
No recreio do Col�gio Jo�o Paulo I, uma escola privada, em Porto Alegre, o ch�o est� rabiscado com giz. Ao inv�s de desenhos ou n�meros para pular amarelinha, o que mais chama a aten��o � a frase escrita: "Fora Bolsonaro". Uma menina do 4º ano observa as letras com tra�os tortos, indicando que algu�m mais novo do que ela tinha feito aquilo. Talvez alunos do 3º ano. Indignada, ela pega o giz e reescreve "Dentro Bolsonaro". Sente um certo al�vio, mas n�o sabe bem explicar o porqu�.
Bem longe dali, no Col�gio Santo Agostinho Novo Leblon, uma escola privada, no Rio de Janeiro, durante o intervalo entre as aulas, quando n�o h� nenhum professor na sala, um grupo de alunos come�a uma discuss�o. Alguns gritam "Melhor boca suja do que ladr�o!". Os outros revidam "� �bvio que n�o!".
Tamb�m � fora do alcance da supervis�o de professores ou monitores, durante intervalo ou recreio, que surgem as discuss�es mais acaloradas na Escola Municipal Paulino Melenau, em Jaboat�o dos Guararapes, pr�ximo a Recife. L�, uma aluna do 9º ano conta que "o debate �s vezes fica grosseiro" e n�o � incomum escutar xingamentos como "bolsominion" e "fascista".As discuss�es se estendem at� mesmo fora do ambiente escolar e v�o parar no grupo da turma no WhatsApp. "Meu filho fala que � uma verdadeira guerra de figurinhas e memes", conta a m�e de um aluno do 6º ano da escola estadual CIEP 112 Monsenhor Solano Dantas Menezes, na Baixada Fluminense.

Se as disc�rdias, fruto da polariza��o pol�tica no pa�s, invadem o ambiente familiar e o c�rculo de amizade entre os adultos, entre as crian�as a situa��o n�o � diferente. Afinal, elas s�o uma verdadeira esponja e absorvem, ainda sem pleno entendimento, as opini�es dos pais, principalmente.
"A crian�a � uma esponja porque precisa de um referencial. Quanto menor ela for, mais f�cil a crian�a estar apenas repetindo aquilo o que foi falado porque ela precisa partir de algum lugar", explica a psicanalista Sylvia Caram, especialista em Educa��o Infantil da PUC-Rio. � apenas a partir da adolesc�ncia que elas come�am a se aproximar de uma opini�o pr�pria, mas, at� l�, defendem como verdades absolutas o que ouviram em casa.
A autonomia de opini�o, no entanto, est� cada vez mais precoce, acelerada pela maior exposi��o � internet durante a pandemia, como relata Sylvia. S�o crian�as de at� oito anos de idade que deixaram de ter somente os pais como �nica refer�ncia, passando a escutar o que dizem influenciadores nas redes sociais, al�m de absorver o conte�do dos in�meros v�deos e memes que circulam pelas telas.
"Demoniza��o do debate pol�tico"
O fato dessa troca de farpas entre alunos estar acontecendo longe da modera��o dos professores ocorre, em parte, pelo receio que muitos docentes t�m de propor um debate pol�tico em sala de aula e serem acusados de um vi�s para esquerda ou direita.
� a "demoniza��o do debate pol�tico", como descreve Patr�cia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, que coordena o EducaM�dia, um programa de educa��o midi�tica direcionado aos jovens e que tem parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Depois daquele movimento da 'Escola sem partido', em que as escolas estavam sendo acusadas de doutrinar os jovens com conte�do de direita ou de esquerda, principalmente, houve um processo de criminalizar o debate sobre pol�tica. O professor passou a se sentir desincentivado a tratar desse tema em sala de aula", afirma Patr�cia.
Ela cita a pesquisa Juventudes e Pol�tica, do instituto Ipec, publicada neste ano, a qual aponta que o jovem est� interessado em quest�es pol�ticas, mas vem se informando e formando sua opini�o a partir de influenciadores que muitas vezes t�m o mesmo n�vel de conhecimento que ele em tais temas.
"Da� a import�ncia de a escola entrar nesse debate formando esse jovem para que ele possa ir atr�s de informa��es e construir sua pr�pria opini�o. N�o podemos deix�-lo � margem e s� convid�-lo a se manifestar na �poca da elei��o. Temos que dar subs�dios para que ele possa fazer uma escolha bem informada, que entenda quais s�o os crit�rios que deve levar em conta na hora de decidir o voto. Isso transcende a quest�o partid�ria", ressalta.
Na Escola Nova, no Rio de Janeiro, desde o 4º ano do Ensino Fundamental h� um exerc�cio feito com regularidade em sala de aula para quebrar o engessamento de opini�es que geram brigas. A diretora Vera Affonseca conta que s�o escolhidos temas pol�micos. A sala � dividida em grupos que defendem um ponto de vista e depois eles invertem as posi��es. "� uma pr�tica que temos para que os alunos entendam como o outro pensa. Para que aquele que � contra um determinado assunto assuma um posicionamento a favor", conta. Para os mais velhos, j� foram debatidos temas como demarca��o de terras ind�genas e porte de armas, e, com a proximidade das elei��es, nomes de pr�-candidatos.

