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Estado de Minas EXPRESS�O MUITO USADA

O que � politicamente correto?

Especialistas afirmam que politicamente correto surgiu como um movimento de esquerda em defesa da substitui��o de express�es, atitudes e percep��es socialmente aceitas, mas ofensivas ou amea�adoras para alguns grupos da sociedade, como mulheres, negros, ind�genas, homossexuais e pessoas com defici�ncia.


06/09/2022 06:23 - atualizado 06/09/2022 08:49


Ilustração de politicamente correto
(foto: Daniel Arce Lopez/BBC)

O famoso politicamente correto hoje � criticado por muitos lados da pol�tica brasileira.

"Me coloco diante de toda a na��o, neste dia, como o dia em que o povo come�ou a se libertar do socialismo, da invers�o de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto", disse o presidente Jair Bolsonaro em sua posse em 2019. "T� proibido contar piada. O mundo t� chato pra cacete, o mundo t� pesado, sabe? Todas as piadas agora viraram politicamente erradas", afirmou o ex-presidente Lula, ao defender piadas sobre nordestinos em 2022.

Mas o que � o politicamente correto, afinal? Especialistas afirmam que ele surgiu como um movimento de esquerda em defesa da substitui��o de express�es, atitudes e percep��es socialmente aceitas, mas ofensivas ou amea�adoras para alguns grupos da sociedade, como mulheres, negros, ind�genas, homossexuais e pessoas com defici�ncia.

S� que pouco tempo depois do surgimento do "politicamente correto", nos anos 1970, a direita americana conseguiu associar um significado negativo � express�o: ela passou a significar uma forma de censura, de ataque � liberdade de express�o e de um suposto vitimismo.

Muitos tra�am paralelos com o livro 1984, do escritor brit�nico George Orwell. No livro, um regime ditatorial adota uma l�ngua oficial em que as palavras somem de livros, jornais e documentos ao serem proibidas, e as pessoas t�m cada vez menos possibilidade de se expressar. No Brasil, ali�s, a express�o muitas vezes � complementada como "ditadura do politicamente correto".

Mas a briga em torno das palavras e atitudes n�o para por a�: muitas minorias passaram a argumentar que a express�o virou uma esp�cie de arma usada para silenci�-las — ou seja, elas n�o podem mais fazer cr�ticas ou questionamentos porque s�o acusadas de ser politicamente corretas. Ou s�o acusadas de se vitimizarem, exagerarem, praticarem patrulha ideol�gica, serem sens�veis demais ("gera��o floco de neve") ou fazerem mimimi ("mimizento").

Para entender todas as camadas desse debate sobre politicamente correto, a BBC News Brasil explica as origens dessa express�o na esquerda e como ela foi apropriada pela direita. Em seguida, lembra como um livro do escritor Monteiro Lobato reacendeu esse debate no Brasil. E, por fim, detalha como os cancelamentos e a linguagem neutra deram novas formas aos embates sobre politicamente correto.

E para al�m disso tudo, muitos especialistas defendem que todo esse debate tem pouco impacto se a sociedade que criou essas express�es n�o mudar junto. Ou seja, n�o adianta trocar uma palavra racista por outra se o racismo continuar presente entre as pessoas.

As origens do politicamente correto?

Especialistas apontam que a express�o surgiu e se popularizou entre os anos 1970 e os anos 1990 em universidades dos Estados Unidos.

Clive Hamilton, professor de �tica P�blica da Universidade Charles Sturt, na Austr�lia, diz que, quando surgiu, "politicamente correto" era uma esp�cie de par�dia entre ativistas de esquerda a partir de uma tradu��o de textos comunistas da China, principalmente aqueles da Revolu��o Cultural, considerados doutrin�rios ou orwellianos (em refer�ncia a 1984).

"Mas se a frase 'isso � politicamente incorreto' era dita de forma ir�nica, ela tamb�m tinha uma inten��o s�ria: desafiar o outro a pensar sobre o poder social da palavra e os estragos que ela poderia causar. � medida que essa forma de policiamento lingu�stico se espalhou, tornou-se um meio altamente eficaz de enfrentar os preconceitos profundamente enraizados embutidos nas palavras e express�es cotidianas", escreveu Hamilton.


