem de fazer composi��o. No primeiro momento, o presidente decidiu n�o fazer dessa forma, usou aquelas bancadas tem�ticas, que cada uma tem "n" partidos e, no fim das contas, termina por n�o haver a��o conjunta. E, num segundo momento, definiu que tinha de chamar os partidos do Centr�o para operar junto com a gente. E, � �bvio, cedeu minist�rios. Felizmente, n�o temos esc�ndalos de corrup��o nos minist�rios.
• Tem um ministro investigado pela Pol�cia Federal
(Ricardo Salles, do Meio Ambiente). Pode ser um desvio de conduta da a��o dele como ministro, mas n�o especificamente de uso de recurso p�blico como houve em outras ocasi�es, sem querer defender ningu�m.
• O ‘Estad�o’ tem revelado a s�rie de reportagens do "or�amento secreto", um esquema de coopta��o do Congresso. Incomoda o senhor esse distanciamento entre o que foi prometido com o que foi feito?
O que se viu foram as emendas individuais, de bancada, e agora surgiu essa de relator, praticamente tirando recursos do governo e colocando na m�o do Congresso. Ficou complicado. Teve que haver negocia��o, se n�o perder�amos o controle sobre o Or�amento. Isso � um assunto que ainda vai ter de ser devidamente reorganizado, se n�o os governos ficar�o totalmente � merc� dessa situa��o que est� sendo vivida.
• O senhor j� disse que sente falta de participar mais do governo. Esse distanciamento tem se tornado n�tido com o presidente, embora o senhor sempre se diga leal. O presidente e seu entorno, seus filhos, t�m sido desleais ao alij�-lo?
� muito chato o presidente fazer uma reuni�o com os ministros e deixar seu vice-presidente de fora. � um sinal muito ruim para a sociedade como um todo. Eu, como vice-presidente, fico sem conhecer, sem saber o que est� sendo discutido. Isso n�o � bom, n�o faz bem. Eventualmente, eu tenho que substituir o presidente e, se n�o sei o que est� acontecendo, como vou substituir? N�o h� condi��es. Eu tenho um relacionamento muito bom com o senador Fl�vio e n�o vejo problema com os demais. Tamb�m j� deixei claro que eu tenho uma vis�o de mundo e ele (Bolsonaro) tem outra. Isso � uma realidade.
• Com que condi��es o Brasil poder� pleitear dinheiro aos americanos e europeus nas c�pulas clim�ticas na Esc�cia e na China, sob a lideran�a do ministro Ricardo Salles, investigado duplamente, suspeito de envolvimento com madeira ilegal? � poss�vel que a participa��o do Brasil n�o seja um vexame?
Na nossa delega��o, temos a turma das Rela��es Exteriores e a turma t�cnica do Meio Ambiente. Teria de ter uma terceira pessoa que coordenasse isso e fosse o �rbitro de nossos interlocutores. Procurei me apresentar para isso. Por enquanto, ainda n�o recebi essa tarefa. Vamos aguardar. Defendo que nossa delega��o chegue com posi��o firme, com medidas reais tomadas no intuito de mostrar nossa contribui��o para redu��o da mudan�a clim�tica. Nossas medidas est�o intimamente ligadas � conten��o do desmatamento ilegal, ent�o temos de apresentar resultados nisso. N�o posso ter na Amaz�nia s� 40 agentes do Ibama. Tenho de ter 500. Tem de abrir concurso e botar os agentes para trabalhar, estabelecidos em bases com barco, com helic�ptero, com capacidade de cumprir sua tarefa. Se n�o fizermos isso, n�o iremos avante.
• J� convenceu o presidente e o ministro da Economia, Paulo Guedes, dessa necessidade?
Eu sempre falo que a gente tem de estar baseado em um trip�: clareza, determina��o e paci�ncia.
• "Como vice-presidente, fico sem saber o que est� sendo discutido. Isso n�o � bom. Eventualmente, tenho de substituir o presidente e, se n�o sei o que est� acontecendo, como vou substituir? N�o h� condi��es."
Estou exercendo a determina��o e paci�ncia agora.
• Pelo que a CPI tem revelado, at� que ponto o Brasil foi de fato prejudicado na obten��o de vacinas, e insumos em geral, por figuras do governo terem torpedeado a China?
N�o vejo que tenha havido preju�zo ao Brasil. A China tem de distribuir insumo para muita gente, j� vacinou em torno de 900 milh�es de pessoas, em torno de 60% da popula��o chinesa, e tem distribu�do insumos a seu entorno estrat�gico. N�o � simples.
• O Brasil vai considerar, como a OTAN, que a China amea�a a seguran�a do Ocidente?
No nosso caso, n�o vemos isso. Essa disputa por espa�o � n�o s� pela economia mundial, mas na quest�o militar.
• O que o senhor pensa sobre a PEC que limita a participa��o de militares da ativa em cargos comissionados no governo?
J� existe essa limita��o. Eu n�o vejo que seja necess�rio um outro tipo de legisla��o.
• Iniciativas como essa acabam externando uma preocupa��o dos civis com a entrada de militares na pol�tica?
Quando voc� coloca um general, um almirante ou um brigadeiro como ministro, ele j� atingiu o topo da carreira. N�o � mais o caso de pensar em voltar para sua For�a, caso ele tenha de abandonar o minist�rio ou o presidente resolva troc�lo no meio do caminho. Voc�, ao ocupar um cargo de ministro, sempre estar� participando de atos pol�ticos.
• At� onde o senhor acha que as For�as Armadas v�o ceder para n�o incomodar o presidente?
Eu n�o vejo uma quest�o de ceder para n�o incomodar. No caso espec�fico do Pazuello (exministro da Sa�de) houve uma transgress�o, mas sem gravidade. O comandante do Ex�rcito optou por lhe dar apenas uma bronca em privado.
• O senhor enxerga um divisor de �guas nesse caso?
Acendeu uma luz amarela nas For�as. Os pr�prios comandantes entendem que eles t�m de abrir os bra�os, estabelecer uma barreira e dizer: "Olha, � daqui para tr�s. Daqui para a frente ningu�m pode ultrapassar".