"� uma brincadeira muito interessante porque eles precisam pensar em como defender aquilo que detonaram tanto, vivenciar os dois lados. Com pol�tica, fica mais acirrado. Ent�o tem que ter o professor como mediador e regras. Saber discutir sem agredir. Eles aprendem a respeitar o ponto de vista do outro", diz a educadora.
A organiza��o de simulados de elei��es � outra forma que escolas encontram para incentivar o debate pol�tico construtivo. Foi o que fez, por exemplo, o Col�gio Militar de Para�so do Tocantins em parceria com a Escola Judici�ria do Tribunal Regional Eleitoral e o cart�rio local, que, juntos, desde 2018, promovem o projeto "Agentes da Democracia - Forma��o de Eleitores e Pol�ticos do Futuro". Participaram todos os alunos do Ensino M�dio e muitos sa�ram do evento j� com o t�tulo eleitoral encaminhado.
"O intuito era mostrar que a pol�tica n�o � um grande vil�o. Eles fizeram um trabalho muito din�mico, com uma roda de conversa. Falaram sobre diversos temas, como, por exemplo, a seguran�a da urna eletr�nica. Inclusive eles trouxeram urnas, explicaram como elas funcionam", conta Jordana Marques, orientadora disciplinar do Col�gio Militar de Para�so do Tocantins.
"P�o com salame por voto"
O conhecimento de todas as esferas do poder e o entendimento das fun��es de cada cargo pol�tico foram vitais para acabar com os conflitos na Escola Estadual Jos� Ferreira Maia, em Tim�teo, Minas Gerais. � de l� a professora Karina Let�cia Pinto, vencedora do Pr�mio Professor Transformador 2021 pelo trabalho que fez na constru��o de valores democr�ticos.

"O projeto surgiu por causa da intoler�ncia em sala de aula, havia uma polariza��o muito forte. A gente via a replica��o da fala dos pais nos alunos. Dava muita confus�o porque um n�o aceitava o que o outro falava e eram crian�as de nove a dez anos de idade. A discuss�o terminava com um dizendo 'l� fora na sa�da vou te pegar'. Isso atrapalhava o conv�vio. Eu nunca tinha visto aquilo em 13 anos de sala de aula", lembra a docente.
Karina percebeu que as brigas ocorriam por motivos que as crian�as nem entendiam direito. Foi a� que teve a ideia de falar sobre o que � pol�tica. "Comecei explicando o que era o poder Legislativo, porque as crian�as achavam que s� o presidente mandava no pa�s. Mas eles foram entendendo como surgem as leis, como s�o votadas e por quem, quando passam a valer e como interferem em nossas vidas", relata. Depois seguiram as li��es sobre os poderes Executivo e Judici�rio.
"Ensinei tudo de uma forma bem did�tica. Expliquei a independ�ncia dos tr�s poderes, mas que os tr�s precisam ser amigos, que nenhum faz uma coisa sem o outro, que eles colaboram com o outro. Foi a partir da� que o debate em sala de aula passou a ser mais construtivo. Os alunos expressavam suas ideias, mas sabendo que deveriam respeitar a ideia do colega", diz Karina.

O primeiro exerc�cio de democracia aconteceu na escolha do l�der de sala de aula e a professora conta que o processo eleitoral teve at� den�ncia de compra de voto. "Alguns alunos vieram relatar, indignados, que teve gente querendo trocar a merenda, um p�o com salame, por voto", conta em meio a risadas. "Mas eles tinham aprendido o que era corrup��o e que aquilo era errado."
Os alunos tamb�m aprenderam sobre or�amento, entrevistaram o prefeito de Tim�teo e chegaram a fazer uma sess�o simulada no plen�rio da c�mara municipal. Enquanto buscava mais ideias de atividades, Karina descobriu o Plenarinho, uma iniciativa educacional da C�mara dos Deputados voltada �s crian�as.
"Vi que tinha um concurso nacional. As dez melhores reda��es de professores sobre toler�ncia dentro da escola eram selecionadas para levar os alunos ao Congresso Nacional, onde seriam deputados mirins por um dia", conta. O texto de Karina foi escolhido. Professora, alunos e pais foram para Bras�lia - depois de, com muito esfor�o, conseguirem juntar dinheiro para a viagem, j� que a maioria n�o tinha recursos.
"Foi um impacto para toda a fam�lia. Muito interessante as crian�as quando chegaram em Bras�lia e explicaram para os pais o que era o Congresso Nacional. No STF, uma das alunas com dez anos explicou para a m�e o que representava aquela est�tua com os olhos vendados. Eles captaram todas as li��es", conta a docente. "Eu n�o tive mais briga, bate-boca. Essa experi�ncia deixou bem claro que � pelo conhecimento que evitamos a escalada de conflitos destrutivos."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62440996
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