George Orwell
Debate sobre politicamente correto e liberdade de express�o costuma remeter � obra 1984, do escritor George Orwell (na foto) (foto: BBC)

Segundo Hamilton, "o politicamente correto era 'pol�tico' no sentido de que visava provocar mudan�as sociais em um momento em que atitudes racistas, sexistas e homof�bicas encontravam express�o na linguagem cotidiana e n�o eram censuradas, embora as palavras fossem humilhantes, depreciativas ou amea�adoras para as minorias em quest�o".

O Dicion�rio Conciso de Pol�tica da Universidade de Oxford conta que esse influente movimento em universidades americanas defendia o princ�pio de a��es afirmativas e no��es de multiculturalismo, promovendo discursos e comportamentos antissexistas e antirracistas.

"O movimento pelo politicamente correto buscava mudan�as nos curr�culos de gradua��o que enfatizassem o papel de mulheres, pessoas n�o brancas e homossexuais na hist�ria e na cultura, e atacava a domina��o da cultura ocidental por homens brancos europeus mortos", diz o dicion�rio.

Wilson Gomes, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que o politicamente correto est� associado ao que se chama de identitarismo ou pol�ticas identit�rias. Segundo Gomes, essa posi��o dentro do espectro da esquerda passou, a partir dos anos 1960, 1970, a substituir a luta de classes pela luta identit�ria, numa esp�cie de identidade versus sociedade.

Mas qual � a diferen�a entre essas duas lutas? Em resumo, Gomes afirma que a luta de classes ocorre pelos meios de produ��o e determina que um ser� subalterno a outro, porque "quem tem os meios de produ��o controla a mais-valia (o valor criado pelo trabalhador com sua for�a de trabalho) e, portanto, a pobreza � uma circunst�ncia decorrente da riqueza".

Por outro lado, a chamada luta identit�ria, segundo Gomes, passa pela ideia de que existe uma determinada identidade que identifica um conjunto de pessoas social e historicamente oprimido pelo outros e pela sociedade como um todo. "Portanto, � preciso que esses grupos ganhem consci�ncia, como a ideia da consci�ncia de classe, e na luta identit�ria � uma esp�cie de consci�ncia da sua pr�pria identidade de uma minoria oprimida, seja negro, mulher, trans etc."

Nessa perspectiva, a opress�o � sist�mica, se materializa em todos os aspectos da vida social, por exemplo, e mant�m essas minorias em condi��es subalternas. A luta identit�ria, portanto, passa pela tomada de consci�ncia e pela reivindica��o dessa condi��o. "Um dos aspectos da luta identit�ria diz respeito � disputa na linguagem, a disputa pela denomina��o das coisas, pelo modo como eles pr�prios s�o denominados. � uma luta para que tenha uma linguagem respeitosa da identidade e que, portanto, reflita essa identidade. � uma luta de uma certa maneira pela pol�cia vocabular, como patrulhas ideol�gicas, constrangimentos etc. Porque o constrangimento � importante para essa luta", afirma Gomes.

Cr�ticas e guerras culturais

Para al�m do ambiente das universidades americanas, o fil�sofo conservador brit�nico Roger Scruton explica no Dicion�rio do Pensamento Pol�tico que, ao longo do s�culo 20, as pessoas passaram a ter mais consci�ncia de que linguagem e comportamento podem contribuir com ofensas e estere�tipos e refor�ar atitudes que promovem a discrimina��o.

Assim, houve um processo gradual de reforma da linguagem pol�tica para banir termos considerados ofensivos, que acabou ganhando vida pr�pria. Segundo Scruton, essas reformas lingu�sticas criaram um campo minado para aqueles que se referem a minorias com os termos incorretos.

"O conceito de politicamente correto se tornou tema de intensa pol�mica nos EUA e em todos os outros lugares em que a direita o ataca como uma amea�a � liberdade de express�o e uma desculpa para ca�a �s bruxas, enquanto a esquerda o endossa (...) como um pressuposto necess�rio para um debate p�blico justo e respeitoso", escreveu Scruton.


