
A facilita��o ao acesso a armas, uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro (PL), � o tema que mais divide homens e mulheres no Brasil. � o que mostram dados in�ditos de uma pesquisa Genial/Quaest a qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade.
Enquanto 82% das mulheres s�o contra armar a popula��o, s� 63% dos homens expressam o mesmo posicionamento. Perguntados sobre outros temas pol�micos, como legaliza��o do aborto e diminui��o da maioridade penal, homens e mulheres n�o demonstraram o mesmo grau de mesma discord�ncia.
- O que � o 'Or�amento Secreto' e por que virou arma eleitoral contra Bolsonaro?
- O c�lculo arriscado de Bolsonaro por tr�s do ato de 7 de setembro em Copacabana
O resultado do levantamento, feito a partir de 2 mil entrevistas presenciais realizadas na semana passada em todo o Brasil, mostra por que causou pol�mica a declara��o do presidente, em um evento exclusivo para mulheres eleitoras em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, no �ltimo fim de semana.
- Ricardo Kertzman: 'Antes tarde do que nunca! Fachin suspende decretos de Bolsonaro'
Desde que assumiu, Bolsonaro publicou uma s�rie de decretos e portarias que ampliaram o acesso a posse e porte de arma de fogo, armas de uso restrito e muni��es. Atualmente, o n�mero de armas � disposi��o de civis no Brasil j� supera a quantidade de armamento do contingente da Pol�cia Federal.
Nesta segunda (5/9) o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspens�o de parte dessas novas regras para limitar a circula��o de armas, alegando "risco de viol�ncia pol�tica".
Uma an�lise nos dados da Pol�cia Federal sobre novos registros de armas mostram que os benefici�rios da flexibiliza��o no acesso a armamento foram majoritariamente os homens. A BBC News Brasil tabulou as informa��es obtidas pelo portal de transpar�ncia Fiquem Sabendo, que mostram na pr�tica a diferen�a apontada na pesquisa da Quaest: entre 2019 e o primeiro trimestre de 2022, mais de 96% dos novos registros de armas foram feitos por homens.
A pesquisa da Quaest sugere que esse eleitor beneficiado pela flexibiliza��o das armas demonstra fidelidade a Bolsonaro. A pesquisa mostra que 45% dos que declaram voto no atual presidente tamb�m afirmam ser contr�rios �s a��es para facilitar o armamento. J� entre os que declaram voto no ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), o percentual de desaprova��o quase dobra (88%).
Se pode contar com o apoio dos homens afeitos �s armas, Bolsonaro tem entre suas maiores fragilidades a baixa inten��o de voto no eleitorado feminino. Em agosto, o Datafolha mostrou que 53% das mulheres diziam rejeitar Bolsonaro.
O desafio � enorme, especialmente para o candidato que busca a reelei��o e aparece atualmente mais de dez pontos percentuais atr�s de Lula, que lidera as sondagens
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, com 82 milh�es de votantes, as mulheres s�o a maioria do eleitorado feminino (53% dos votos). Entre o grupo de 16 e 17 anos, o percentual chega a 54% e a 56% na faixa acima de 70 anos ou mais. Elas s�o tamb�m a maioria entre os indecisos.
A arma no centro do voto
"A quest�o da arma � central para explicar essa diferen�a que h� hoje entre homens e mulheres na avalia��o do presidente. As mulheres entendem que mais armas representam mais viol�ncia para as fam�lias delas, independentemente de uma posi��o mais � direita ou mais � esquerda (em outros assuntos). Esse � um tema que divide a sociedade h� tempos, e que n�o foi t�o importante em 2018, mas que nessa elei��o poder� ser decisivo", afirma o cientista pol�tico Felipe Nunes, diretor da Quaest.
� justamente neste contexto que o presidente tem feito da primeira-dama Michelle Bolsonaro - uma figura at� ent�o discreta em seu mandato - protagonista nas pe�as publicit�rias da campanha de reelei��o. � tamb�m neste contexto que ele tentou sugerir, em Novo Hamburgo, que as mulheres da plateia estariam em melhor situa��o se carregassem consigo uma pistola.
"A afirma��o do presidente � estapaf�rdia. O Brasil � um pa�s extremamente violento e a vida das mulheres � marcada cotidianamente pelas express�es da viol�ncia, do ass�dio at� o feminic�dio. E a gente sabe que a presen�a de arma de fogo no ambiente dom�stico exp�e essa mulher a um risco de letalidade muito maior, j� que 90% dos agressores s�o os maridos ou ex-companheiros", afirma a cientista pol�tica Marlise Matos, Coordenadora do N�cleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
No Brasil, uma mulher � assassinada por sua condi��o de g�nero a cada sete horas, segundo um levantamento realizado pelo F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica a partir de dados da viol�ncia de 2020.
Mulheres contra "bandido bom � bandido morto"
Para Matos, no entanto, a pr�pria seguran�a n�o � a �nica preocupa��o das mulheres quando se fala em aumento da circula��o de armas.
