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Estado de Minas PASSADO SOMBRIO

Os desconhecidos casos de crian�as e beb�s sequestrados na ditadura brasileira

Crian�as eram filhos de militantes que faziam oposi��o ao regime militar entre as d�cadas de 1960 e 1980


26/04/2022 06:34 - atualizado 26/04/2022 12:05


Homem, bebê e mulher em foto de família
Ros�ngela Serra Paran� (ao centro) com Odyr de Paiva Paran� e Nilza da Silva Serra (foto: Arquivo Pessoal)

H� pelo menos uma d�cada, Ros�ngela Serra Paran� est� � procura dos pais biol�gicos.

Ela � v�tima de um crime de Estado pouco conhecido dos brasileiros: o sequestro de beb�s e crian�as filhos de militantes que faziam oposi��o ao regime militar nas d�cadas de 1960, 1970 e 1980.

Ros�ngela foi apropriada ilegalmente por uma fam�lia de militares na d�cada de 1960 e s� descobriu sua condi��o d�cadas depois, durante uma discuss�o com familiares.

Onze dos 19 casos conhecidos de sequestros de crian�as na ditadura est�o ligados � guerrilha do Araguaia, um movimento guerrilheiro de oposi��o que ocorreu entre o final da d�cada de 1960 e o ano de 1974 na regi�o amaz�nica, na conflu�ncia dos estados do Par� e do atual Tocantins.

- Leia: Caso Zuzu Angel comprova que mem�ria curta � predicado nacional

 

Essas 11 v�timas s�o filhos de guerrilheiros e de camponeses que deram guarida ao movimento.

Os sequestros de crian�as foram realizados na primeira metade da d�cada de 1970, durante as gest�es dos generais-presidentes Em�lio Garrastazu M�dici - quando o ministro do Ex�rcito era Orlando Geisel, irm�o do sucessor de M�dici - e de Ernesto Geisel. Era a fase mais grave de repress�o da guerrilha do Araguaia.

Os 19 casos s�o listados no livro reportagem "Cativeiro sem fim", escrito por mim, Eduardo Reina.

Procurados na �poca da produ��o do livro, o Minist�rio da Defesa e os comandos do Ex�rcito e da Aeron�utica n�o responderam os questionamentos. Em entrevista a um livro publicado no ano passado, o general Eduardo Villas B�as disse que relatos sobre o sequestro de beb�s na ditadura "carecem de verossimilhan�a" (leia mais abaixo).

Em busca dos pais biol�gicos

"Vivo num pesadelo todo dia, ao pensar que minha m�e pode estar viva, precisando de mim", diz Ros�ngela Serra Paran�.

"Hoje vivo na ang�stia de n�o saber quem eu sou, quantos anos eu tenho, e sequer saber quem foram ou quem s�o os meus pais", afirma.

Ela foi apropriada por Odyr de Paiva Paran�, integrante de uma fam�lia tradicional de militares no Rio de Janeiro.


Mulher com rosto encostado em cachorro preto
Ros�ngela Serra Paran� em foto atual (foto: Arquivo Pessoal)

Os pais apropriadores de Ros�ngela Serra Paran� eram Odyr de Paiva Paran� e Nilza da Silva Serra. A fam�lia diz que a beb� fora adotada em 1963.

Uma certid�o de nascimento d� como dia do nascimento 1º de outubro de 1963. Mas o registro s� foi feito em cart�rio em 22 de setembro de 1967.

No documento elaborado no cart�rio do Catete, Rio de Janeiro, est� registrado que Ros�ngela � filha ileg�tima de Odyr e Nilza. O documento n�o fornece o nome dos pais biol�gicos. Nilza, segundo a fam�lia, n�o podia gerar filhos.

Odyr � motorista de profiss�o. Segundo Ros�ngela, o pai adotivo trabalhava como motorista para o general Ernesto Geisel. "Ele ficava com um carro preto, grande, que estava sempre limpando", recorda. Ambos frequentavam o s�tio do general na cidade de Teres�polis, segundo Ros�ngela.