Ativistas do movimento Black Lives Matter
Umas das principais luta do movimento negro se d� contra o racismo na linguagem (foto: Getty Images)

Em entrevista � BBC, Scruton afirmou que, � primeira vista, o politicamente correto parecer ser uma maneira de ser levantar a favor das v�timas, sejam elas mulheres, homossexuais, transg�nero e outras minorias. "Mas na realidade se trata de criar v�timas."

Segundo ele, os defensores do politicamente correto s�o "especialistas em se ofender, mesmo que n�o tenha havido ofensa" e atuam como ju�zes, promotores e jurados do que chamam de crime. "Eles s�o a voz de uma justi�a inquestion�vel. Seu objetivo � intimidar seus oponentes, expondo-os � humilha��o p�blica." O fil�sofo ingl�s argumenta que o politicamente correto aproxima "acusa��o" e "culpa" de um "crime de pensamento" e acaba com a presun��o de inoc�ncia.

Crime de pensamento � uma express�o do livro 1984, no qual o Estado totalit�rio que controla a linguagem tamb�m policia e pune o pensamento das pessoas.

Scruton diz que a culpa da persegui��o ao livre pensamento nos dias de hoje n�o � apenas do politicamente correto, mas tamb�m de uma "caracter�stica da condi��o humana mais profunda e duradoura que vem � tona em ca�as �s bruxas: a busca por bodes expiat�rios".

Ele cita o fil�sofo e historiador franc�s Ren� Girard, para quem as sociedades s�o sujeitas a grandes rivalidades se as pessoas sofrem para ter os mesmos poderes e posses das outras.

Segundo Scruton, a desconfian�a entre as pessoas leva � busca de bodes expiat�rios para tentar resgatar a uni�o da sociedade. Ou seja, as pessoas tentam curar as feridas, mas todos se acusam de ser culpados pelas divis�es da sociedade.

J� Hamilton, da Universidade Charles Sturt, lembra que a busca por culpados, ou melhor, a principal rea��o negativa ao politicamente correto, foi disseminada por homens brancos privilegiados que se sentiam discriminados por pol�ticas de igualdade, defendendo que "voc� n�o deve se sentir mal pelo que �, pensa ou acredita".

Em debates promovidos pelo instituto Pew, muitos apoiadores do Partido Republicano (ao qual pertence o ex-presidente Donald Trump) falaram que a cultura politicamente correto tinha ido longe demais e demonstraram nostalgia de outras �pocas, algo compartilhado pelos brit�nicos que apoiaram a sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia (Brexit). Estes cidad�os, por sua vez, disseram ter medo de ser tachados de racistas e reclamaram que brincadeiras e piadas se tornaram proibidas.

Um dos pontos levantados por parte dos republicanos era a fragilidade daqueles que se sentiam ofendidos, os "pequenos flocos de neve (snowflakes)", como disse um dos entrevistados na pesquisa da Pew. A express�o � algo equivalente no Brasil a termos pejorativos como "mimizento/mimizenta", ou seja, pessoas acusadas de serem "sens�veis demais" ou de fazerem "mimimi" (choramingar, reclamar, criticar de forma exagerada etc.) quando apontam declara��es ou atitudes ofensivas.

Especialistas apontam que esse tipo de rea��o ao politicamente correto surge em meio a uma guerra cultural em curso, fen�meno que come�ou nos EUA nos anos 1990 e depois se espalhou pelo mundo. Alguns apontam a origem extraoficial dessa batalha em 1992, quando o republicano Patrick Buchanan discursou que havia uma "guerra cultural t�o importante para o tipo de que na��o que seremos quanto a pr�pria Guerra Fria".

Ele identificou � �poca que o direito ao aborto, os direitos dos homossexuais, a discrimina��o religiosa e a presen�a das mulheres nas For�as Armadas seriam algumas das principais frentes de batalha.

Em linhas gerais, guerras culturais costumam ser descritas como o processo em que temas morais como legaliza��o do aborto, do casamento gay ou do porte de armas se tornam centrais no debate pol�tico, ofuscando outros temas, e op�em conservadores ou de direita (pessoas de vi�s mais disciplinador, rigoroso e punitivo) e progressistas ou de esquerda (o oposto).

H� muita troca de acusa��es entre os envolvidos nessa guerra cultural. E no meio do tiroteio, h� quem pense que n�o � para tanto, nem para t�o pouco.

