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Estado de Minas HIST�RIA

A primeira Carta aos Brasileiros escrita h� 45 anos inspirou novo manifesto

Texto em defesa da democracia se tornou um marco do enfrentamento do regime militar; documento saiu da Faculdade de Direito da USP


31/07/2022 04:00 - atualizado 31/07/2022 09:28

Leitura da 'Carta aos Brasileiros' pelo jurista Goffredo Telles Jr...
O jurista Goffredo Telles Jr. l� a "Carta aos Brasileiros" no p�tio das Arcadas, na Faculdade de Direito da USP em 8 de agosto de 1977 (foto: H�lio Campos Mello/Divulga��o - 8/8/77)


“Est�vamos em 1977. Viv�amos o 13º ano de chumbo da ditadura militar. Havia em mim um sonho. Um sonho? O que em mim fervilhava era muito mais do que um sonho. Era um almejo ardente, um anhelo dominante. Era uma ideia arrebatadora. Era um projeto: o projeto de uma proclama��o desassombrada, incontido desabafo de minha alma, reflexo da alma flagelada de meu pa�s. Era uma conjectura: a conjectura de um manifesto revolucion�rio, brado carism�tico por liberdade e pelo Estado de Direito.

Das Arcadas do Largo de S�o Francisco, do Territ�rio Livre da Academia de Direito de S�o Paulo, eu queria dirigir a todos os brasileiros minha Mensagem de Anivers�rio, uma alocu��o veemente, que fosse uma Proclama��o de Princ�pios de nossas convic��es pol�ticas. N�s est�vamos convictos de que a fonte genu�na da ordem p�blica n�o era a For�a, mas o Poder. Para nossa consci�ncia jur�dica, o Poder emana do povo; era produto da manifesta��o popular. A For�a era outra cousa. Era a imposi��o das armas.”

Registrado em 1997, o depoimento � do jurista Goffredo Telles Jr. (1915-2009), principal redator da “Carta aos Brasileiros”, – veemente rep�dio � ditadura militar e ao estado de exce��o, movimento civil de den�ncia � ilegitimidade do ent�o governo que se seguiu ao golpe militar de 1964.

Lan�ada com repercuss�o nacional e internacional em 8 de agosto de 1977, em leitura nas Arcadas do Largo de S�o Francisco, da Faculdade de Direito da Universidade de S�o Paulo (USP), obteve a ades�o de dezenas de juristas e catedr�ticos como Jos� Ign�cio Botelho de Mesquita, F�bio Konder Comparato, Modesto Carvalhosa, Irineu Strenger, Dalmo de Abreu Dallari e Miguel Reale J�nior, al�m desembargadores e intelectuais como Ant�nio C�ndido de Mello e Souza e Dom C�ndido Padim, Bispo de Bauru.

Marco, no auge dos anos de chumbo, do enfrentamento � ditadura pela organiza��o da sociedade civil, a “Carta aos Brasileiros” inspira hoje, 45 anos depois, rea��o �s amea�as protagonizadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) �s institui��es democr�ticas, com a nova “Carta �s Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democr�tico de Direito", que j� re�ne mais de cinco centenas de milhares de assinaturas e ser� lida, no pr�ximo 11 de agosto, no mesmo local.

Mentores e signat�rios h� 45 anos da primeira carta, Jos� Carlos Dias, de 83 anos, presidente da Comiss�o Arns de Direitos Humanos e Fl�vio Bierrenbach, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, pretendem participar do novo ato em defesa do estado democr�tico de direito.

Naqueles anos de chumbo, Goffredo Telles conclamava o restabelecimento do estado de direito e a convoca��o de uma Assembleia Nacional Constituinte. Embora a ditadura militar s� tenha se encerrado em 1985, com a elei��o indireta de Tancredo Neves � Presid�ncia da Rep�blica, a “Carta aos Brasileiros” consolidou um marco no enfrentamento � ditadura, particularmente naquele contexto de mortes sob torturas de prisioneiros pol�ticos como o jornalista e dramaturgo Wladimir Herzog (1937-1975), o oper�rio metal�rgico Manoel Fiel Filho (1927-1976) e o l�der estudantil aluno de Geologia da USP Alexandre Vannucchi Leme (1950-1973), entre tantos outros desaparecidos nos por�es dos Destacamentos de Opera��es de Informa��o – Centros de Opera��es de Defesa Interna (Doi-Codis).
 