A certid�o de nascimento de Ros�ngela d� como local de seu nascimento um im�vel na rua Marqu�s de Abrantes, 160, Flamengo, Rio de Janeiro. O im�vel pertence � Rio Previd�ncia, entidade dos servidores estaduais, que o comprou em 1958, de acordo com a certid�o do im�vel.

A mesma certid�o de nascimento possui duas testemunhas. Uma � Alcindo Quintino Ribeiro, propriet�rio de um pr�dio onde a fam�lia Serra Paran� morou.

A outra � Paulo Cardoso de Oliveira, motorista de profiss�o, como Odyr. O endere�o de resid�ncia dessa testemunha, por�m, n�o existe.

O pai de Odyr, Arcy Paran�, era militar. De acordo com o Di�rio Oficial, ele chegou ao posto de sargento. Na d�cada de 50, foi promovido e come�ou a trabalhar no setor administrativo do Ex�rcito.

Os casos de Juracy e Miracy

Na regi�o da guerrilha do Araguaia, no in�cio da d�cada de 1970, os militares sequestraram dois meninos de uma mesma fam�lia.

O primeiro, Juracy Bezerra de Oliveira, � protagonista de um equ�voco das for�as militares. O alvo seria Giovani, filho de um dos l�deres da guerrilha, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvald�o, com uma mulher de nome Maria.

Em 1972 ou 1973, Juracy tinha cerca de sete anos de idade. As for�as militares pensavam que ele era o verdadeiro filho do guerrilheiro Osvald�o com Maria Viana da Concei��o. Mas a m�e de Juracy era Maria Bezerra de Oliveira, e o pai, Raimundo Mour�o de Lira.

A confus�o no sequestro teria ocorrido porque os soldados estavam � procura de um menino de pele escura, com idade entre seis e oito anos, filho de uma mulher branca, de corpo grande e olhos claros, cujo nome era Maria. Encontraram a m�e de Juracy com as mesmas caracter�sticas e levaram o menino.

Seu destino foi Fortaleza, depois de ter sido torturado e queimado numa fogueira num acampamento militar dentro da selva, ap�s um militar ter sido alvejado durante troca de tiros com os guerrilheiros.

Acabou sendo apropriado pelo tenente do Ex�rcito Ant�nio Ess�lio Azevedo Costa, que o registrou em cart�rio como se fosse seu filho leg�timo, e conviveu com a fam�lia do tenente por muitos anos.

"Um dia chegaram e me levaram. Minha m�e, nem lembro o que ela fez. Eu era um menininho quando Ex�rcito me levou. Fiquei 15 dias no meio do mato. Me deram muita peia. Bateram, machucaram", diz a v�tima.

O sequestrado ficou com uma das m�os deformada devido �s queimaduras que sofreu. Ele conta que os soldados resolveram puni-lo por achar que seu pai havia matado um militar.

Depois, na cidade de Fortaleza, Juracy foi criado pela m�e do tenente Ant�nio Ess�lio.

No in�cio dos anos 2000, resolveu retornar � regi�o do Araguaia, ainda pensando que fosse filho de Osvald�o.

Ao chegar, encontrou Ant�nio Viana da Concei��o e descobriu sua verdadeira hist�ria. Reencontrou a m�e biol�gica, Maria Bezerra de Oliveira, quando descobriu que um irm�o seu, Miracy, tamb�m havia sido levado pelos militares.

Hoje ele vive numa ilha no meio do rio Araguaia.

Irm�o de Juracy, Miracy tinha a pele clara e olhos claros, ao contr�rio do irm�o. Foi levado pelo sargento Jo�o Lima Filho para a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, tamb�m em 1972 ou 1973.

Anos mais tarde, Juracy e a m�e, Maria Bezerra de Oliveira, foram � procura de Miracy. Mas n�o encontraram nenhuma pista do sargento que o levou; nem conseguiram informa��es em quarteis do Ex�rcito em Natal sobre o paradeiro do militar.