Melhor dizendo: h� quem concorde que algumas dessas palavras e express�es s�o de fato ofensivas e devem ser banidas em respeito aos outros, mas tamb�m acredite que isso tudo est� indo longe demais atualmente por meio de duas vertentes do politicamente correto: cancelamentos em excesso e imposi��o de linguagem neutra (entenda sobre esses termos mais abaixo).


Mulher discursa em meio a ativistas
Para parte dos brit�nicos, politicamente correto promoveu aumento da toler�ncia e redu��o de piadas e falas racistas (foto: Getty Images)

Em 2021, o instituto de pesquisas americano Pew publicou um levantamento com cidad�os de quatro pa�ses sobre assuntos como o politicamente correto e o discurso ofensivo. Apenas na Alemanha a maioria dos cidad�os concordou que "as pessoas devem ser cuidadosas com o que dizem para evitar ofender os outros".

Na dire��o oposta, a maioria das pessoas na Fran�a, nos EUA e no Reino Unido afirmou que "as pessoas hoje se ofendem f�cil demais com o que os outros dizem".

A principal diverg�ncia entre essas duas posi��es se d� nos EUA: 65% das pessoas de esquerda defendem o cuidado com discurso ofensivo, e apenas 23% das pessoas de direita concordam com isso.

Ideologicamente, a esquerda � a mais preocupada com o que se diz, aponta o Pew. E aponta avan�os positivos, apesar de tudo. Para muitos americanos democratas (apoiadores do partido do presidente Joe Biden), a mudan�a no discurso melhorou pr�ticas de neg�cios, por exemplo. Para brit�nicos contr�rios � sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia, o politicamente correto trouxe um aumento da toler�ncia e fez com que piadas racistas fossem finalmente inaceit�veis.

Monteiro Lobato e PT reacendem debate no politicamente correto no Brasil

O tema do politicamente correto dominou o debate na imprensa em dois momentos importantes da hist�ria brasileira recente.

Primeiro, em 2004, o governo Lula publicou a cartilha Politicamente Correto e Direitos Humanos, com quase 100 termos ou express�es pejorativas acompanhadas de coment�rios. O objetivo do documento era, segundo o ent�o subsecret�rio de promo��o e defesa dos direitos humanos Perly Cipriano, respons�vel pelo material, "chamar a aten��o dos formadores de opini�o para o problema do desrespeito � imagem e � dignidade das pessoas consideradas diferentes".

"Preto de alma branca - Um dos slogans mais terr�veis da ideologia do branqueamento no Pa�s, que atribui valor m�ximo � ra�a branca, e m�nimo aos negros. 'Apesar de ser preto, � gente boa' e '� negro, mas tem um grande cora��o' s�o varia��es dessa frase altamente racista, segregadora", dizia um trecho da cartilha.

Outra passagem afirmava: "Branquelo - Por incr�vel que pare�a, existe no Brasil preconceito racial contra pessoas brancas. Mais fortemente, contra membros das col�nias europeias no Sul do Pa�s. 'Branquelo' e "branquelo azedo' s�o duas das express�es pejorativas contra os brancos."

Mas a distribui��o de 5 mil exemplares acabou gerando ampla rea��o negativa. "� estarrecedor. Estamos ingressando numa era totalit�ria, em que o governo d� o primeiro passo para instituir uma nova l�ngua e baixar normas sobre as palavras que devemos usar?", afirmou o escritor Jo�o Ubaldo Ribeiro em sua coluna no jornal O Globo.

O material foi recha�ado pelo pr�prio Lula, que costuma usar v�rios dos termos da cartilha em seus discursos, como "louco", "pe�o" e "burro". Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo � �poca, o ent�o presidente afirmou que achava a cartilha "um absurdo, uma perda de tempo e um gasto desnecess�rio de dinheiro".

Ao discutir sobre a cartilha com assessores, Lula perguntou ao secret�rio da pasta respons�vel pela cartilha, Nilm�rio Miranda, por que "pe�o" � uma palavra pejorativa."Mas Nilm�rio, eu sou um pe�o e n�o me importo com isso. E tamb�m chamo as pessoas de pe�o."