"Uma segunda explica��o � que, se a gente pudesse fazer um cruzamento por g�nero e ra�a, a gente veria, por exemplo, que essa preocupa��o com armas � maior ainda para as mulheres negras, e faz muito sentido que seja porque elas s�o as m�es dos jovens negros que caem abatidos como moscas em decorr�ncia da viol�ncia urbana no pa�s", afirma Matos.
Alguns dados da Quaest sustentam essa afirma��o. Primeiro, enquanto 50% dos homens brasileiros concordam com a frase "bandido bom � bandido morto", s� 39% das mulheres chancelam a mesma frase. Segundo que, enquanto brancos tendem a aprovar mais a flexibiliza��o nas regras de armamento (27%), os pretos s�o menos favor�veis a elas (20%).
Para Matos, ao abordar esse tipo de assunto com as mulheres, o presidente mostra que n�o entendeu bem o p�blico com quem tenta dialogar.
"� esdr�xula a afirma��o do presidente de que � melhor sacar uma arma do que sacar a Lei Maria da Penha, porque as mulheres n�o t�m essa percep��o. Acho que a pesquisa da Quaest mostra isso. No geral, a mulher n�o vai resolver ou mediar o seu conflito escalando a situa��o para uma viol�ncia ainda mais letal e de maior gravidade. Ela vai procurar uma amiga, um l�der religioso, o Estado, ou vai se calar e sofrer sozinha, mas n�o tende a partir pra viol�ncia com as pr�prias m�os", diz Matos.
Homens e armas
Para os estudiosos de mulheres e pol�tica, a seguran�a p�blica � certamente um tema importante para elas, mas a solu��o para o problema e a prioridade da quest�o s�o percebidos de maneira diferente do que para os homens, por motivos de ordem pr�tica e cultural.
Socialmente, mulheres s�o estimuladas a se dedicarem aos cuidados com a fam�lia, o que explica porque, historicamente, elas demonstram mais interesse e preocupa��o com sa�de p�blica ou infla��o de alimentos do que os homens.
"O armamento e a militariza��o est�o fortemente identificados com o masculino. Desde pequenos, os meninos ganham arminhas, t�m brincadeiras agressivas, enquanto as mulheres s�o educadas a reprimir a agressividade e a priorizar outras coisas, como o cuidado. Isso perpassa a sociedade. J� h� estudos mostrando que, fora do Brasil, nas legislaturas nas quais as mulheres s�o eleitas em maior propor��o, existe uma mudan�a em gastos de governo. Gastos com fins militares diminuem e esses recursos s�o alocados para outras �reas, principalmente sa�de p�blica. Ou seja, existe uma prioriza��o de �reas que t�m claro recorte de g�nero", afirma Malu Gatto, professora de Pol�tica Latino-Americana da University College London.
O estudo a que Gatto se refere foi feito por Amanda Clayton e Par Zetterberg, da University of Chigago, com 139 Estados que adotaram cotas para aumentar a participa��o parlamentar feminina entre 1995 e 2012. Os autores notaram relevante queda no or�amento das For�as Armadas e incremento nos sistemas p�blicos de sa�de quando havia mais mulheres nos parlamentos. O estudo foi publicado em 2018.
Mulheres contra o aborto
Gatto nota ainda que, tanto no Brasil, quanto no restante da Am�rica Latina, as eleitoras tendem a ser t�o ou mais conservadoras do que os homens. Isso explica, por exemplo, porque homens e mulheres t�m posi��es muito pr�ximas em rela��o � legaliza��o do aborto: 71% deles e 69% delas s�o contr�rios, segundo a pesquisa Quaest.
Durante a pr�-campanha, Lula foi duramente criticado at� por aliados quando defendeu que a quest�o do aborto precisaria ser enfrentada como "um tema de sa�de p�blica, a que todo mundo tivesse direito".
Entre o eleitorado que se diz decidido a votar em Lula, 63% s�o contra descriminalizar o aborto. J� entre os eleitores de Bolsonaro, a porcentagem chega a 85%.
Diante das manifesta��es contr�rias, e tentando disputar com o atual presidente a prefer�ncia entre as evang�licas, Lula recuou de seu posicionamento e passou a dizer que defendia que "as mulheres pobres v�timas de aborto pudessem ser tratadas no sistema p�blico de sa�de".
Nos Estados Unidos e na Europa, o mesmo eleitor — ou eleitora — que recha�a o aborto costuma ser tamb�m o que defende o direito de cada cidad�o se armar. Gatto nota, por�m, que isso n�o se repete no Brasil.
"Voc� pode ser conservador, ou de direita, em termos de valores morais relacionados � sexualidade, por exemplo, e a direitos reprodutivos. Mas ter uma vis�o que estaria mais alinhada, digamos, com perspectivas de esquerda, justamente nessa quest�o do armamento. A� a explica��o parece estar mais relacionada � experi�ncia de g�nero do que a alinhamentos ideol�gicos", diz.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62794529
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!