Giovani

Depois do sequestro equivocado de Juracy, os militares encontraram Giovani, filho de Osvald�o e Maria Viana da Concei��o. O garoto tinha entre quatro e cinco anos de idade quando foi levado, segundo conta outro filho de Maria, Ant�nio Viana da Concei��o.

O sequestro ocorreu em 1973, na cidade de Aragua�na, atual Tocantins. A exist�ncia desse filho do guerrilheiro no Araguaia � revelada tamb�m por Sebasti�o Rodrigues de Moura, o major Curi�, hoje militar da reserva do Ex�rcito e respons�vel pela ca�ada aos guerrilheiros do PCdoB a partir de 1973 no Araguaia.

O paradeiro de Giovani � desconhecido.

Ainda no Araguaia foi sequestrada Lia Cec�lia da Silva Martins, filha do guerrilheiro Ant�nio Teodoro de Castro, o Raul.


Mulher idosa com homem adulto
Juracy Bezerra de Oliveira com sua m�e biol�gica, Maria Bezerra de Oliveira (foto: Arquivo Pessoal)

Lia foi levada para um orfanato que pertencia a um tenente da Aeron�utica, em Bel�m do Par�. Foi adotada por um casal que trabalhava na entidade.

Seis filhos de camponeses tamb�m foram tirados de suas fam�lias biol�gicas e levados para quarteis do Ex�rcito, de onde teriam sido liberados tempos depois. Jos� Vieira; Ant�nio Jos� da Silva, Antoninho; Jos� Wilson de Brito Feitosa, Z� Wilson; Jos� de Ribamar, Z� Ribamar; Osniel Ferreira da Cruz, Osnil; e Sebasti�o de Santana, Sebasti�ozinho.

Somente Jos� Vieira foi localizado. Ele � filho de Luiz Vieira, um agricultor de subsist�ncia e morador na regi�o de S�o Domingos do Araguaia. Luiz foi morto pelas for�as militares.

"Aquelas pessoas que conheciam o povo da mata (como os guerrilheiros eram chamados) foram atacados pelas tropas. O pessoal que tava no mato foi atacado. Depois me prenderam. A�, quando eu sa�, j� fiquei toda vida dentro do Ex�rcito", conta Jos� Vieira.

Houve ainda casos de sequestro de beb�s e crian�as no Paran�, Pernambuco e Mato Grosso.

Respostas militares

Procurados em 2018, quando o livro "Cativeiro sem fim" estava sendo produzido, o Minist�rio da Defesa, o Ex�rcito e a Aeron�utica n�o responderam aos questionamentos enviados.

O Minist�rio da Defesa sugeriu que novas solicita��es fossem enviadas aos comandos do Ex�rcito, da Aeron�utica e da Marinha, alegando que as informa��es solicitadas estariam custodiadas sob o comando desses �rg�os militares.

O Ex�rcito respondeu que "a Institui��o esclarece que nada tem a informar sobre o assunto".

A Aeron�utica alegou que "em 16 de novembro de 2009, a Procuradoria-Geral de Justi�a Militar manifestou interesse na an�lise dos documentos produzidos e acumulados pelo Comando da Aeron�utica, do per�odo de 1964 a 1985. Nesse sentido, em 3 de fevereiro de 2010, o acervo, contendo 212 caixas com 49.867 documentos, foi recolhido � Coordena��o Regional do Arquivo Nacional do Distrito Federal (COREG), onde s�o de dom�nio p�blico, onde talvez possa realizar sua pesquisa".

No ano passado, em entrevista publicada no livro "General Villas B�as - conversa com o comandante", de autoria de Celso Castro, da Funda��o Get�lio Vargas, o militar questionou a ocorr�ncia de sequestros de crian�as na ditadura.

"Recentemente, algu�m ligado aos direitos humanos trouxe � tona um t�pico sobre o qual nunca ouvi falar, de que cento e tantas crian�as teriam sido sequestradas e afastadas dos pais. Essa e outras narrativas, a exemplo de um suposto massacre de �ndios, na abertura da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, carecem de verossimilhan�a e contribuem para a falta de isen��o na conclus�o das apura��es", afirmou Villas B�as.

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