Seis anos depois, o tema do politicamente correto voltaria ao notici�rio no Brasil, desta vez por causa do livro Ca�adas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, acusado de disseminar "preconceitos e estere�tipos contra grupos �tnico-raciais".

O caso do livro, distribu�do pelo governo federal a bibliotecas de escolas, teve in�cio em 2010 por meio de uma den�ncia � Ouvidoria da Secretaria de Pol�ticas de Promo��o da Igualdade Racial. Em seguida, a C�mara de Educa��o B�sica do Conselho Nacional de Educa��o (ligada ao Minist�rio da Educa��o) produziu pareceres sobre eventuais medidas.


Monteiro Lobato
Batalha judicial ligada ao livro Ca�adas de Pedrinho, de Monteiro Lobato reacendeu debate sobre politicamente correto no Brasil (foto: Dom�nio P�blico)

Entre elas, treinar professores para saber lidar com livros do tipo e acrescentar informa��es � obra (por meio de uma nota explicativa ou no texto de introdu��o) sobre o contexto da �poca de publica��o, o escritor Monteiro Lobato e estere�tipos raciais na literatura.

Um trio de pesquisadores (Jo�o Feres J�nior, Leonardo Nascimento, ambos da Uerj, e Zena Eisenberg, da PUC-Rio) que analisou o caso conta que metade dos textos opinativos na m�dia tradicional publicados � �poca associava o caso ao politicamente correto e parte desses textos atribu�a a responsabilidade � linha ideol�gica do PT, numa esp�cie de "imposi��o da ideologia de um grupo de militantes de esquerda autorit�ria sobre toda a sociedade".

"Quem pede a suspens�o de uma obra por ela conter um termo considerado discriminat�rio est� assassinando a cultura brasileira, que a cada dia � torpedeada por novas empreitadas da patrulha do politicamente correto", disse o lexic�logo Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras.

Em editorial escrito em 2011 sobre outra quest�o, a possibilidade de se fechar escolas voltadas a estudantes com defici�ncia auditiva ou visual e inclui-los na rede de escolas convencionais, o jornal O Globo retomou o tema do politicamente correto.

"O extenso hist�rico de medidas com o vi�s do politicamente correto, em obedi�ncia � linha ideol�gica de �reas do PT e adotadas desde o primeiro governo Lula, recomenda prud�ncia e boa dose de ceticismo em rela��o ao desmentido (de que a proposta n�o seria adotada). Afinal, n�o � a primeira vez que o governo federal tenta empurrar goela abaixo da sociedade uma p�lula supostamente progressista, que, na realidade, � um composto no qual mal se disfar�a o DNA do autoritarismo e da intoler�ncia", dizia o texto.

Para os pesquisadores, apesar de toda rea��o ao politicamente correto, "nenhuma sociedade real existe sem uma medida do que seja o politicamente correto, isto �, da linguagem que � ou n�o aceita, de padr�es do que � ou n�o ofensivo".

Al�m disso, segundo eles, "n�o h� registro de sociedade hist�rica em que tais padr�es n�o tenham se imposto pela for�a da cultura e das institui��es".

Como dito acima, muitos especialistas defendem que todo esse debate surte pouco efeito se o racismo, por exemplo, continuar presente entre as pessoas mesmo com palavras novas.


Lula
Cr�tico do politicamente correto, Lula derrubou iniciativa de seu pr�prio governo para promover mudan�as na linguagem (foto: AFP)

A soci�loga e pesquisadora Sabrina Fernandes (Universidade Livre de Berlim) defende que todo esse debate sobre liberdade de express�o e seus limites e solu��es deveria passar tamb�m por livrar as pessoas da opress�o antes se discutir a linguagem.

"� preciso libertar as pessoas da opress�o tamb�m. E a� tudo se torna natural, porque se voc� tem uma sociedade que � mais feminista e menos machista, voc� n�o vai precisar ficar regulando as coisas machistas que as pessoas falam porque elas n�o v�o sentir necessidade de falar isso. Porque se promoveu mudan�as mais profundas", afirma Fernandes em entrevista � BBC News Brasil.