 
A Carta aos Brasileiros tamb�m era uma rea��o ao chamado Pacote de Abril, de 13 de abril de 1977, instituindo os senadores bi�nicos e v�rias novas medidas de restri��o �s liberdades, baixadas pelo general Ernesto Geisel alterando a Constitui��o –  que j� era ileg�tima, porque outorgada pela Junta Militar em 1969.

“Tanto absolutismo, tanto autoritarismo, por tanto tempo, para qu�? Pergunta permanente, esta, em nossos esp�ritos inquietos. Que t�tulos, que autoridade cultural tinham os generais do governo, para ditar e impor a toda a Na��o, por anos e anos a fio, a sua “verdade”, as suas “certezas”, as suas “avers�es” e “ojerizas”? Censura rigorosa, exercida severamente nos �rg�os da m�dia, buscava escamotear, dos olhos do povo, grande parte da realidade”, escreveu em artigo publicado por Goffredo Telles, pouco antes da Carta aos Brasileiros, lembrando que nas elei��es para a C�mara e Senado em 1974, a oposi��o oprimida vencera elegendo fortes bancadas.

Exatamente por isso, dois anos depois, temendo nova derrota nas urnas, o governo militar promulgou a chamada Lei Falc�o, de 24 de Julho de 1976, que restringia drasticamente a propaganda eleitoral no r�dio e na televis�o � publica��o de foto e de um minicurr�culo do candidato. No ano seguinte, viria o Pacote de Abril.

Escolha estrat�gica

O movimento para o lan�amento da “Carta aos Brasileiros” surgiu nos primeiros meses de 1977 no �mbito das comemora��es dos 150 anos da Faculdade de Direito da Universidade de S�o Paulo. Os juristas Jos� Carlos Dias e Fl�vio Bierrenbach n�o se conformavam com o fato de que a comiss�o das atividades de celebra��o da data fosse presidida pelo professor Alfredo Buzaid, ex-ministro da Justi�a do governo M�dici, defensor do AI-5.

Reunidos com Almino Afonso, Dias e Bierrenbach decidiram organizar um evento alternativo. E estrategicamente, escolheram para protagoniz�-lo o professor de Ci�ncia do Direito e de Teoria Geral de Direito da faculdade, Goffredo Telles Jr: integralista, sem v�nculos com a esquerda e cr�tico ao marxismo, acreditava-se ter perfil com menor probabilidade de ser preso pelo enfrentamento � ditadura.

Representando um grupo de advogados da Academia do Largo de S�o Francisco, Dias, Bierrenbach e Almino Afonso deixaram claro a Goffredo que desejavam ter sacramentado em documento, a express�o de seu rep�dio � ditadura militar, n�o permitindo que algum dia pudessem ser confundidos com omissos ou apoiadores do regime. Nesse sentido, queriam proclamar, em celebra��o alternativa dos 150 da faculdade, numa inequ�voca mensagem aos brasileiros de fidelidade aos ideais da liberdade, da democracia e do estado de direito.

Foi um encontro de escolhas: Goffredo, tamb�m queria ser o protagonista do manifesto.

“Pois bem, n�s quer�amos proclamar nossa insurrei��o contra essa tutela, esse arb�trio. Sustent�vamos que uma na��o desenvolvida era uma na��o que podia manifestar, e fazer sentir, a sua vontade. N�o v�amos que raz�es podiam existir para que comandantes das For�as Armadas continuassem a proferir amea�as contra civis, e a dizer, aos pol�ticos e aos cidad�os em geral, como se deviam comportar. N�o v�amos o motivo pelo qual os militares, por mais ilustres que fossem, haveriam de ser considerados os melhores cidad�os do pa�s. Que t�tulos, ostentavam os militares, para que pudessem ser tidos como a mais alta express�o da sabedoria pol�tica e do civismo? Al�m da for�a de suas armas, que possu�am eles, de que lhes pudesse advir um Poder incontrast�vel? Ali�s, durante os longos 13 anos de chumbo, o que presenciamos no Brasil, foi o suceder ininterrupto de viol�ncias inauditas, praticadas pelas autoridades, contra pessoas e direitos”, registrou Goffredo em suas mem�rias, sobre a g�nese da “Carta aos Brasileiros”, 20 anos depois, considerando, em algumas passagens, que subversivos s�o aqueles que violam a Constitui��o.



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