Para o linguista e professor S�rio Possenti (Unicamp), em artigo sobre o tema, as palavras ou express�es n�o carregam significados intr�nsecos, em si, mas, sim, significados consolidados nas estruturas e rela��es sociais e culturais.

Por isso, diz Possenti, se uma sociedade � racista, mudar os termos considerados ofensivos (ou criminosos) por outros mais "neutros" somente n�o tornar� as rela��es ou os falantes menos ou mais racistas, e os significados preconceituosos acabar�o sendo carregados e reproduzidos nas novas express�es substitutas.

Linguagem neutra, uma nova vertente do politicamente correto

Um dos fen�menos que costumam gerar mais debate atualmente nesse contexto � a linguagem neutra ou inclusiva, que, segundo o Parlamento europeu, visa "contribuir igualmente para reduzir os estere�tipos de g�nero, para promover mudan�as sociais e para alcan�ar a igualdade de g�nero". Para a institui��o, esse conceito � mais do que uma quest�o de politicamente correto porque "reflete e influencia profundamente atitudes, comportamentos e percep��es".

Mas como funciona na pr�tica? Em geral, esse conceito � utilizado para n�o especificar o g�nero do interlocutor. Assim, s�o utilizados, por exemplo, termos como "elu" — em vez de ele ou ela — e a vogal "e" se torna recorrente nas palavras com terminologias que denotam g�nero. Amigo se torna amigue. Bonito se torna bonite. H� algum tempo, chegou-se a usar a consoante "x" ou o s�mbolo "@" para essa finalidade (como "bonitx" ou "bonit@"), mas as dificuldades de leitura, fala e compreens�o reduziram esses usos.

H� outras estrat�gias de linguagem neutra ligadas � substitui��o dos termos. Uma cartilha do Parlamento europeu sobre o tema sugere trocar express�es como "os pol�ticos" por "a classe pol�tica", "os professores" por "o corpo docente" e, nas refer�ncias ao g�nero humano, trocar o termo "homem" por "a humanidade", "o ser humano", "a sociedade" ou "as pessoas". A exce��o ao �ltimo caso seria a express�o "direitos do homem", por ser "utilizada em muitos textos jur�dicos, a qual se refere a um conceito pol�tico e filos�fico com um importante cunho hist�rico".


Jair Bolsonaro em sua posse presidencial, ao lado da primeira-dama, Michele Bolsonaro
Governo Bolsonaro vetou uso de linguagem neutra em projetos culturais ligados ao mecanismo de fomento Lei Rouanet (foto: Getty Images)

O tema costuma gerar rea��o de grupos conservadores no pa�s. "Netflix coloca em seu cat�logo desenho infantil que promove linguagem neutra, ideologia de g�nero e destrui��o da fam�lia. Pais, n�o deixem seus filhos assistirem o desenho Ridley Jones", postou no Twitter o deputado federal bolsonarista Carlos Jordy (PSL-RJ).

As mudan�as passaram dos debates na m�dia e nas redes sociais e j� chegaram aos Tr�s Poderes.

O governo Bolsonaro vetou seu uso em projetos culturais financiados via Lei Rouanet (mecanismo de incentivo por meio de isen��o fiscal).

"Entendemos que a linguagem neutra (que n�o � linguagem) est� destruindo os materiais lingu�sticos necess�rios para a manuten��o e difus�o da cultura. E que submeter a l�ngua a um processo artificial de modifica��o ideol�gica � um crime cultural de primeira grandeza", escreveu no Twitter o ent�o secret�rio de fomento e incentivo � cultura, Andr� Porciuncula.

"Tal expediente, apesar de se vender como linguagem, n�o � um produto social apto a produzir comunica��o. Ele n�o surgiu no cotidiano de um povo, mas sim criado e integrado de forma alien�gena, atrav�s de movimento pol�tico sect�rio."

A Assembleia Legislativa de Rond�nia chegou a aprovar uma lei proibindo a linguagem neutra em escolas e editais de concursos p�blicos, mas a medida acabou derrubada em 2021 pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o magistrado, a linguagem neutra "visa a combater preconceitos lingu�sticos retirando vieses que usualmente subordinam um g�nero ao outro" e "� dif�cil imaginar que a sua proibi��o possa ser constitucionalmente compat�vel com a liberdade de express�o".

A rela��o entre cancelamento e politicamente correto

Uma das facetas atuais do politicamente correto � a chamada "cultura do cancelamento". Mas essa quest�o � t�o pol�mica que n�o h� consenso nem se de fato ela existe.

De um lado dessa briga est�o aqueles que denunciam uma nova forma de julgamento p�blico, particularmente nas redes sociais, que tem levado � censura e amea�ado a liberdade de express�o.

O outro lado da disputa rebate afirmando que o termo cancelamento � um r�tulo usado como artif�cio por quem tenta diminuir cr�ticas e boicotes leg�timos contra pessoas ofensivas, racistas ou homof�bicas, por exemplo. Algo parecido ao uso indiscriminado da express�o "politicamente correto", usada como guarda-chuva para muitas coisas diferentes.

O movimento de boicotes digitais ganhou for�a na �ltima d�cada como uma maneira de amplificar a voz de grupos oprimidos e for�ar a��es pol�ticas de empresas ou figuras p�blicas.


Boca tapada com fita adesiva riscada com um X
Cancelamento tem sido associado por seus cr�ticos a pr�ticas como censura, patrulha ideol�gica e linchamento virtual (foto: Getty Images)

Por n�o terem for�a pol�tica ou econ�mica para conseguir mudan�as sozinhas, esses grupos adotam uma t�tica mais ou menos assim: um usu�rio de m�dias sociais, como Twitter e Facebook, presencia um ato que considera errado, registra em v�deo ou foto e posta em sua conta, com o cuidado de marcar a empresa empregadora do denunciado e autoridades p�blicas ou outros influenciadores digitais que possam amplificar o alcance da mensagem. � comum que, em quest�o de horas, o post tenha sido replicado milhares de vezes.

A cascata de mensagens a uma empresa e a eventual repercuss�o na m�dia costuma precipitar atitudes sum�rias para estancar o desgaste de imagem, como cancelar contratos ou neg�cios com o alvo do boicote, sem que a pessoa sob ataque possa necessariamente se defender na Justi�a, por exemplo.

Por isso, alguns cr�ticos costumam chamar esses boicotes de linchamento p�blico. Diante do que qualificaram como "atmosfera sufocante", um grupo de 150 jornalistas, intelectuais, cientistas e artistas, considerados progressistas, resolveu publicar, na revista americana Harper's Magazine, em 2020, um texto intitulado "Uma carta sobre Justi�a e Debate Aberto".

Assinada por nomes de peso, como o linguista Noam Chomsky, os escritores J.K. Rowling e Andrew Solomon, a ativista feminista Gloria Steinem, a economista trans Deirdre McCloskey, e o cientista pol�tico Yascha Mounk, a carta afirma que "a livre troca de informa��es e ideias, for�a vital de uma sociedade liberal, tem diariamente se tornado mais restrita. Enquanto esper�vamos ver a censura partir da direita radical, ela est� se espalhando tamb�m em nossa cultura: uma intoler�ncia a vis�es opostas, um apelo � vergonha p�blica e ao ostracismo e a tend�ncia de dissolver quest�es pol�ticas complexas com uma certeza moral ofuscante".

A resposta � carta dentro do pr�prio movimento progressista n�o tardou. Um grupo de artistas, intelectuais e jornalistas de ve�culos como New York Times e NPR acusou os autores da primeira carta de, do alto de seu sucesso profissional e posi��o confort�vel no mercado, ignorar as dificuldades de minorias, como negros e popula��o LGBTQ+, no debate p�blico no mundo acad�mico, nas artes, no jornalismo e no mercado editorial.

"Os signat�rios, muitos deles brancos, ricos e dotados de plataformas enormes, argumentam que t�m medo de ser silenciados, que a chamada cultura do cancelamento est� fora de controle e que eles temem por seus empregos e pelo livre interc�mbio de ideias, ao mesmo tempo em que se manifestam em uma das revistas de maior prest�gio do pa�s", afirmam os signat�rios do novo documento, intitulado "Uma carta mais espec�fica sobre Justi�a e debate aberto". Vinte e tr�s dos signat�rios o fizeram de forma an�nima por medo de repres�lias.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62550838

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